segunda-feira, 4 de julho de 2016

O 1968 operário no Brasil: a greve dos operários da Cobrasma

Alessandro de Moura
(doutor em Ciências Sociais - UNESP)


As reflexões que apresentamos aqui são sínteses desenvolvidas na minha tese de doutorado defendida pela Unesp-Marília em agosto de 2015: Movimento operário e sindicalismo em Osasco, São Paulo e ABC paulistarupturas e continuidades (http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/135966/000858805.pdf?sequence=1&amp%3BisAllowed=y). Foi realizada com base em entrevistas coletadas com alguns dos principais operários que organizaram as greves em Osasco em 1968, com operários que construíram a Oposição Sindical Metalúrgica em São Paulo durante a década de 1970 e com operários que aturam nas greves no ABC no ascenso operário de 1978-1980. As entrevistas estão disponíveis no endereço: http://memoriasoperarias.blogspot.com.br/
Resumo
Analiso o movimento operário desenvolvido em Osasco durante a década de 1960 e os processos que culminaram na greve na Cobrasma em 1968. Nessa década se formam duas comissões dentro da Cobrasma, uma clandestina e outra semi-clandestina, sendo que em 1965 essas comissões se juntam e criam uma comissão legalizada. Com o fortalecimento dessa comissão, decide-se disputar as eleições para o Sindicato de Osasco. Vencendo as eleições, o Sindicato se envolve nas atividades do MIA, na comemoração do Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé e por fim, prepara a greve da Cobrasma no mesmo ano. Essa greve será uma das mais importantes no imediato pós-golpe de 1964. Realizamos uma série de entrevistas com alguns dos principais dirigentes dessa greve. 
Introdução
Em 1968 assistiu-se o início da ruptura com o equilíbrio derivado do acordo de Yalta que definia a divisão do mundo em zonas de influência, uma hegemonizada pelos EUA e outra hegemonizada pela URSS. Chegou-se também ao fim do ciclo econômico do pós-segunda guerra, com o início de uma crise de acumulação capitalista em uma fase de depressão da economia mundial. O esgotamento do crescimento econômico internacional está na raiz do ascenso que começa em 1968 como uma ruptura inaugural com o equilíbrio de Yalta. Assim, o maio francês abre um novo ciclo político, foi um ensaio geral inicial que detonou a crise dessa ordem de domínio bipolar. Desdobrava-se uma nova fase de um ascenso revolucionário mundial que durou até 1981.
A comemoração do Primeiro de maio de 1968 na França mobilizou 100.000 manifestantes. No dia 10 de maio estudantes constroem 60 barricadas no Bairro Latino, foi "A noite das barricadas". As mobilizações operárias obrigaram as centrais sindicais da França à convocação de uma greve geral de 24h no dia 13 de maio que paralisa 450 mil manifestantes. Essa greve geral será a detonadora de uma série de outras greves com ocupações de fábrica que envolverá milhões de operários. 
Uma onda de greves, por fora dos sindicatos, varreu a França. (VIGNA, 2008). No dia seguinte, 14 demaio, operários ocupam a Sud-Aviation e tomaram a gerência como refém. No dia 15, os operários da Renaul em Cléon também ocupam a fábrica. Conflitos são registrados na fábrica Lockeed de Beauvais. No dia 16, operários de outras fábricas da Renaul francesa também deflagram greve com ocupação (localizadas nas cidades de Flins, Bellancourt, Snadouville e Le Man). No dia 17 de maio já se contabilizava 175 mil grevistas. No dia 18 centenas de empresas privadas estão ocupadas. As ocupações continuam expandindo-se. A onda grevista atinge todo o país até o dia 20 de maio. Durante essa semana chega-se a estimar cerca de dez milhões de grevistas. No dia 24 tem-se uma nova "noite das barricadas" com o saldo de 500 feridos e uma morte. Em síntese, a greve geral do dia 13 de maio de 1968 funcionou como detonadora da rebeldia operária. O Maio Francês contribui diretamente para fortalecer as mobilizações contra a Guerra do Vietnã (lembremos que em janeiro de 1967 o governo dos EUA havia enviado 486.000 soldados para o Vietnã). (VIGNA, 2008).
Fortes mobilizações estudantis e operárias agitam o Japão no "assalto a Tókio" em outubro de 1968, milhares de estudantes e operários atacam o Parlamento, a Embaixada Americana e a estação de Shinjuku, a agitação operária e estudantil atinge mais de 300 locais da ilha. Também no segundo semestre de 1968 desdobrou-se a Primavera de Praga e em 1969 o Inverno Quente italiano, nas principais fábricas na Itália operários organizam-se contra as burocracias sindicais (agentes da dominação de classe), e as determinações sindicais e partidárias do Partido Comunista Italiano e contra a CGIL - Confederazione Generale Italiana del Lavoro. Nos Estados Unidos ganha força o protagonismo do movimento negro, Malcolm-X, Martin Luther King e os Panteras Negras na luta por direitos para a população negra que vivia em condições precárias e sob intenso preconceito racial/étnico. No México, o presidente Gustavo Dias Ordaz Bolaños ordena o massacre contra estudantes da Universidad Autonoma del México (UNAM), mais de 500 são assassinados.
Na Argentina inicia-se um ascenso operário a partir do Cordobazo em 1969, uma onda grevista em Córdoba que contou com enfrentamentos armados entre operários e a força repressiva pública. O movimento operário argentino faz-se sujeito principal de um processo revolucionário que se estende até 1976. (WERNER: AGUIRRE, 2007). No Chile o operariado inicia uma fase pré-revolucionária que expressará grande vigor com os Cordões industriais até 1973. Também irrompia à cena política a Assembléia Popular boliviana, a revolução portuguesa, a derrota norte-americana no Vietnã e a revolução polonesa de 1980-81.
Especificidade do ascenso do processo brasileiro
A partir da primeira metade da década de 1940 inicia-se uma nova fase de acumulo de forças e de mobilização da classe trabalhadora no campo e nas cidades brasileiras, exemplo disso foram as centenas de comissões de fábricas independentes que surgiram na greve dos 300 mil em 1953, bem como as dezenas de piquetes móveis independentes organizados por trabalhadores durante a greve dos 400 mil em 1957 e auto-organização no campo por meio das Ligas Camponesas e as mobilizações massivas nos primeiros anos de 1960. O ponto mais alto desse processo será a crise pré-revolucionária aberta em 1962 e que será sufocada pelo golpe militar burguês em abril de 1964. (PEDROSA, 1966: BANDEIRA, 1977: LEAL, 2011: FERNANDES, 2009). No entanto, o golpe não conseguiu extinguir a chama do movimento operário que se reorganizará desafiando o regime militar em 1968 por meio das greves operárias em Contagem e Osasco. 
Duas comissões de fábrica organizadas pela base na Cobrasma
