quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Entrevista Gilson Menezes - parte I

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]


Gilson Luiz Correia de Menezes nasceu em Miguel Calmon, Bahia, sertão baiano em 1949. Migrou para a Grande São Paulo em 1960, para São Bernardo do Campo. Seu primeiro emprego foi em uma pequena fábrica de peças de bicicletas no ABC, Foi operário na Petri. Formou-se como ferramenteiro pelo Senai. Trabalhou 1 ano na Mercedes e ingressou na Scania em 1973 onde permaneceu até a greve de 1980. Era muito conhecido pelos operários da fábrica, por isso foi convidado pela diretoria do Sindicato de São Bernardo para integra-se a gestão como delegado de base na Scania. Foi demitido pela empresa por causa de sua militância. Com a formação do PT, foi escolhido pela legenda para candidata-se a prefeitura de Diadema, com isso tornou-se o primeiro prefeito eleito pelo PT.


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Gilson Luiz Correia de Menezes, nasceu em Miguel Calmon, Bahia, sertão baiano em 1949.
O que sua família fazia lá?
Lá, meu pai teve uma padaria lá, lá na cidade. Depois foi caminhoneiro e aí, com 11 anos eu vim para São Paulo, mas não com a família toda não. Vim de trem, demorei uma semana pra chegar aqui, de trem.
E o senhor chegou em qual cidade?
Eu cheguei em São Bernardo, Paulicéia de São Bernardo.
A família do senhor veio para trabalhar?
É, veio tentar a vida aqui, né. Aliás, quando a minha mãe era viva ainda, perguntaram para ela por que que ela decidiu vir para São Paulo com o meu pai. Porque ela já tinha morado aqui em São Paulo. Eles casaram, meu pai casou... Meu pai era alfaiate aqui em São Paulo e ele era de lá, casou-se com ela e trouxe ela para São Paulo. O primeiro filho, que é o meu irmão, o mais velho, nasceu em São Paulo. E ela estava grávida de mim e como ela morava sozinha aqui, em termos de parentes, aí decidiram voltar para a Bahia. Eles tinham até uma casa aqui em São Paulo. Depois, tiveram 5 filhos né, e decidiram vir para São Paulo de novo.
É o senhor e mai 4?
Sou eu e mais 4, três irmãos e uma irmã. Aí perguntaram para ela por que que ela decidiu vir para São Paulo novamente. Ela falou: Porque Miguel Calmon era muito pequena para os meus filhos.
Que bom!
Me emocionou muito isso. "Miguel Calmon era muito pequena para os meus filhos"!
Aí vocês ficaram morando em São Bernardo?
Morei em São Bernardo, depois de casado é que eu vim morar em Diadema.
E qual foi o primeiro emprego do senhor?
Eu trabalhei em uma fábrica de peças de bicicletas lá no Ipiranga. Uma fabriquinha de peças de bicicleta. Isso foi em meados de 1960, 1961...
O senhor lembra o nome da fábrica?
Era do Sr Jordano, uma fabriquinha de um italiano... Não tinha assim, um nome, era uma... No Ipiranga, na rua Cipriano Barato, eu não tinha completado ainda os 14 anos.
Logo quando o senhor chegou, então...
Logo que eu cheguei...
O senhor ficou quanto tempo lá?
Passei quase 2 anos nessa fábrica. E ainda participei da greve de 1962, ainda com o João Goulart.
Pela legalidade?
Era a greve geral. Mas os trabalhadores não eram contra o João Goulart, era um movimento de trabalhadores mostrando organização etc. e tal, mas o João Goulart gozava do apoio dos trabalhadores.
Que chamou o senhor para participar dessa greve?
Foi uma greve geral e eu atendi ao apelo dos sindicalistas né e fiz a greve, participei da greve de 1962. João Goulart foi deposto em 1964... E aí, depois disso, eu fiquei muito revoltado com o golpe. E sempre que eu podia participar de movimentos de protestos contra a ditadura eu participava...
E, na sua opinião, qual foi o motivo do golpe?
O golpe foi uma interferência americana porque queria depor um governo democrático que tinha uma ligação boa com os trabalhadores e queria realmente uma reforma agrária e algumas decisões para beneficiar os trabalhadores, né. Era um governo trabalhista né. Mas havia uma organização e uma interferência americana no Brasil e deram o golpe para destruir a organização dos trabalhadores né.
Porque tem essa discussão: um pessoal fala que o principal motivo era por causa da disputa entre dois blocos, o dos democráticos contra o bloco conservador. E tem um pessoal que fala que, na verdade, o principal motivo foi por causa dos trabalhadores que estavam se organizando muito.
Não foi 1 motivo. Quer dizer, para eles sim, né. O movimento dos trabalhadores. Mas, eles usaram o argumento que era uma investida dos comunistas etc. e tal. Poderia até ter comunista no meio, organizando... Claro, tinha democratas, tinha socialistas, tinha reformistas, tinha... Mas não era um domínio dos comunistas. Era uma organização dos trabalhadores né. Uma organização e querendo um Brasil melhor.
Que mesmo o PCB, era um partido pequeno na época né...
Era pequeno. Não tinha muita influência perante os trabalhadores não.
Depois dessa fábrica de bicicleta o senhor foi para qual fábrica?
Aí depois eu trabalhei em uma empresa, a Isopor. Uma fábrica, Isopor.
O senhor lembra o nome dessa fábrica?
Era Isopor mesmo. O nome era Isopor. Não era uma metalúrgica...
Em que ano foi?
Aí era nos anos 1965/1966. Em 1968 eu entrei em uma metalúrgica aqui em São Bernardo. Eu entrei no mês de janeiro de 1968. Antes da manifestação na Praça da Sé. E em 1968 mesmo, eu participei de uma greve dentro da Petri, nos fizemos uma greve dentro da Petri, fábrica de volantes para automóveis. Já era metalúrgica, a de Isopor não era metalúrgica.
