quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Entrevista Gilson Menezes - parte I

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]


Gilson Luiz Correia de Menezes nasceu em Miguel Calmon, Bahia, sertão baiano em 1949. Migrou para a Grande São Paulo em 1960, para São Bernardo do Campo. Seu primeiro emprego foi em uma pequena fábrica de peças de bicicletas no ABC, Foi operário na Petri. Formou-se como ferramenteiro pelo Senai. Trabalhou 1 ano na Mercedes e ingressou na Scania em 1973 onde permaneceu até a greve de 1980. Era muito conhecido pelos operários da fábrica, por isso foi convidado pela diretoria do Sindicato de São Bernardo para integra-se a gestão como delegado de base na Scania. Foi demitido pela empresa por causa de sua militância. Com a formação do PT, foi escolhido pela legenda para candidata-se a prefeitura de Diadema, com isso tornou-se o primeiro prefeito eleito pelo PT.


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Gilson Luiz Correia de Menezes, nasceu em Miguel Calmon, Bahia, sertão baiano em 1949.
O que sua família fazia lá?
Lá, meu pai teve uma padaria lá, lá na cidade. Depois foi caminhoneiro e aí, com 11 anos eu vim para São Paulo, mas não com a família toda não. Vim de trem, demorei uma semana pra chegar aqui, de trem.
E o senhor chegou em qual cidade?
Eu cheguei em São Bernardo, Paulicéia de São Bernardo.
A família do senhor veio para trabalhar?
É, veio tentar a vida aqui, né. Aliás, quando a minha mãe era viva ainda, perguntaram para ela por que que ela decidiu vir para São Paulo com o meu pai. Porque ela já tinha morado aqui em São Paulo. Eles casaram, meu pai casou... Meu pai era alfaiate aqui em São Paulo e ele era de lá, casou-se com ela e trouxe ela para São Paulo. O primeiro filho, que é o meu irmão, o mais velho, nasceu em São Paulo. E ela estava grávida de mim e como ela morava sozinha aqui, em termos de parentes, aí decidiram voltar para a Bahia. Eles tinham até uma casa aqui em São Paulo. Depois, tiveram 5 filhos né, e decidiram vir para São Paulo de novo.
É o senhor e mai 4?
Sou eu e mais 4, três irmãos e uma irmã. Aí perguntaram para ela por que que ela decidiu vir para São Paulo novamente. Ela falou: Porque Miguel Calmon era muito pequena para os meus filhos.
Que bom!
Me emocionou muito isso. "Miguel Calmon era muito pequena para os meus filhos"!
Aí vocês ficaram morando em São Bernardo?
Morei em São Bernardo, depois de casado é que eu vim morar em Diadema.
E qual foi o primeiro emprego do senhor?
Eu trabalhei em uma fábrica de peças de bicicletas lá no Ipiranga. Uma fabriquinha de peças de bicicleta. Isso foi em meados de 1960, 1961...
O senhor lembra o nome da fábrica?
Era do Sr Jordano, uma fabriquinha de um italiano... Não tinha assim, um nome, era uma... No Ipiranga, na rua Cipriano Barato, eu não tinha completado ainda os 14 anos.
Logo quando o senhor chegou, então...
Logo que eu cheguei...
O senhor ficou quanto tempo lá?
Passei quase 2 anos nessa fábrica. E ainda participei da greve de 1962, ainda com o João Goulart.
Pela legalidade?
Era a greve geral. Mas os trabalhadores não eram contra o João Goulart, era um movimento de trabalhadores mostrando organização etc. e tal, mas o João Goulart gozava do apoio dos trabalhadores.
Que chamou o senhor para participar dessa greve?
Foi uma greve geral e eu atendi ao apelo dos sindicalistas né e fiz a greve, participei da greve de 1962. João Goulart foi deposto em 1964... E aí, depois disso, eu fiquei muito revoltado com o golpe. E sempre que eu podia participar de movimentos de protestos contra a ditadura eu participava...
E, na sua opinião, qual foi o motivo do golpe?
O golpe foi uma interferência americana porque queria depor um governo democrático que tinha uma ligação boa com os trabalhadores e queria realmente uma reforma agrária e algumas decisões para beneficiar os trabalhadores, né. Era um governo trabalhista né. Mas havia uma organização e uma interferência americana no Brasil e deram o golpe para destruir a organização dos trabalhadores né.
Porque tem essa discussão: um pessoal fala que o principal motivo era por causa da disputa entre dois blocos, o dos democráticos contra o bloco conservador. E tem um pessoal que fala que, na verdade, o principal motivo foi por causa dos trabalhadores que estavam se organizando muito.
Não foi 1 motivo. Quer dizer, para eles sim, né. O movimento dos trabalhadores. Mas, eles usaram o argumento que era uma investida dos comunistas etc. e tal. Poderia até ter comunista no meio, organizando... Claro, tinha democratas, tinha socialistas, tinha reformistas, tinha... Mas não era um domínio dos comunistas. Era uma organização dos trabalhadores né. Uma organização e querendo um Brasil melhor.