Os trabalhadores de Osasco participaram da greve dos 300 mil em 1953, também da greve dos 400 mil em 1954 e da greve dos 700 mil em 1963. Esses processos combinaram-se com a luta autonomista osasquense para separar-se de São Paulo e tornar-se cidade autônoma. Assim iniciou-se o Movimento emancipacionista que realizou plebiscitos em 1953, 1958 e 1962. O movimento estudantil secundarista da cidade envolveu-se nessas mobilizações e politizou-se, tanto pelas mobilizações na cidade quanto pela conjuntura do país. Ainda, muitos dos estudantes que compunham e dirigiam esse movimento estudantil, como José Ibrahim, Zequinha Barreto e Roberto Espinosa, eram também operários na Cobrasma, fábrica com 4.000 operários que admitia jovens operários a partir dos 14 anos. Dessa forma, as lutas operárias e estudantis se interligavam em Osasco.
Na conjuntura do ascenso das lutas operárias e trabalhadores rurais no início da década de 1960, forma-se na Cobrasma duas comissões de fábrica, uma clandestina composta por operários de esquerda independentes e a Comissão dos 10, organizada por militantes católicos da ACO e JOC que impulsionavam a FNT (Força Nacional do Trabalho), entidade que tinha como orientação a busca acordos entre capital e trabalho numa via de atuação marcadamente anti-comunista. De acordo com publicação da FNT (1980): "não se colocava com clareza a questão da luta de classes no capitalismo, isto é, a oposição de interesses entre trabalhadores e classe dominante. A perspectiva era muito mais conciliar capital e trabalho, na linha de convencer o patrão para que, percebendo a verdadeira situação do trabalhador, viesse somar forças conosco". (FRENTE NACIONAL DO TRABALHO, 1980).
Os militantes de esquerda, onde se destacara José Ibrahim, na comissão clandestina da Cobrasma, buscaram aproximar-se da comissão dos católicos que tinha aceitação da patronal e formaram uma comissão unificada. Essa comissão foi eleita pelos operários da fábrica e tornou-se uma comissão legalizada em 1965. No entanto, na segunda eleição para essa recém criada comissão, em 1966, o grupo de esquerda se fortalece dentro da fábrica e conquista a maioria dos cargos da comissão, ultrapassando a influência dos católicos da FNT. (IBRAHIM, 1972). Esses militantes de esquerda são críticos à atuação do PCB no meio sindical e também à FNT, mas não estão ligados a nenhuma organização política.
Da comissão à direção do Sindicato
O trabalho interno feito pela comissão de fábrica, a partir de 1965, encontrou grande aceitação pelo operariado da Cobrasma, com isso, esses operários calcularam que tinham chances de vencer as eleições sindicais para a gestão do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco em 1967. Formou-se então a Chapa Verde, composta por membros da FNT e do grupo de esquerda.
Chapa Verde vence o pleito eleitoral, tendo recebido 90% dos votos dos operários da Cobrasma. Esta fábrica era a maior e mais importante de Osasco, cidade que contavam com cerca de 200 mil habitantes e com aproximadamente 16 mil operários trabalhando na indústria local. Ou seja, o trabalho realizado desde o inicio da década de 1960 produziu frutos consideráveis. Conquistou uma comissão interna e chegou à gestão do Sindicato. Agora, na gestão, podiam atuar diretamente na criação de comissões em outras fábricas.
A gestão do Sindicato passou a ser feita com participação direta dos operários da região por meio de assembléias abertas e com igualdade entre titulares e suplentes nas decisões. Ainda, o grupo de esquerda passou a oferecer cursos de formação política aos operários, tendo como base o marxismo, passou-se a convidar militantes de diversas organizações da esquerda (POLOP, AP e Trotskistas) para ministrar cursos de formação diária com base nos textos: Salário, preço e LucroTeoria da mais valia e História da riqueza do homem etc. Com isso, uma ampla camada de operários passou a orbitar em torno do Sindicato. Essa camada era chamada de Vanguarda de Fábrica, estima-se que chegou a organizar cerca de 1000 operários entre julho de 1967 e julho de 1968.
MIA - Movimento Intersindical Anti-arrocho
Com o crescente descontentamento no chão de fábrica, sobretudo por contra do arrocho salarial e do autoritarismo da ditadura militar-burguesa, as direções sindicais empossadas como apoio da ditadura, os pelegos, viram-se obrigados a dar alguma resposta às bases para poder controlá-las. Assim, em setembro de 1967, surgiu o MIA, que foi um organismo sindical hegemonizado pelos dirigentes pelegos para reivindicar reajustes junto ao governo. O Sindicato Metalúrgico de Osasco adentra esse movimento com intenção pressioná-lo à esquerda. A direção do MIA programa 5 assembléias nos principais centros operários do Estado: a primeira foi realizada em São Paulo, sob a direção de Joaquinzão pelego, a segunda em Santo André, a terceira em Osasco, a quarta em Campinas e a última em Guarulhos.
Foram todas assembléias lotadas com centenas de operários. Em cada uma delas expressava-se a tensão entre os pelegos e os combativos liderados por Osasco. A última assembleia realizada em Guarulhos, já em 1968, foi implodida por causa do antagonismo entre as duas tendências do movimento operário. Assim o MIA foi dissolvido, dando lugar a uma comissão para organizar o Primeiro de maio na Praça da Sé naquele 1968. Mesmo sendo dirigido pelos pelegos, durante os 6 meses de vida do MIA com suas 5 assembleias, criou-se um importante espaço que possibilitou a constituição de laços entre os operários que compunham as oposições sindicais no Estado de São Paulo e alimentou uma nova vanguarda operária fabril que se formava em oposição ao peleguismo que funcionava como um secretariado sindical à serviço da patronal e da ditadura.
Greve em Contagem - 16 abril de 1968
Nesse entretempo, é deflagrada uma greve em Contagem/MG que envolve todo operariado do parque industrial da cidade no mês de abril de 1968. Já em 1967 registraram-se greves na Mannesman, nos mineiros de Ibirité, na CIA Siderúrgica Nacional de São João del Rei e Usinas Metalúrgicas de Barão dos cocais. A motivação central das greves era o atraso nos salários e demissão de centenas de operários. Em fevereiro de 1968 entram em greve 3.500 operários da ACESITA. No dia 16 de abril de 1968, 1200 operários da Belco-Mineira iniciam greve com ocupação da fábrica. Essa greve marca o início de uma onda de rebeldia operária em Minas Gerais. Aderem à greve 4.500 trabalhadores da Mannesman, também operários da RCA Vitor, Demissa e Industam. Esses são seguidos por operários da SIMEL, Metalúrgica Triângulo, Pollig-Haakel, Minas-Ferro e Mafersa, somando 15.000 grevistas. O movimento dura 10 dias e conquista um reajuste parcial. (WEFFORT, 1969).