Na Petri o senhor entrou em janeiro?
Janeiro de 1968.
Aí teve uma greve lá?
Em maio, no mês de maio nós fizemos uma paralisação dentro da empresa. Foi a minha primeira experiência dentro da fábrica, de greve dentro da fábrica. Só que essa greve, ela foi sufocada com argumento do General Moreira. O General Moreira era um testa de ferro da empresa. Porque a maioria das empresas, das grandes empresas no Brasil tinha um testa de ferro, geralmente do exército.
Ah, então em 1968 já começou isso?
Já tinha os testas de ferro. Tanto que lá na frente, em 1978, eu já estava na Scania, eu vou chegar lá, o testa de ferro da Scania, o nome dele era João Batista Leopoldo Figueiredo, primo-irmão do futuro presidente da república João Batista Oliveira Figueiredo, que acabou sendo presidente do Brasil.
Tinha quantos trabalhadores na Petri?
Tinha mais ou menos uns 300 funcionários. Fabricava volantes para automóveis.
O senhor lembra qual foi o motivo da greve?
Queríamos aumento salarial, o arrocho salarial já tinha começado em 1965-1966, então... E aí, com esse movimento da Praça da Sé e outros movimentos no Brasil...
A greve da Petri foi antes ou depois da Praça da Sé?
Foi alguns dias depois. Foi no mês de maio, mas foi alguns dias depois do Primeiro de Maio. E existiam vários movimentos que não tiveram grande repercussão, como por exemplo a greve de Osasco. Essa greve da Petri a imprensa não divulgou, não ouve veiculação.
Durou quantos dias a greve?
Foi um dia só. Interna, dentro da fábrica. E esses movimentos, o movimento da Praça da Sé, Osasco etc. e também de outros estados, que veio depois foi feito, baixado o AI5 né, em dezembro de 1968. Aí o regime apertou mais o cerco ainda.
O senhor não chegou a participar do MIA?
Não. Não participei. Eu não fui preso na época porque eu não participava de um grupo organizado. EU costumo dizer que eu não era organizado. Porque nunca ninguém me chamou para nada... Eu participava a esmos, bem solto.
Essa da Praça da Sé o senhor foi sozinho?
Sozinho. Fui sozinho. Pelo chamamento: "Ah, vai ter uma manifestação na Praça da Sé", ouvi alguém falar, não era um organizado, não era muito organizado. Divulgação não tinha mesmo, a imprensa não divulgava. Então ia ter esse ato na Praça da Sé, fiquei sabendo e acabei indo sozinho.
Da sua fábrica, da Petri, não foi mais ninguém?
Não, não foi ninguém. Fui sozinho mesmo.
O senhor chegou a ver lá o Abreu Sodré, o Joaquinzão?
Sim. O Sodré saiu correndo, subiu a escadaria da Igreja correndo e levou uma paulada, jogaram um pedaço de pau e bateu na cabeça dele. Ele saiu de lá com a cabeça lascada, escorrendo sangue. E aí tacamos fogo no palanque e saímos em passeata.
O Brandão, do Sindicato dos Bancários também estava, né...
Na época eu não era conhecido e nem conhecia muita gente, mas eu me lembro do José Dirceu. José Dirceu lá em cima do palanque. Ele falou em cima de alguma coisa, se eu não me engano do palanque. Ele fez um discurso lá, um negócio, e eu fiquei conhecendo ele. Mas eu não conhecia quase ninguém, não tinha ligação com ninguém, não era organizado. Nunca fui chamado para nada e acabei sendo detido, mas aí meu nome não aparecia em lugar nenhum...
No dia do ato?
É, aí fui até o DOPS, procuraram saber, aí me deram uma bronca: "Ah moleque, você estava no meio!", porque eu era moleção, tinha 18 anos... Mas não tinha nenhuma ficha lá, ninguém... Um nome... "Mas o que você estava fazendo", aí: "Fui assistir e tal, estava passando", e assim ficou por isso mesmo.
E o senhor ficou na Petri até quando? Lá não tinha comissão interna, nada?
Não, não. Não tinha não. Não tinha nenhuma organização.
Ficava aonde a Petri?
Aqui na Paulicéia mesmo, pero da minha casa. Pertencia ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Aí depois, quando o senhor saiu de lá o senhor foi para onde?
Saí de lá... Trabalhei 5 anos lá. Depois eu fui para a Mercedes Bens. Da Mercedes Bens eu fiz um teste na Scania e comecei a trabalhar na Scania.
O senhor ficou quanto tempo na Mercedes?
Fique por volta de 1 ano.
Lá na Mercedes o senhor chegou a ver comissão de fábrica, ou coisa assim?
Não. Não tinha. Não tinha organização ainda.
O senhor estava em qual seção lá?
Na Inspeção e controle de medidas. Depois eu fiz um teste, porque eu fiz o curso de ferramenteiro e tal, no Senai. E aí entrei na Scania como ajustador, não era ferramenteiro. Aí fui trabalhar na ferramentaria e depois fui registrado como ferramenteiro.
Isso em 1973 ou 1974?
Em 1973.
Em que mês?
Setembro. Aí comecei a participar um pouco da vida do Sindicato, isso, aquilo e tal. Quando foi em 1977, o Sindicato de São Bernardo do Campo era um sindicato, um dos mais ousados, vamos dizer assim, em relação aos outros sindicatos. Aí o Sindicato descobriu que houve uma manipulação nos índices de reajuste de1973-1974. Aonde 34,1% foi deixado de... Foi manobrado o índice de reajuste. Aí o Sindicato, em 1977 fez um movimento pela reposição desses 34,1% e eu fiz parte da comissão de fábrica clandestina, uma comissão de fábrica clandestina do Sindicato.