Minas é exemplo de luta!
A vitória dos operários mineiros impacta diretamente sobre o operariado de Osasco e alimenta o ânimo dos trabalhadores da Cobrasma, Ibrahim, presidente do Sindicado de Osasco vai até Minas Gerais com objetivo central de assimilar os elementos organizativos principais da experiência daquele movimento.

Na semana seguinte, no Primeiro de maio de 1968, cerca de 1000 operários de Osasco comparecem ao ato na Praça da Sé, levavam bandeiras com a inscrição "Minas é exemplo de luta" e "Só a greve derruba o arrocho". O Sindicato de Osasco fretou vários ônibus para garantir a participação naquele ato, os operários foram armados com paus, barras de ferro e pedras para impedir que o governador biônico Abreu Sodré utilizasse a tribuna. Os pelegos do MIA planejaram um ato que reafirmava o compromisso entre as direções sindicais e os representantes da ditadura, os operários de Osasco, por sua vez, planejaram acabar com a farsa orquestrada pelo peleguismo e a ditadura. Abreu Sobre foi recebido com pedradas e ovos podres. O governador e sua "caravana" tiveram que "sair de gatinho", engatinhando para se refugiar dentro da Catedral da Sé.



Os operários expulsam os agentes da ditadura, tomam o palanque fazem discursos contra o regime, colocam fogo no palanque e saem em ato pelo centro da cidade. O palanque ditatorial é transformado em tribuna operária.




A greve na Cobrasma - 16 de julho
A Diretoria do Sindicato Metalúrgico de Osasco, animada pela conjuntura política daqueles anos de 1967-1968, tendo como pauta principal 35% de reajuste imediato; reajustes trimestrais de salários e a contratação coletiva do trabalho, decidiu não esperar a data base de novembro e deliberou por antecipar a greve para julho de 1968, quatro meses antes da data base. A Diretoria do Sindicato, que havia vencido as eleições de 1967, com maioria absoluta de votos, apoiada por comissões e grupos de fábrica clandestinos, tinha também desempenhado um importante papel na diretiva daquele Primeiro de Maio vitorioso e exemplar. Ainda, Ibrahim, após a visita a Contagem, afirmou que “voltei convencido de que tínhamos mais condições do que eles para realizar a greve. E havia um dado concreto: lá não houvera repressão, e, em São Paulo o movimento estudantil não estava sendo reprimido”. (IBRAHIM, 1978, p. 12). Quando pergunto, em entrevista, à Espinosa se a greve de Contagem impactou em Osasco, ele responde que:
Muito, muito. Houve dois impactos: o mais importante deles foi o de Contagem. Todos os nossos cálculos eram baseados em Contagem. Em Contagem, levou 10 dias para que a repressão fosse ativada, houve 10 dias de tentativa de negociação. Então a gente também achava que eles iam tentar negociar. Em Contagem, a Diretoria do sindicato disse que foi pega de surpresa e que a greve era espontânea. Nós também planejamos isso, o sindicato ia fazer de conta que não sabia de nada. O Ibrahim ia se oferecer como mediador, se ofereceu como mediador. Então, o plano todo baseado em Contagem. (Entrevista - Roberto Espinosa).
Desta forma, a diretoria do Sindicato decidiu deflagrar uma greve com ocupação de fábrica no dia 16 de julho de 1968. De acordo com Ibrahim: "Todo o planejamento foi feito com os companheiros da Comissão, do Comitê Clandestino e do setor mais avançado da fábrica, que somavam ao todo uns duzentos homens". (IBRAHIM, 1972, p. 224). Embora a greve tenha sido organizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, esse não aparecia como organizador. Segundo Octaviano, a greve:
Foi mais convocado pelos trabalhadores, o sindicato estava preparado para fazer a greve, mas ele não podia aparecer, não podia parecer que era ele que estava promovendo a greve, eram os próprios trabalhadores, o sindicato apenas deu apoio. Mas era o próprio sindicato que estava na luta... Só que não podia parecer que era o sindicato que estava fazendo aquele trabalho. Eram companheiros sindicalistas e companheiros que apoiavam a direção. Aí o pessoal se reunia, discutia, fazia as comissões, mas, a gente que era da Brown Boveri não era chamado porque eles queriam fazer a greve da Cobrasma. Aí eu como vice-presidente, eu escutava a comissão [da Cobrasma]. (Entrevista - Octaviano).
De acordo com João Joaquim da Silva, que na ocasião era operário na Cobrasma e membro da Diretoria do Sindicato:
Quando na manhã do dia 16 de julho, às 8:45, um operário apertou o apito da COBRASMA, a greve começou. Os operários da limpeza e acabamento fizeram uma passeata dentro da empresa parando as máquinas, gritando palavras de ordem "abaixo o arrocho salarial", "viva a greve" e "essa luta é de todos". Em menos de meia hora, a fábrica estava totalmente paralisada, realizando a sua primeira assembléia, dirigida pelo CGG - Comando Geral de Greve - que decidiu pela ocupação de fábrica por tempo indeterminado. (...). (SILVA, 2006, p. 15).
Embora vários grupos políticos fossem se envolver naquela greve, a VPR que teve maior peso na orientação daquele movimento, uma vez que seus militantes eram reconhecidos como direções orgânicas na Cobrasma e na região de Osasco; Ibrahim, presidente do sindicato também aderiu à organização em 1968. Dentro da fábrica, José Campos Barreto (Zequinha Barreto) era o responsável por colocar em prática a linha política da VPR. Conforme nos relatou Espinosa, ex-operário da Cobrasma que também era membro da VPR em 1968:
No primeiro dia foi certinho, às 8:15 da manhã, 8:20, tocou o apito, começou na limpeza e acabamento, foi tomado o refeitório, foi organizado, o Barreto assumiu a liderança, foi para a porta, montamos guardas na portaria. Eu estava do lado de fora, aí eu já estava na VPR, a VPR alugou dois aparelhos: um aparelho aqui na Vila Iara, um quilômetro acima daqui [região próxima ao centro de Osasco], onde funcionaria a imprensa, tinha lá mimeógrafo, enfim... A imprensa. Três aparelhos foram alugados... (Entrevista - Roberto Espinosa).
Nesse dia 16 de julho, ocuparam a Cobrasma e a Lonaflex, aderiram à greve operários da Barreto Keller, Granada Fábrica de Fósforos e Osram. Às 10:30 da manhã, 400 operárias paralisam a Fósforos Granada, de acordo com João Joaquim da Silva: "em passeata, aproximadamente 400 operárias grevistas passaram em frente ao portão da COBRASMA, em direção ao nosso sindicato, nos aplaudindo e gritando  vivias à greve!". (SILVA, 2006, p. 15). A estratégia da greve foi influenciada pelo foquismo, assim essas greves deveriam funcionar como elemento catalizador que provocaria uma onda de greves no eixo industrial da grande São Paulo (de Osasco para São Paulo e ABC Paulista). No entanto, a ditadura agiu rapidamente em defesa da patronal. Conforme relatou Toninho, que na ocasião era operário na Braseixos:
Daí a pouco, aparecia muita senhora chorando na beira da cerca, porque a televisão começou a dizer que as tropas estavam vindo para cá e ia ser um massacre... Aí as mães, as mulheres dos trabalhadores ficavam muito apavoradas e elas vinham chorando na beira da cerca... Aí a gente dizia: ‘Não, podem ficar sossegadas, está tudo sossegado’, aí elas voltavam um pouco mais confortáveis. E alguns que queriam sair nós não deixávamos também, porque tinha uns que queriam pular a cerca e ir embora, nós não deixávamos. (Entrevista - Toninho três oitavos).
Buscando aproximar-se ao máximo do processo que havia decorrido em Contagem, Ibrahim, presidente do Sindicato Metalúrgico de Osasco, interpreta o papel de dirigente "surpreso pela base radicalizada", ofereceu-se para mediar o conflito e chegar a uma solução que atendesse aos interesses dos operários. Ainda na tarde do dia 16, por volta da 17 horas, representando o Ministro do Trabalho, Moacir Gaya foi até Osasco negociar a volta ao trabalho. Porém diferentemente do que se passou em Contagem, não se encontrou nenhuma disposição em atender as reivindicações sem as desocupações. O Governador Abreu Sodré e o Ministro coronel Jarbas Passarinho, seguindo as determinações de Costa e Silva, são encarregados de comandar a desocupação. De acordo com Ibrahim:
Durante a tarde, os representantes do Ministério do Trabalho chegaram ao Sindicato para discutir conosco. Vinham com uma posição bastante conciliadora e tentaram me envolver dizendo que se parássemos a greve e desocupássemos as fábricas eles dariam garantias para que se iniciasse as conversações com os patrões. Nossa posição foi intransigente, não aceitamos nenhum tipo de negociação. A greve havia começado nas fábricas e nós como direção sindical a apoiávamos incondicionalmente. Eu disse que não estava autorizado a negociar e se os representantes do Ministério quisessem poderiam discutir com os companheiros das fábricas ocupadas e com a assembleia dos operários que estavam no Sindicato. Na verdade nós queríamos ganhar tempo para alastrar a greve. Tínhamos consciência de que seria preciso negociar, mas queríamos fazê-lo a partir de uma posição de força e junto com os trabalhadores e não às suas costas. (IBRAHIM, 1972, p. 227-228).
Após a negociação frustrada, os representantes governamentais se retiram. Entra em cena os agentes da repressão armada. O governo não estava disposto a fazer a mesma concessão que fizera à greve dos operários de Contagem. O Governador encaminhou ordem para desocupar a fábrica. As greves foram consideradas ilegais pela ditadura. As entradas da cidade passaram a ser controladas, as fábricas foram cercadas. De acordo com Ibrahim:
A repressão chegou com a noite. A tropa de choque da Força Pública, com a cavalaria, tatus, brucutus, atuando juntamente com o DEOPS ocupou militarmente a cidade. Montaram-se barreiras para controlar as entradas e saídas de Osasco. Policiais pediam documentos às pessoas que circulavam pelas ruas. A tropa de choque cercou as fábricas ocupadas exigindo que a massa saísse. Nenhuma atitude foi tomada com relação ao sindicato. (IBRAHIM, 1972, p.
A primeira ação da repressão foi desocupar a Lonaflex, a menor fábrica, com menor número de operários. A desocupação dessa fábrica seria uma forma de medir a disposição dos trabalhadores em resistir, permanecer dentro da fábrica e sustentar a ocupação. Cercam a fábrica, dão ordem para que os operários desocupem. Os operários negociam e saem.
Depois de desocupar a Lonaflex o exército segue para a desocupação da Cobrasma. A repressão não permitiria que Osasco colhesse outro triunfo como o do Primeiro de maio na Praça da Sé. Aquela vitória na Praça da Sé ainda estava "entalada na garganta" dos militares e da patronal. Assim decide-se intervir exemplarmente na Cobrasma, desocupar a fábrica, prender e torturar os operários que lideraram a ação. A ditadura militar-burguesa atuou para impor uma derrota exemplar ao operariado de Osasco pois esse era o setor combativo mais organizado naquele momento.
Conforme registrou Ibrahim: “Os tatus e brucutus romperam as barricadas e os companheiros, para se protegerem, apagaram todas as luzes. A tropa de choque entrou na fábrica dando rajadas de metralhadoras para cima e jogando bombas de efeito moral. Houve muito combate corpo a corpo”. (IBRAHIM, 1978, p. 14). De acordo com o artigo publicado por João Joaquim da Silva (2006), as luzes apagadas não constituíram problema para os grevistas, pois "os operários conheciam bem o terreno. Os soldados corriam como doidos trombando nas máquinas". (SILVA, 2006, p. 16). Conforme relatou João Joaquim que era operário da Cobrasma e membro da comissão de fábrica:
(...) Foi aí que realmente, cavalaria veio também, e aí apareceram também... Apareceu o confronto, e como o pessoal, os trabalhadores, conheciam bem as seções, os esconderijos, onde tinha máquinas e tal, jogavam pedaço de ferro dentro, os cavalos pisavam e caiam, foi realmente... E alguns companheiros... Só que aí, houve alguns, para achar todo mundo, era muito grande a empresa, muitos se esconderam também, e eles tomaram conta também... E muitos companheiros conheciam muitos pontos estratégicos, porque apesar de ser alto o muro, companheiros usaram aquelas escadas de colocar lâmpada, que usam para fazer alguma manutenção, eles colocaram escada e pularam o muro, e o Zequinha sai, apareceu, saiu junto com o pessoal pela frente, aí, o chefe da guarda, estavam os policiais... Reconheceram ele, muitos... E o pessoal... Saíram todos né, tem um que saiu uma foto histórica, que é o Paraná, ele saiu com a mão na cabeça e os outros atrás. Ele era da comissão, era metalúrgico de manutenção, então, aquela foto é histórica. (Entrevista - João Joaquim).