Quem mais estava nessa comissão? O senhor se lembra?
Tinha várias pessoas, tinha o alemãozinho...
Do MR8?
É. Ele era da comissão geral. Ele trabalhou na Volkswagen. Tinha o Osmarzinho. Era uma comissão geral. De 1, 2, quem pudesse representar essa comissão. Em 1977.
Da Scania, quem mais era dessa comissão? Ou era só o senhor?
Da Scania, eu era o único dessa comissão. Tinham outros ativistas, mas não chegaram a fazer parte dessa comissão.
Desse período da década de 1970 dentro da fábrica. Como era? Muito opressivo, era muito corrido?
Era uma opressão grande, não tinha... Você não podia falar em organização de jeito nenhum, falar em sindicato, era, o sindicato era pra você ir cortar o cabelo: "ah, vai cortar o cabelo no Sindicato, tal". Ou vai no médico, ou vai no dentista, era assistência social. Ir no Sindicato para falar sobre...
A Scania tinha quantos trabalhadores?
3.000 trabalhadores. Aí, com a minha participação no Sindicato, na comissão etc., o Lula era presidente já, do Sindicato, desde 1975. Em 1977, já estava se aproximando o final do mandato dele, porque era de 3 anos, ele quis fazer uma renovação no Sindicato. Não que os membros do Sindicato fossem ruins, não fossem bons, combativos, é que ele queria colocar mais sangue novo no Sindicato. E, ele fez uma renovação de 14 membros da diretoria. De 24 ele renovou 14 membros, e eu fui um deles. Eu fui convidado para pertencer à chapa que ele ia lançar novamente para o Sindicato.
Isso foi antes da greve de 1978...
Foi antes. A eleição foi em 1977 e tomamos posse em 1º de maio de 1978.
E o Vidal, o senhor chegou a militar com ele?
Não. Eu sabia que ele tinha sido presidente e depois ficou como secretário geral do Sindicato.
Porque tem um pessoal que fala que ele não era combativo
Eu inclusive demorei para começar a militar dentro do Sindicato por desconfiar do Paulo Vidal. Diziam que ele era dedo-duro, isso, aquilo e tal. Eu até, acredito até que não, viu. Eu acho que ele era um "roda-presa", vamos dizer assim. O Lula já foi mais despachado, mais avançado, mais progressista. E o Paulo Vidal era "roda-presa". Mas aí já diziam que ele era dedo-duro, isso, aquilo e tal.
Aí quando foi 1978, nós tomamos posse dia 1
 º de maio, posse como diretor do Sindicato. Eu já participava lá dentro, de organização e tal. Quando foi dia 12 de maio nós paramos a Scania. Tinha 12 dias de diretor do Sindicato. Eu comecei a sentir na Scania que era possível fazer uma greve. Eu sentia que o clima era bom para isso. O clima estava em todo o ABC, viu. Um clima assim, de efervescência, de discussão etc. Aí eu tive a coragem de propor para alguns líderes de seção, dentro da Scania, fazer uma greve lá dentro.
E as mobilizações que estavam acontecendo em São Paulo, apareciam aqui? Vocês ficavam sabendo? Das mobilizações que estavam acontecendo em São Paulo? De bairro e mesmo algumas greves?
Não tinha, não, greve não. Houve uma época de paralisação, de pouco movimento.
Por exemplo, eu entrevistei o Anízio Batista, aí ele estava falando que...
Eles faziam oposição à diretoria, mas era uma eleição anti-democrática, sem...
E o pessoal de oposição de São Paulo não influenciava aqui no ABC?
Não, não influenciava. Não... Você conversou com o Anízio?
Conversei...
Eu participei de apoio à Chapa do Anízio.
Em 1978?
Isso, lá [em São Paulo], eu fui o único diretor do Sindicato [de São Bernardo] que foi dar apoio à Chapa do Anízio. Mas era uma falta de liberdade, assim, total. O Sindicato, o Joaquinzão, tinha todo o domínio da eleição do Sindicato e dominava tudo.
É... Dizem que ele tinha apoio da ditadura e tudo...
É... E aí, no começo de maio, dentro da Scania, eu comecei a sentir que a coisa estava boa, assim, havia uma efervescência.
Mas o senhor não chegava a ter uma comissão lá dentro não, uma comissão clandestina?
Clandestina. Nós tínhamos, eu conhecia pessoas, companheiros, que tinham liderança em cada seção. Mas só que, teórica, porque na prática, só na prática para saber, né. E eu acho que a greve da Scania foi uma, assim...
Quais eram os outros trabalhadores que influenciavam dentro da fábrica?
O Augusto Portugal...
De qual seção ele era?
Ele era inspetor de qualidade...
Ah, do pessoal que gira mais dentro da fábrica, né...
É, ele girava bem. E tinha, cada seção, tinha um líder. Uma pessoa com uma certa liderança que as escondidas a gente discutia, sonhava com liberdade etc. e etal, mas não era nada muito aberto, era muito fechado.
O senhor lembra de mais algum nome além do Augusto Portugal?
Tinha o Pelúcio, era um companheiro que depois foi para o interior, andou militando lá na cidade onde ele foi morar. Quer dizer, cada um, acabou dispersando, foi um para um lugar, outro para outro... Mas quem continua, que eu continuo tendo relação é o Augusto Portugal, estou sempre com ele. E tinha outros companheiros, mas que acabaram, vamos dizer, sumindo do meio convívio, né. Já passaram trinta e tantos anos, né. Enfim, agora o importante de tudo isso foi eu ter a visão de que era possível e eu chamei esses companheiros para a greve e falei: "oh, eu acho que vamos, que podemos fazer uma greve aqui na Scania". Aí: "ah Gilson, será que vai dar? Você acha que o pessoal pára?". Falei: "Eu acho que pára."
Vocês chegaram a fazer uma reunião ou você foi falando no boca a boca?
Não, boca a boca, escondido no banheiro, com muita dificuldade. Aí, eu me lembro que o pessoal falava para mim: "Oh Gilson, será que dá tempo para a gente...". Porque eu marquei a greve para o dia 12 de maio. E era mais ou menos dia 9 que eu comecei a falar da greve mesmo. Aí: "Pô, mas dá pra mobilizar esse pessoal em 3 dias Gilson?". Aí: "Dá". E eu com aquela coragem, aquela vontade de liberdade.... Eu fui muito afoito. E durante a minha vida, muita gente fala pra mim: "Você é uma pessoa muito afoita, você não tem muita paciência, não pode ser assim". Eu falo: "Olha, essa minha atitude, para algumas coisas é prejudicial, mas para outras coisas dá certo". Eu sei que...
Mas porque tinha que ser no dia 12?
Tinha que marcar uma data. Tinha que marca uma data para ter como referência aquela paralisação. Aí fomos....
Tinha também um negócio com o pagamento, que ia vir um aumento e não veio...
Não, não. Na Scania não teve isso não. Teve a campanha salarial dos metalúrgicos a nível geral. E o Sindicato teve uma posição, não pediu nada econômico, pediu garantia para gestante, vários itens sociais, mas valores de salários, reajustes, não pediu nada: "Quanto vocês vão pedir?", "Nada!". O Sindicato... "Quanto?", "Não, nada. Porque não adianta, a gente pede uma porcentagem, os patrões não davam, vai para o Tribunal e o Tribunal dá o que, decreta o que eles querem. E aí o Sindicato renovou aquele ano e falou: "Não vamos pedir nada, para mostrar que não adianta pedir nada".
No Sindicato, o senhor estava em qual cargo?
Eu era representante junto à Federação...
Ah, o senhor fazia o contato...
É, com a Federação dos Metalúrgicos. Mas era só nomenclatura né, era só nomenclatura na distribuição dos cargos. O Sindicato não tinha muita relação com a Federação porque era pelega, nós achávamos que era pelega. Não valia a pena. Então para formar a chapa você tem que colocar na nomenclatura o cargo. E aí, eu sei o seguinte, que essa greve da Scania foi uma, algo que até hoje eu falo: "Mas será que eu fiz aquilo mesmo?". Porque foi tão surpreendente. Nós não tínhamos direito de greve. Não havia liberdade para se organizar. Fazer uma greve dentro da fábrica foi muita astúcia, coragem, que... Surpreendemos a chefia, a gerência da Scania, surpreendemos o sindicalismo, surpreendemos a empresa, a imprensa, a opinião pública. Foi uma surpresa geral.
Não foi uma coisa combinada no Sindicato, né?
Não, não foi combinado no Sindicato.
Eu vi uma reportagem, uma entrevista do senhor, naquela revista Oboré, de 1979, uma entrevista longa...
A Oboré, como é o nome daquele menino que era da Oboré, Rubens, acho que é Rubens.
Era do PCB essa revista?
Ela era ligada ao PCB... Eu me lembro que eu cheguei, dia 11, à noite no Sindicato e falei para a diretoria do Sindicato. Falei: "A Scania vai parar amanhã". Eles não acreditaram. A verdade é a seguinte: eles não acreditaram. Eu cheguei no Lula: "Lula, a Scania vai parar amanhã". Ele estava abrindo as portas do armário dele, ele olhou para mim assim e continuou puxando a gaveta. Aí depois que aconteceu a greve, depois de passados alguns dias, o pessoal, falaram, quando eu comuniquei que ia fazer a greve no outro dia, todo mundo falou: "Esse cara é louco, esse cara é maluco, esse cara, é um louco falando.
A diretoria fazia reunião todo o dia, toda a sexta feira, oito horas da manhã, a diretoria efetiva, porque nós éramos considerados suplentes, quem ficava dentro da fábrica era suplente. Não era bem essa nomenclatura, mas era considerado como...
Como se fosse um dirigente de base...
De base. Aí eles faziam reunião toda sexta feira, oito horas da manhã na sexta feira. Aí quando eu pedi para um companheiro, dentro da fábrica, pegar e ir no orelha [telefone público] e comunicar a diretoria que nós estávamos em greve, eu tinha o número do telefone da diretoria, aí um companheiro meu foi até o orelhão, foi telefonar como se fosse ligar para a família dele. Tinha um orelhão dentro da fábrica, no restaurante. Ele foi lá e comunicou: "Olha, o Gilson mandou avisar que a Scania está parada. Nós estamos parados. Nós estamos em greve aqui. Nós estamos em greve". Aí diz que foi aquele... Todo mundo jogou a blusa, era tempo de frio, jogou a blusa para cima, fizeram a maior festa. Aí me contaram depois que eles não acreditavam que a Scania ia para naquele dia: "pô, o cara chega do nada, dizer que que vai ter a greve no outro dia, só pode ser um louco". Foi muito bonito, muito organizado.
Mas deixa eu te perguntar uma coisa: por que que o Lula chamou o senhor para fazer parte da gestão?
Pela minha mobilização, minha maneira de participar, pela minha fala dentro do Sindicato, enfim. Pela minha atuação.
O senhor era conhecido dentro da fábrica?