Conforme escreveu Ibrahim, os articuladores daquela greve não contavam com a repressão no primeiro dia de mobilização: “nos baseamos nas atitudes de [Abreu] Sodré, em relação ao movimento estudantil e na posição adotada pelo Ministério do Trabalho por ocasião da greve de Contagem”. (IBRAHIM, 1978, p. 13). No entanto, diferente da resposta do governo ditatorial às mobilizações em Contagem, nas greves em Osasco a Ditadura interveio rapidamente para evitar que as greves se alastrassem. Conforme escreveu João Joaquim da Silva: "A cidade ficou praticamente sitiada pela polícia e pelo exército, pois nas proximidades existem inúmeros quartéis, inclusive o 2º G CAM 90, grupo de canhões antiaéreos localizado em Quintaúna, bairro periférico de Osasco, onde serviram Geisel, Lamarca e Zequinha [Barreto]". (SILVA, 2006, p. 16). Com rápida intervenção militar e sem contar com ampla infraestrutura de apoio, aquele movimento não encontrou terreno para se alastrar.




Com a desocupação da Lonaflex e da Cobrasma, as forças da ditadura militar já havia derrotado o bastião da greve. De acordo com Ibrahim, só no primeiro dia de greve: "Foram detidos aproximadamente 300 companheiros, mas depois da triagem feita no próprio local, apenas uns 50 ou 60 foram levados para a delegacia, entre os quais estavam vários membros da comissão legal". (IBRAHIM, 1972, p. 230). 