Sim, era conhecidíssimo: primeiro, eu era representante dos trabalhadores no convênio médico que a Scania tinha. Os trabalhadores me elegeram como representante dos trabalhadores no convênio médico. Eu tive todos os... Faltaram 4 votos para eu ter todos os votos de quem votou naquele dia. Então eu me tornei muito conhecido dentro da fábrica. E, além disso, eu... existia uma, alguma necessidade de mandar gente para o Sindicato para os advogados do Sindicato defenderem algumas coisas, alguns direitos que a Scania, as vezes, negava: "Ah, quem pediu para vocês virem?", "Ah, o Gilson mandou e tal". E além disso, outra coisa que eu fazia muito, associar ao Sindicato. A Scania era a fábrica que tinha maior número de associado em um sindicato no Brasil proporcionalmente.
Tipo 90% dos funcionários filiados...
Não, 50%, que era considerado muito. Que era considerado, 50% era... Porque na verdade, era no máximo 20% numa fábrica, como sócio do sindicato. A Scania tinha por volta de 505 [filiado ao Sindicato].
E tinha militante de partido lá dentro? Tinha trabalho de partido?
Muito pouco. Muito pouco.
De qual que tinha?
Algumas pessoas lá ajudavam na campanha do MDB. Porque quem era candidato, na época era MDB...
Mas não tinha PCB, PC do B, MR8, essas correntes?
Muito pouco. Não tinha, não tinha muita. Primeiro porque naquele tempo, trabalhador ser candidato mesmo era difícil. No MDB tinha alguns candidatos mais populares, mais perto dos trabalhadores, mas era geralmente era, não tinha nada a ver com os trabalhadores diretamente.
Trabalho de organização de esquerda não tinha?
Muito pouco, Tinha algumas pessoas de esquerda, a gente conversava, batia algum papo, um emprestava um livro para o outro, tal. Trocava alguma ideia, muito timidamente, timidamente.
Tem uma coisa que falam do senhor, não sei se é verdade, é que o senhor estava próximo da Convergência Socialista.
Não. Eu tinha uma boa relação com o pessoal todo, mas não era... Não...
O senhor nunca foi da organização mesmo. Organizado. De célula mesmo...
Não, não. Não participei. Eu, na época da greve da Scania eu estava lendo um livro sobre a revolução chinesa. Estava lendo sobre a revolução chinesa e mais alguns livros desse tipo. Quando surgiu livros sobre Cuba, eu lia para saber alguma coisa sobre a revolução cubana. Mas tudo muito difícil de se ler, de se encontrar livro desse tipo. Eu até, no dia da greve, a Scania marcou uma reunião em São Bernardo do Campo, junto com o Lula e comigo, me tirou de dentro da fábrica. Eu até pedi para um dos nossos companheiros para tira aquele livro de dentro do meu armário. Deixei a minha chave para tirar os livros que podiam vasculhar e dizer: "Não, esse é um movimento comunista, tal, subversivo". E nós queríamos dizer que era um movimento só de salários mesmo. Foi uma greve reivindicatória, mas que tinha um cunho político. Eu sabia que tinha um cunho político, mas os trabalhadores como um todo não sabiam ainda. Eles estavam participando por uma questão salarial. Se falasse que era uma greve com um certo cunho contra a ditadura, contra... Aí eles não fariam a greve.
Mas para o senhor já influenciava contra a ditadura?
Já. Achava que influenciaria nessa questão. Por exemplo, eu sabia que o presidente da Scania era primo do João Batista Figueiredo, indicado como presidente da república, futuro presidente. O Presidente da Scania, presidente, o "testa de ferro" era primo-irmão do João batista Oliveira que acabou sendo presidente da república. Eu sabia disso, os trabalhadores não sabiam.
Mas ele não circulava por dentro da Scania, circulava?
Não, não circulava. Eu só sabia que tinha, lá dentro...
A greve começou no dia 12 de maio de manhã?
Começou de manhã, 7h da manhã ninguém ligou as máquinas. Eu bolei, junto a cada liderança, que fosse até a ferramentaria, porque nós íamos começar o dia de braços cruzados. Todos os trabalhadores de dentro da ferramentaria começariam o dia já com os braços cruzados.
Então partiu da ferramentaria, foi onde começou?
Partiu. Aí, imediatamente as pessoas iam dizer: "Olha, a ferramentaria realmente está parada. Aí, ninguém foi ligando as máquinas... Porque dali dava sempre uns dois, três minutos para começar a ligar as máquinas, normal. Mas naquele dia ninguém, com raras exceções, alguma máquina foi ligada, uma ou outra, mas que logo foi desligada. As pessoas iam de uma seção pra outra de bicicleta e eu pedi para cada líder ficar com uma bicicleta para ir avisar rapidamente. E deu tudo... Tudo funcionou como se fosse um relógio. 7h da manhã ninguém ligou, pouca gente ligou as máquinas. Você não ouvia barulho. Aí a chefia falou: "Energia tem, não está faltando energia, o que que será que está acontecendo que ninguém ligou as máquinas?". Aí, as chefias, dentro das seções, olharam, todo mundo parado, aí vieram para cima de mim: "O que que está acontecendo?".
Porque o senhor era conhecido...
Eu era do Sindicato. Falei: "É, os trabalhadores cismaram e pararam". Aí me chamaram até a diretoria da empresa. A gerência. Lá estava a gerência...
No mesmo dia?
No mesmo dia. Tipo umas 8:30, 9h., o gerente chegou com barba por fazer aquele dia. Eu sei que o gerente, os diretores da empresa, porque eles vinham mais tarde, 9:30, 10h., aquele dia, as 8:30 da manhã eles já estavam lá. Aí me chamaram lá.
Na Scania mesmo?