As mobilizações do dia 17 de julho - segundo dia de greve
Mesmo com a violenta, novas greves ocorrem, no dia seguinte operários de outras fábricas de Osasco, da Braseixos, Brown Boveri, Cimaf e Eternit entram em greve em solidariedade aos operários da Cobrasma. A greve alastrou-se em Osasco, mas não passou das fronteiras da cidade. De acordo com relato de Joaquim Miranda que era operário na Braseixos e militante do POC em 1968:
(...) na Braseixos, eu posso garantir, tinha mais de 800 trabalhadores, uma das empresas super importantes, ali do ladinho, não tinha nenhuma preparação para a greve... Aí começou, vai um e diz: ‘E nós?’, e um segundo: ‘E nós?’. E um terceiro... Quando chegou lá pelo décimo, eu falei, está acontecendo alguma coisa!’. Aí eu comecei a dizer: ‘Então vamos para o sindicato hoje à noite às 19:00’. A gente saía às cinco e pouco, seis horas do serviço, ‘vamos para o sindicato e vamos decidir’. (...). E não é que assim, com tudo meio nas coxas, apareceu umas setenta e poucas pessoas no sindicato. Quer dizer, dez por cento (10%) dos trabalhadores, e lá nós decidimos. No outro dia, no dia 17 [de junho] nós decidimos: ‘Vamos parar também, e vamos ocupar a fábrica também’. (...). E eu lembro que eu dizia: ‘Hoje não tem conversa’. Porque era uma greve unicamente, na Braseixos, de solidariedade à Cobrasma, principalmente porque na noite anterior tinha havido toda aquela violência da cavalaria entrar na Cobrasma né... (Entrevista – João Joaquim).
Na Brown Boveri, Octaviano, conhecido como "Tigrão" foi um dos organizadores da greve em solidariedade aos operários da Cobrasma que estavam presos e sob tortura. De acordo com seu relato:
Primeiro dia de greve na Cobrasma, fez o que fez, deu o reboliço que deu, tudo aquilo lá, e aí a repressão tomou conta. Aí que fim deu, no dia que já estava em greve, estava o pau comendo lá, eu chamei alguns companheiros da Brown Boveri para a gente se reunir a noite no sindicato e discutir para paralisar para o outro dia a Brown Boveri em apoio aos companheiros que estavam sendo massacrados. Aí convidamos os companheiros, à noite fizemos uma reunião com aquele grupinho e combinamos de no outro dia nós pararmos a Brown Boveri.  (...) subi em uma bancada e gritei alto: “a partir de agora nós estamos em greve, nossos companheiros da Cobrasma estão sendo massacrados na Cobrasma. Nós vamos entrar em greve em solidariedade a nossos companheiros da Cobrasma. (Entrevista - Octaviano)
No entanto, diferente dos trabalhadores da Cobrasma e Lonaflex, os operários da Brown Boveri não ocupam a fábrica, decidem sair da fábrica e ir em marcha para o sindicato, com isso pretendiam evitar a repressão e prisão dentro da fábrica como já havia acontecido no dia anterior na Cobrasma. De acordo com Octaviano:
(...) falei: ‘a partir de agora nós vamos sair, vamos em passeata e vamos para o sindicato porque uma hora dessas a repressão já está vindo aí para pegar a gente aqui dentro. Aí falei para o pessoal, saímos, quando acabamos de sair no portão, nós estávamos na [Avenida] Autonomista, ali descendo, vinha vindo o exército, a cavalaria... E nós em passeata descendo. Cruzamos com eles. Eles subindo e nós descendo. Eles estavam indo para a fábrica para não deixar nós sairmos, para a Brown Boveri, só que nós já tínhamos saído né. (Entrevista - Octaviano).
Dia 18 de julho - o terceiro dia de mobilizações
Após três dias de início das atividades grevistas, os operários que não haviam sido presos, buscam se reorganizar. Fazem uma reunião clandestina na Igreja. No entanto, a repressão estatal ainda continuava a buscar por focos de resistência. De acordo com relato de Joaquim Miranda:
Ali por perto da Cobrasma, em frente o sindicato em Presidente Altino, era mesmo uma praça de guerra. Aqueles carros chamados ‘brucutus’, ‘Tatus’, que eu não ouço mais falar deles, estavam todos nas ruas aí... Polícia... Nessa altura, uns 50 trabalhadores da Cobrasma já tinham sido presos... E no dia 18, foi bem mais uns 50 presos... Repressão teve, a cavalaria entrou dentro da Cobrasma, gente pulando o muro de noite... Eu não estava lá dentro, mas ouvi falar... Então a repressão foi fortíssima. Até porque uma greve de ocupação que nem foi aqui na Cobrasma... Ditadura... Ocupar uma fábrica, segurar engenheiro lá dentro, para ir almoçar no bandejão, no mesmo prato... é meio atípico para uma época de Ditadura. (Entrevista - Joaquim Miranda).
As forças repressivas descobrem que os operários estão se reunindo na Igreja, em uma nova operação dirigem-se para lá. De acordo com Ibrahim:
No terceiro dia, nos reunimos para tentar articular um esquema de organização nos bairros. A greve continuava, mas não se tinha alastrado. A cidade estava ocupada, o interventor tomara posse no Sindicato e passou o dia inteiro anunciando que o movimento havia terminado e que os operários deviam voltar ao trabalho. No quarto dia começou o refluxo. Cerca de 50% do pessoal voltou ao trabalho. A partir daí praticamente perdemos o controle do movimento. Estávamos sendo procurados pela polícia, não podíamos circular em Osasco. Entretanto, a greve continuou por mais um dia, a partir do qual 80% dos operários retornaram às fábricas. (IBRAHIM, 1972, p. 233).
Os momentos finais da greve ficaram imersos em grandes dificuldades, o movimento estava em um beco sem saída. A cidade estava sitiada pelo exército, dezenas de militantes e dirigentes presos. Ibrahim conseguiu fugir, mas é obrigado a viver na clandestinidade até que é preso em fevereiro de 1969. Zequinha Barreto foi preso na ocupação e permaneceu sob tortura durante 180 dias.

Mesmo com a repressão à greve, como forma de conter novas mobilizações e novas explosões grevistas, chega-se a um acordo pós greve. Segundo Ibrahim: "os dirigentes sindicais de São Paulo, a cúpula da FNT, o clero convocaram uma reunião com os patrões na DRT onde se fez um acordo. Os patrões cessariam as dispensas, atenderiam algumas reivindicações e pagariam indenização aos demitidos. Chegaram a conceder reajustes salariais entre 15 e 20%". (IBRAHIM, 1972, p. 233). Após as greves, a ditadura militar-burguesa se viu obrigada a ceder outros reajustes correspondentes ao aumento do custo de vida, assim, “a partir de 1968 ou 1969, os reajustamentos salariais encontram-se em níveis ligeiramente superiores ao aumento do custo de vida”. (Singer, 1982, p. 60).






Por que as greves de 1968 em Osasco não foram totalmente vitoriosas?

As greves em Osasco impuseram-se com o maior desafio operário à ditadura até aquele momento. No entanto, embora tenha se espalhado pelas fábricas da cidade, não pôde ampliar-se para além dos limites de Osasco, não encontrou terreno para se desenvolver no eixo industrial da Grande São Paulo, nas fábricas São Paulo e ABC paulista. Mas o movimento foi organizado com base na estratégia guerrilheira foquista, que expressou como uma forma de "foquismo sindical". Conforme admitiu Ibrahim, a compreensão do grupo dirigente de 1968 era a de que: "O Governo está em crise, ele não tem saída e o problema é aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa concepção insurrecional de greve: levar a massa através de uma radicalização crescente a um confronto com as forças de repressão. Era a visão militarista aplicada ao movimento de massas". (José Ibrahim, 1972, p. 222). Conforme balanço, publicado em 1971, pelos trotskistas da Organização Comunista 1º de Maio, que participou daquelas mobilizações:
(...) em Osasco, a direção da greve não pôde prever a reação do governo contra o movimento. Não estava preparada para enfrentar a situação criada com a ocupação do sindicato e das fábricas pela polícia, ficando num sem-saber-o-que-fazer, permitindo que aquela tremenda disposição dos operários que os conduziu à greve fosse canalizada totalmente para os fins propostos, fazendo com que a greve fosse se desmantelando-se, diante da repressão e desbaratamento de sua direção. (...) a imaturidade da formação dessa liderança não lhes permitira a preparação para todas as fases da luta. Mas a greve saíra, como um marco no movimento de massas nacional. (Organização Comunista 1º de Maio, 1971, p. 401).
Ibrahim e Barreto, membros da VPR e dirigentes da greve, na avaliação publicada em 1968, intitulada “Manifesto de balanço da greve de julho"[1], apontam que a principal debilidade daquela mobilização foi: "A falta de clareza teórica causada pela falta de discussão política levou a vanguarda a não se preocupar em organizar uma estrutura clandestina paralela ao sindicato para dar continuidade à luta na clandestinidade". (IBRAHIM: BARRETO, 1968). Em outro balanço publicado em 1972, Ibrahim complementa essa análise: "não criamos uma coordenação inter-comitês independente da máquina sindical. Por isso, quando o Sindicato sofreu intervenção e a liderança de esquerda se viu impossibilitada de circular por Osasco a greve entrou em refluxo". (IBRAHIM, 1972). Os principais dirigentes da greve, vinculados à VPR - Vanguarda Popular Revolucionária, acreditavam que criando um foco de resistência na Cobrasma, estimulariam outras greves no eixo industrial. Por isso não prepararam o "entorno da greve", uma base que pudesse lhe dar apoio e garantir seu desenvolvimento. Acreditou no "efeito demonstração" e construiu a greve na Cobrasma sem articular-se efetivamente para além de Osasco. A ocupação das duas fábricas no eixo industrial da grande São Paulo, soou como motivo central da rápida e dura intervenção militar. Dessa forma, a repressão ditatorial não deixou espaço para o "efeito demonstração".
Pela positiva, no Manifesto de balanço da greve considera-se ainda que as greves de Osasco mostraram que o operariado tinha disposição de luta para enfrentar-se contra os patrões e o governo. Convoca ainda os militantes combativos para, a partir de cada fábrica, prepararem as condições subjetivas de organização para novas greves, com “a formação dos comitês de greves por secção, por fábricas e por municípios. Não devemos nos iludir nesta etapa com uma greve geral”. Tiram com conclusão daquela greve, que o caminho é a auto-organização nos locais de trabalho: "A paralisação de cada fábrica deve apoiar-se na organização dos Comandos Clandestinos internos".
Em um terceiro balanço, publicado por Ibrahim em 1978, apontou-se como erro principal ter feito uma greve com perspectiva foquista: “existe o problema da visão política (nessa época bem militarista), que influiu na decisão de antecipar a greve, bem como a forma de encaminhá-la”. (IBRAHIM, 1978, p. 15).
Com a repressão, aquela vanguarda operária combativa, que se formou durante a década de 1960 na cidade, acabou migrando para outras cidades do Estado. Ainda, parte expressiva desses operários que protagonizaram as greves incorporou-se as fileiras da luta armada, onde destaca-se a VPR - Vanguarda Popular Revolucionária (que teria recebido cerca de 60 operários). Com isso, importantes quadros formados ali em Osasco ao longo da década de 1960, aderiram à luta armada e desligaram-se do movimento operário de massas.
Importantes "quadros" dirigentes se apartam do movimento operário
O desvio estratégico de parte significativa da nova camada dirigente que emergia em 1968, levou-a a se sacrificar nas fileiras da luta armada foquista. Ibrahim assume essa crítica em 1972: "o que destruiu mesmo a organização interna nas fábricas de Osasco foi a política das organizações armadas - principalmente no caso da VPR e depois da VAR-Palmares - de tirar os melhores elementos do trabalho no movimento de massas consumindo-os na dinâmica interna da organização". (IBRAHIM, 1972, p. 239). Com a opção pela guerrilha, abortou-se precocemente o desenvolvimento dessa camada de dirigentes operários de massa. Esses não puderam fundir-se com as novas camadas combativas que emergiram do chão das fábricas durante a década de 1970. Por outro lado, pela positiva, um setor de operários grevistas de Osasco negou-se a aderia à luta armada foquista e optou por não aderir à luta armada foquista, mas sim por manter-se dentro das fábricas. Assim, após a onda repressiva, mudam-se da cidade, mas mantém-se no eixo industrial da Grande São Paulo.
A auto-organização de Osasco como exemplo ao movimento operário brasileiro
A experiência de Osasco demonstrou que sem estruturar-se por cada seção de cada fábrica e nos bairros, a greve não poderia sustentar-se, e muito menos converter-se em um levante operário geral e coordenado. Explicitou que uma ocupação de fábrica coloca em xeque quem é que manda na fábrica, e que para ocupar é necessário preparar o "entorno da greve" e uma rede de solidariedade em favor da ocupação. Assim, conforme observamos nos materiais e nas entrevistas com os operários que militaram na década de 1970 e que construíram a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, o balanço da greve de Osasco fornecerá elementos fundamentais para a atuação dos principais processos de organização do operariado industrial paulistano durante toda a década de 1970.
Em material da Oposição Sindical Metalúrgica intitulado Nas raízes da democracia operária - a história da oposição sindical metalúrgica de São Paulo (GET/Urplan, 1982), a influência do movimento de Osasco sobre a Oposição, é descrita com "Uma luz no fundo do túnel", para a Oposição Sindical de São Paulo:
Os trabalhos dentro das fábricas receberam maior estímulo com as greves de Osasco, Contagem e na Indústria Mecânica Lassem. Foram a luz no fim do túnel para o surgimento da Oposição enquanto proposta. Criaram uma nova esperança, mas foi sufocada e permaneceu latente durante muito tempo. Mostraram a necessidade de sair do sindicato imobilista, do sindicalismo de cúpula para um sindicalismo de base, ativo, de enfrentamento com os patrões. Essas experiências, em particular a da Comissão de Fábrica da Cobrasma, ficaram sendo um marco, uma necessidade no sentido de avançar na construção de organizações nos locais de trabalho. (GET/Urplan, p. 24-25).