É, dentro da Scania. No setor administrativo. Aí perguntaram para mim o que que estava acontecendo. Eu falei: "Olha, o pessoal, cismaram e pararam". Aí eles falaram: "Vamos fazer o seguinte, você pega um representante de cada seção porque nós vamos fazer uma reunião para discutir essa reivindicação de vocês. Eu falei: "Mas não tem líder. Não tem líder. Pode falar comigo, eu sou representante do Sindicato. Eu represento o Sindicato". Aí insistiram para que eu chamasse líder de cada seção, aí eu me neguei. Porque eles não tinham estabilidade nenhuma. Aí, quando foi 10h da manhã chegou o representante da, do DOPS, umas 10h da manhã e o representante da Secretaria do Trabalho de São Paulo, do Governo de São Paulo, Vinícius Torres, uma membro que representava o Vinícius Torres, que era o Secretário do Trabalho do Estado de São Paulo e um membro do DOPS, os dois, coincidentemente tinham o nome de Guaraci.  Guaraci Horta que era do DOPS, e, mais tarde, em 1980 veio ser o interventor do Sindicato dos Metalúrgicos [de São Bernardo]. Guaraci Horta, que esteve na Scania, 10:00h da manhã para pressionar os trabalhadores para voltar ao trabalho ou tirar uma comissão para falar com ele.
O da Secretaria, qual era o nome?
Guaraci também, mas não sei o sobrenome, não me lembro.  É o Guaraci do DOPS e o Guaraci Orta. Aliás...
O Guaraci da Secretaria do Trabalho e o Guaraci Horta...
É, e o Horta. E ali, chamara a gente num restaurante aqui em São Bernardo para fazer a reunião com Lula, Gilson, Severino Alves, que era, ele era funcionário da Scania, mas era diretor efetivo, ele era Secretário Geral [do Sindicato de São Bernardo]. Então me chamaram lá, nesse...
Ah, o senhor era delegado de base, mas era suplente do delegado, Severino...
Eu era suplente, era de base, era chamado de... Era considerado suplente. Diretor suplente...
O oficial, Severino, não foi o que fez a greve...
Não. Porque ele era do Sindicato.
Ah, ele ficava no Sindicato?
É, fazia administração do Sindicato, fazia, os movimentos mais no Sindicato. E eu, nós éramos mais dentro da [Scania]... Era diretor de base... E a Scania tirou a gente, me tirou lá de dentro. Quando eu saí, eu fiz uma reunião rápida com alguns líderes, companheiros nossos, falei: "Olha, a Scania vai forçar vocês a voltar a trabalhar, mas não voltem a trabalhar. Eles vão inventar mentiras para vocês voltar a trabalhar, ma se vocês voltarem a trabalhar eu estou ferrado. E foi o que fizeram mesmo. Enquanto eles ficavam conversando com a gente, "enchendo linguiça", enchendo linguiça", eles começaram a forçar os trabalhadores dentro da empresa: "Ah, o Gilson está lá, negociando. Está tudo certo, vai dar certo. Voltem ao trabalho". E a turma, não voltaram. Não voltaram ao trabalho... Já tinham orientação minha para não voltar ao trabalho. E terminou o dia e ninguém voltou ao trabalho. O pessoal da noite já, também não trabalharam. Tinha um turno de noite, mas era bem menos trabalhadores, e não ligaram as máquinas também. Já souberam, a repercussão na imprensa, e não trabalharam. E aí, na segunda feira, nós continuamos em greve.
Foi na sexta...
Foi. Na segunda feira nós continuamos em greve. Na terça feira de manhã, eles mandaram chamar o Lula na Scania...
Então essa reunião que vocês fizeram no restaurante não...
Não deu nada.
Vocês pediram quantos por cento de reajuste?
20% de aumento. Aí a Scania comunicou ao Lula que eles queriam uma assembleia dentro da fábrica na terça feira de manhã. Aí o Lula foi dentro da Scania.
A fábrica queria fazer a reunião...
É.
Ah, eu achei que fossem vocês que tivessem pedido para fazer a assembleia dentro da fábrica...
Não. Assembleia nós fizemos, mas...
Mas vocês que pediram?
Não é que pedimos, eles queriam que nós voltássemos a trabalhar, ai o Lula falou: "Não, só voltamos se vocês atenderem a nossa reivindicação". "Não, mas nós vamos atender, só que não 20% de uma vez, três parcelas, tal. Aí vocês levam essa decisão nossa de dar os 20% em três vezes. Aí vocês colocam para os trabalhadores, se eles aceitarem voltam a trabalhar". Aí o Lula foi de manhã cedo na Scania, colocamos a proposta da Scania junto aos trabalhadores, eles aceitaram e voltamos a trabalhar. Só que na quarta feira, quinta feira...
Vocês voltaram a trabalhar na terça mesmo?
Na terça mesmo. Trabalhamos terça e quarta, quando foi na quinta feira, diante da pressão da outras empresas junto à direção da Scania, a Scania quis voltar atrás. Aí quis voltar atrás e os trabalhadores novamente pararam.
Ah, aí parou de novo?
 Aí quando foi mais ou menos dia 20, 21, a Scania disse que diante da decisão da Anfavea, da representante patronal, a Scania só dará aumento se todas as empresas der também. Aí os trabalhadores se revoltaram e novamente greve. Parou de novo. Aí foi aquela greve meio bagunçada mesmo. Meio na marra mesmo, e a chefia pressionando, isso e aquilo, quem é que estava se movimentando. Ameaçando todo mundo. Aí os trabalhadores paralisaram.
Mas essa aí não foi senhor que preparou? Não foi o senhor que agitou?
Não. Essa aí não. Eu estava lá dentro, mas foi a revolta mesmo, porque eles deram o reajuste e depois voltaram atrás. Aí a Ford parou. E a Ford segurou bem o movimento.
Mas essa aí do dia 20 de maio, ela durou mais quantos dias?
Aí mais uns 2 dias. E a Ford como estava a uma semana parada, o acordo saiu de diante do movimento que os companheiros da Ford Fizeram. Os companheiros da Ford já tinham passado pela greve de 1968. Tinha uma experiência. Scania era uma molecada. Eu tinha 27 anos quando organizei a greve, eu era um moleque, era molecão. E muita gente que participou da greve da Scania era garotão de 25, muito difícil ter pessoa de 35 anos, a maioria dos trabalhadores era de 27, 28, 23. Era uma juventude muito grande na Scania.
E essa greve na Ford, o senhor sabe alguma coisa sobre ela?
O que eu sei é que houve paralisações né, lá dentro, e queira ou não queira, fica uma certa experiência. Era um pessoal que discutia mais, era um pessoal mais, com mais experiência, mais maduro, e a Scania não, a Scania era mais uma molecada. Era uma maneira de eu falar "molecada", porque realmente era uma juventude muito grande dentro da Scania. Então não se tinha, não se tinha passado por um movimento anterior.
Não tinha sido reprimido ainda?
Não tinha sido reprimido. Não tinha levado uma chibatada ainda para ter músculo preparado...
Ao mesmo tempo que não tinha músculo, não tinha medo...
Não tinha medo. Também não tinha medo. Mas, queira ou não queira, as vezes a falta de experiência deixava o pessoal um pouco ainda desmobilizado, vamos dizer assim. Mas foi um pessoal muito bom, viu. Eu tenho um orgulho muito grande daquele movimento. Nós não tínhamos direito à greve e nem o direito de falar a palavra greve. A palavra. Tanto que, quando o Guaraci [do DOPS], quando falou assim: "Vocês estão em greve". Os trabalhadores: "Nós não estamos em greve não, nos estamos paralisados, é uma paralisação. Não é greve não. É paralisação". Os trabalhadores nem sabiam, eles tinham receio de falar a palavra greve.
Paralisação de 5 dias é greve...
Quando o Guaraci falou: "Vocês estão em greve-!", "Não, nós não estamos em greve, nós estamos, é paralisação, não é greve". "Como não é greve?". É que a palavra greve não era falada, nós paramos sem eu dizer a palavra greve. "Nós vamos paralisar. Vamos cruzar os braços". Essa palavra, greve, era proibida, não existia no nosso dicionário. Porque não tínhamos direito de greve. Existia uma lei anti-greve, a 4.330 e nós quebramos essa Lei na prática, fazendo greve. E aí, depois da Scania, começou pipocar em tudo...
Na Ford continuou...
Na Ford continuou.
Aí o reajuste de vocês veio?
Aí veio, o reajuste veio para todo o pessoal das montadoras. Ficou o acordo das montadoras. Depois veio as pequenas empresas e tal, ia fazendo acordo por fábrica, ia fazendo acordo por fábrica. Mas esse acordo foi para as montadoras.
E foi quantos por cento esse aumento?
20%, para todo mundo, geral...
Não estendeu para São Paulo esse valor, né...
Só as montadoras de São Bernardo do Campo...
E depois disso não formou nada de comissão?
Aí depois... Sim...Aí depois foi chegando organizações e tal, representantes...
Criaram comissões clandestinas lá?
Tinha algumas comissões clandestinas. Sempre movimento clandestino. Depois a própria empresa quis montar uma comissão de trabalhadores. Aí não muito bem, não era muito bem não, não era aceito pela organização sindical. Era uma comissão que a empresa queira criar mais para manipular, para dizer que tinha liberdade sindical, mas não era muito, não era muito não, não era nada aceito pelo sindicalismo. Aí o Sindicato foi avançando, etc. e conquistando as comissões de fábrica.
Então vocês não quiseram, quando propôs de fazer comissão na Scania?
Não, não. Na Scania propôs e nós...
Isso em 1978 ainda?
Não, depois. Depois. Tivemos a greve de 1979, 1980...
Em 1979 os operários da Scania fizeram greve...
Greve geral. Aí foi greve geral. Greve no ABC todo e intervieram no Sindicato.
E como que foi decidido, foi decidido só na assembleia da categoria?
Da categoria...
Na Scania vocês não chegaram a fazer assembleias de vocês?
Fazíamos assembleia por fábrica, mas a decisão era geral, da categoria. Em 1979 foi, então foi uma greve geral e aí intervieram no Sindicato em 1979. Depois nós achamos que o Sindicato sobre intervenção, enfraquecia o Sindicato. Nós fizemos um acordo para voltar ao trabalho que eles devolveriam o Sindicato.
A trégua de 45 dias...
É, a trégua de 45 dias. Aí devolveram o Sindicato e de 1979 para 1980 nós organizamos uma greve maior ainda em 1980.
E o senhor lembra do clima dessa assembleias de 1979...
Foi bom, um clima muito bom...
Porque teve uma discussão, o pessoal fala que teve uma discussão que, um setor da assembleia não gostou desse negócio da trégua de 45 dias...
Não. Não queria que voltasse a trabalhar. Queria a manutenção da greve. Tinha um setor pequeno...
Pequeno quanto? Porque as assembleias eram gigantes, 100 mil...
A grande massa queria, deu um voto de confiança à diretoria do Sindicato. Porque nós falamos que não estávamos muito organizados ainda. Isso não era falado em público. Mas era falado na base que a gente tinham que se organizar melhor pra gente fazer um movimento mais organizado ainda.
Porque parece que tinha uns trabalhadores da Ford que eles não queria a trégua...
Não queriam. Alguns não queriam dar a trégua...
E na Scania, como foi, o pessoal foi dividido? Como é que foi?
Tinha alguns que achavam que devia continuar a greve. Mas nós sentíamos que não estávamos organizados para continuar a greve e assumimos o compromisso que nós íamos voltar a nos organizar novamente e cumprimos.
Então o senhor também estava no setor que achava que tinha que dar a trégua?