Conforme nos relatou Waldemar Rossi (um dos principais dirigentes da Oposição de SP) em entrevista que nos concedeu: "É isso que eu conto para você, a partir da experiência da Cobrasma, onde a gente passava, levava essa reflexão e algumas experiências iam acontecendo" (Entrevista - Waldemar Rossi). Pergunto também a Cloves de Castro, que também foi operário em São Paulo e dirigente da Oposição se as greves de Osasco tiveram influência em São Paulo ele responde: "Teve, teve sim. Claro, entende... Nos métodos de organização, teve sim. Muita". Também Anízio Batista, dirigente histórico da Oposição, nos relatou que: "A greve de Osasco, ela tem uma influência não só em São Paulo, como na Grande São Paulo, mas no Brasil. E deu um ânimo também para o pessoal, independente da repressão, também se organizar né... Entendeu, isso foi positivo. Então foi muito bom". (Entrevista - Anízio Batista).
Em Osasco a comissão de fábrica e grupos clandestinos organizados por seções, mostravam-se interessantes pelo menos em dois aspectos: o primeiro é que durante um período, funcionou dentro da fábrica duas comissões, uma reconhecida pela empresa e outra clandestina. Depois ambas se fundem, disputam eleições e chegam à gestão do Sindicato dos Metalúrgicos. Esta era uma forma organizativa que poderia ser utilizada em diversas outras fábricas, tendo-se uma comissão que aparecia e uma outra que operava de forma totalmente clandestina. De acordo com o relato de Hélio Bombardi, operário na Massey Ferguson durante a década de 1970 e um dos principais dirigentes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo:
A ideia da Comissão de Fábrica vem com a questão da organização de Osasco, basicamente a Comissão de Fábrica de Osasco. Era uma coisa que alguns militantes, poucos, mas alguns militantes tinham uma referência bastante grande no que tinha acontecido em Osasco. Na questão da Comissão de Fábrica da Cobrasma, na questão da tomada do Sindicato por esse povo, o Zé Ibrahim, o Roque, o Julião, todo o povo que frequentou lá e outros aqui que não me vem na memória agora, e particularmente a gente tinha alguns companheiros de Osasco que tinham passado direta ou indiretamente por essa experiência. Um caso específico mais marcante era o companheiro Arsênio. Eu tinha contato com o Arsênio, a gente se conhecia e outros companheiros, o Zé Pedro que também era de Osasco, o Natalino. Então eu conhecia alguns companheiros de Osasco, porque de certa forma frequentava, tinha parentes inclusive em Osasco na época, então comecei a ter uma ponte maior com esse povo todo e eu achava que era uma experiência legal e que a gente devia avançar. Na época eu achava assim, era a grande experiência, a questão da Comissão de Fábrica. Quando falo Comissão de Fábrica eu digo, a Comissão dentro da fábrica, os operários escolhendo a Comissão, a questão da tomada do Sindicato, o fim da estrutura sindical, agora da onde vem a grande coisa? A grande veio de Osasco, os materiais que comecei a receber de Osasco, a discussão com vários companheiros de Osasco que volta e meia relembravam o que tinha sido Osasco. Até fui pra Osasco na época mas eu não era exatamente uma pessoa conhecida em Osasco. Isso na verdade é que me norteou muito, é a questão basicamente da Comissão de Fábrica e a questão da tomada do Sindicato em Osasco. Então aí quem tem um papel fundamental num primeiro momento é o companheiro Arsênio, o Zé Pedro e outros companheiros da Frente Nacional do Trabalho que também passa a ver uma saída, o caminho é esse. O caminho é ser organizado dentro da fábrica, não é o que o Sindicato faz, esse Sindicato que está aí é um sindicato pelego e nós temos que trabalhar pra organizar a fábrica. Ao mesmo tempo temos que sindicalizar o povo, no início era sim, não era nem formar, nós vamos pra uma luta, nós temos que ir pras assembleias, ver o que a gente quer dentro da assembléia, ficar forte pra um dia tomar o Sindicato. Esse é o referencial do Sindicato de Osasco e da Comissão de Fábrica de Osasco. (Entrevista - Hélio Bombardi, concedida ao IIEP, 2007).
Foi uma organização pela base que chega a conquistar a superestrutura político-organizativa e torna-se então um modelo exeqüível, passível de ser colocado em prática novamente em outras regiões operárias.  Conforme nos relatou Stanislaw, que também militou na Oposição Sindical Metalúrgica:
Osasco era onde estava o mana, porque Osasco era onde estava a comissão de fábrica legalizada. Uma comissão de fábrica que se construiu inicialmente como grupo, depois se legaliza como comissão e depois vira sindicato. Ela faz uma crescente. E depois do sindicato assume o papel político do sindicato. (Entrevista - Stanislaw Szermeta).
Inspirando-se nos exemplos de Osasco, a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo organizará dezenas de comissões de fábricas clandestinas durante a década de 1970, combatendo frontalmente o peleguismo e a burocracia sindical que atuava como correia de transmissão dos interesses de da patronal e da ditadura. Essa forma de organização pela base com comissões independentes se contrapôs tanto aos pelegos como à linha dos Autênticos de São Bernardo que praticavam, durante toda a década de 1970, uma forma de sindicalismo apartado do controle operário e atacavam os organismos de auto-organização pela base, centrando fogo no combate às comissões e organização de grupos de fábrica clandestinos. O próprio Lula disse durante as greves do ABC:
Fomos procurados por vários grupos de trabalhadores aqui no sindicato para tomar uma orientação de como deveriam agir. A partir daí nós inclusive fomos contra a criação de comissões e em algumas empresas em que elas surgiram nós procuramos acabar com elas. E por quê? Porque o problema era de todos e não era de meia dúzia (...). Quase todas as empresas tentaram criar comissões e não foram criadas porque o sindicato não quis. (LULA, 1978, Cara a Cara. Ano I. Nº 2. 1978, pp. 58-59).

O Sindicato de São Bernardo optava por um sindicalismo centrado na força do aparato e não da auto-organização dos operários no chão de fábrica. Mesmo não sendo idênticos a pelegos como Joaquinzão, os autênticos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo atuaram como intermediários entre o operariado radicalizado e os interesses da ditadura e do patronato durante o ascenso de 1978-1980, buscando apaziguar os conflitos entre capital e trabalho e assegurando a transição pactuada da ditadura militar-burguesa. Com isso, venceu o poder do aparato e da conciliação em contraposição à organização operária pela base, sufocando a experiência de sindicalismo pela base que tinha raízes em Osasco e ganhava volume em São Paulo durante a década de 1970.


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[1]  Espinosa, em entrevista que nos concedeu afirmou que foi ele o verdadeiro autor desse texto, apontou que Barreto estava preso e Ibrahim foragido.

2 comentários:

  1. Na data de 1977 até 1986 eu presenciei estes acontecimento e o sindicato era muito forte em favor dos operários metalúrgico da Braseixos com comissões dentro da fábrica.

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  2. Na data de 1977 até 1986 eu presenciei estes acontecimento e o sindicato era muito forte em favor dos operários metalúrgico da Braseixos com comissões dentro da fábrica.

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