Dar a trégua. Dar a trégua porque ainda estávamos... Nós não estávamos bem organizados ainda. E aí nós cumprimos aquilo que falamos: "Olha, vamos se organizar mais". Em 1980 nós fizemos uma greve mais organizada ainda. Aí nós decidimos: "Oh, dessa vez pode cassar o Sindicato, pode prender agente, pode acontecer, voltar atrás nós não voltamos mais". E foi o que aconteceu. Cassaram, intervieram no Sindicato, colocaram interventor...
Aí tinha São Paulo inteira parando também. Era São Paulo e ABC junto...
É, quer dizer, o ABC parou em 1979 junto com São Bernardo, Santo André, São Caetano. E São Paulo começou a ter movimento também.
É porque o Sindicato daqui, de São Bernardo, não pegava Santo Andre né, lá era outra diretoria...
Não, o Sindicato era outra diretoria, mas em 1979 parou.
Aqui pegava só São Bernardo e Diadema...
São Bernardo e Diadema, só os dois. Mas, depois de 1978 começou a pipoca greve no Brasil todo, por fábrica. Em 1979 nós fizemos uma greve geral aqui no ABC. Começou por São Bernardo e Diadema. E depois...
 Aí chegou em Santo Andre, em São Caetano...
Isso. Exatamente. tudo era puxado pelo movimento de São Bernardo do Campo, pela diretoria do Sindicato. Aliás, uma grande diretoria. O Lula só chegou a ser o Lula porque ele teve uma diretoria bacana, viu, um pessoal de fibra, de garra. Não só a diretoria, mas também grandes ativistas que ajudaram a diretoria do Sindicato, não era só os diretores, mas grandes ativistas.
Alguns eram militantes de partidos, né, o Alemão era do MR8...
Militantes... Depois militaram no...
O osmarzinho era de onde?
O Osmarzinho....
O senhor lembra que correntes estavam no Sindicato? Que correntes políticas estavam no Sindicato?
Tinha, tinha o MR8, tinha... Tinha várias organizações que tinham participação dentro do Sindicato. Mas os militantes sindicais, era uma militância muito boa, muito boa. E o Lula, ele pode dizer assim: "Não, eu tive na base em São Bernardo, grande companheiros que nos ajudou a organizar esse movimento geral". E aí depois disso veio a anistia em 1979, depois da greve de 1978, vieram vários movimentos. Veio a greve de 1980. Veio o movimento pelas diretas, o nascimento do PT e de outros partidos.
O pessoal fala que tinha uma divergência entre o pessoal de São Paulo e o pessoal de São Bernardo em relação aos delegados sindicais e as comissões...
Ah, divergência as vezes em relação aos pontos de vista. Porque a nossa relação era com a Oposição, mesmo tendo divergência de alguns pontos, de como deve ser...
E quais eram os pontos com a Oposição?
Como deveriam ser encaminhadas as coisas, só isso. Como deveria ser encaminhadas as coisas. Mas não era uma divergência de... filosófica não, divergência de como encaminhar os movimentos.
Essa divergência de comissões ou delegados sindicais...
São divergências pequenas. Pequenas, às vezes só de nomenclatura. Uma divergência muito pequena. Mas todo mundo defendia representantes junto aos trabalhadores, que nascesse dos movimentos e nunca ligados à empresa. Que fosse para representar os trabalhadores. Se era comissão ou se era delegado, aí cada um tinha uma maneira de ver. Mas não era uma divergência filosófica não, era só de...
E o senhor ficou na Scania até que ano?
Até 1980.
Mas o senhor foi mandado embora por causa da greve?
É. Sim. Aí nem terminei o mandato como diretor do sindicato. Tinha 2 anos de [ainda faltavam um ano de exercício] e foi cassado. Fomos indiciados na Lei de Segurança Nacional, a princípio condenados a 2 anos e meio de cadeia, depois fomos absolvido lá na frente. Recorremos etc. e fomos absolvidos. Mas é isso, aí depois, eu acho que fizemos, a partir da greve da Scania... Eu acho que o grande divisor de águas foi a greve da Scania, embora muita gente não reconhece isso. Só reconhece da greve de 1980 para cá. Mas o grande divisor de águas foi a greve de 1978. Se não tivesse acontecido aquela greve, a história ser diferente. Poderia ter acontecido uma greve em 1979 ou mesmo em 1978, mas o divisor foi aquela greve da Scania.
Aí quando o senhor saiu da Scania, o senhor foi para onde?
Fiquei desempregado.

1:10h.
Em 1980, no final de 1980, o Sindicato sueco me levou para a Suécia, para eu falar sobre a empresa sueca aqui no Brasil. Como era o comportamento das empresas suecas aqui no Brasil. E falei, é o mesmo comportamento da outras, repressão, a mesma coisa, era um pouco mais assim... Vamos dizer, menos rígida do que uma Volkswagen, do que Mercedes, era um pouquinho mais, uma filosofia mais sueca, mas a repressão era a mesma coisa, obedecia a orientação do sistema do Brasil: ditadura.
E ganhava dinheiro igual água...
Sim. Uma das maneiras de eu mobilizar os trabalhadores da Scania, foi uma matéria que saiu em uma revista dizendo que a Scania teve um lucro extraordinário em 1977. Eu tirei cópia daquela matéria e apregoei nos banheiros para criar um clima dentro da fábrica. Aí eu chegava e, eu mesmo tinha colocado, afixado nos banheiros, mas eu mesmo chegava e falava: "Poxa, a Scania teve tanto lucro e não deu nenhum aumento para a gente". Aí foi criando um clima.
Isso em 1978?
1978.
Antes da paralisação de 1978?
Antes da paralisação. Aí então o Sindicato sueco me levou até a Suécia. Eu dei entrevista na televisão sueca falando sobre a repressão no Sindicato: "Cassaram nosso Sindicato. Intervieram no Sindicato". eu visitei a Scania lá...

 
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