Que mesmo o PCB, era um partido pequeno na época né...
Era pequeno. Não tinha muita influência perante os trabalhadores não.
Depois dessa fábrica de bicicleta o senhor foi para qual fábrica?
Aí depois eu trabalhei em uma empresa, a Isopor. Uma fábrica, Isopor.
O senhor lembra o nome dessa fábrica?
Era Isopor mesmo. O nome era Isopor. Não era uma metalúrgica...
Em que ano foi?
Aí era nos anos 1965/1966. Em 1968 eu entrei em uma metalúrgica aqui em São Bernardo. Eu entrei no mês de janeiro de 1968. Antes da manifestação na Praça da Sé. E em 1968 mesmo, eu participei de uma greve dentro da Petri, nos fizemos uma greve dentro da Petri, fábrica de volantes para automóveis. Já era metalúrgica, a de Isopor não era metalúrgica.
Na Petri o senhor entrou em janeiro?
Janeiro de 1968.
Aí teve uma greve lá?
Em maio, no mês de maio nós fizemos uma paralisação dentro da empresa. Foi a minha primeira experiência dentro da fábrica, de greve dentro da fábrica. Só que essa greve, ela foi sufocada com argumento do General Moreira. O General Moreira era um testa de ferro da empresa. Porque a maioria das empresas, das grandes empresas no Brasil tinha um testa de ferro, geralmente do exército.
Ah, então em 1968 já começou isso?
Já tinha os testas de ferro. Tanto que lá na frente, em 1978, eu já estava na Scania, eu vou chegar lá, o testa de ferro da Scania, o nome dele era João Batista Leopoldo Figueiredo, primo-irmão do futuro presidente da república João Batista Oliveira Figueiredo, que acabou sendo presidente do Brasil.
Tinha quantos trabalhadores na Petri?
Tinha mais ou menos uns 300 funcionários. Fabricava volantes para automóveis.
O senhor lembra qual foi o motivo da greve?
Queríamos aumento salarial, o arrocho salarial já tinha começado em 1965-1966, então... E aí, com esse movimento da Praça da Sé e outros movimentos no Brasil...
A greve da Petri foi antes ou depois da Praça da Sé?
Foi alguns dias depois. Foi no mês de maio, mas foi alguns dias depois do Primeiro de Maio. E existiam vários movimentos que não tiveram grande repercussão, como por exemplo a greve de Osasco. Essa greve da Petri a imprensa não divulgou, não ouve veiculação.
Durou quantos dias a greve?
Foi um dia só. Interna, dentro da fábrica. E esses movimentos, o movimento da Praça da Sé, Osasco etc. e também de outros estados, que veio depois foi feito, baixado o AI5 né, em dezembro de 1968. Aí o regime apertou mais o cerco ainda.
O senhor não chegou a participar do MIA?
Não. Não participei. Eu não fui preso na época porque eu não participava de um grupo organizado. EU costumo dizer que eu não era organizado. Porque nunca ninguém me chamou para nada... Eu participava a esmos, bem solto.
Essa da Praça da Sé o senhor foi sozinho?
Sozinho. Fui sozinho. Pelo chamamento: "Ah, vai ter uma manifestação na Praça da Sé", ouvi alguém falar, não era um organizado, não era muito organizado. Divulgação não tinha mesmo, a imprensa não divulgava. Então ia ter esse ato na Praça da Sé, fiquei sabendo e acabei indo sozinho.
Da sua fábrica, da Petri, não foi mais ninguém?
Não, não foi ninguém. Fui sozinho mesmo.
O senhor chegou a ver lá o Abreu Sodré, o Joaquinzão?
Sim. O Sodré saiu correndo, subiu a escadaria da Igreja correndo e levou uma paulada, jogaram um pedaço de pau e bateu na cabeça dele. Ele saiu de lá com a cabeça lascada, escorrendo sangue. E aí tacamos fogo no palanque e saímos em passeata.
O Brandão, do Sindicato dos Bancários também estava, né...
Na época eu não era conhecido e nem conhecia muita gente, mas eu me lembro do José Dirceu. José Dirceu lá em cima do palanque. Ele falou em cima de alguma coisa, se eu não me engano do palanque. Ele fez um discurso lá, um negócio, e eu fiquei conhecendo ele. Mas eu não conhecia quase ninguém, não tinha ligação com ninguém, não era organizado. Nunca fui chamado para nada e acabei sendo detido, mas aí meu nome não aparecia em lugar nenhum...
No dia do ato?
É, aí fui até o DOPS, procuraram saber, aí me deram uma bronca: "Ah moleque, você estava no meio!", porque eu era moleção, tinha 18 anos... Mas não tinha nenhuma ficha lá, ninguém... Um nome... "Mas o que você estava fazendo", aí: "Fui assistir e tal, estava passando", e assim ficou por isso mesmo.
E o senhor ficou na Petri até quando? Lá não tinha comissão interna, nada?
Não, não. Não tinha não. Não tinha nenhuma organização.
Ficava aonde a Petri?
Aqui na Paulicéia mesmo, pero da minha casa. Pertencia ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Aí depois, quando o senhor saiu de lá o senhor foi para onde?
Saí de lá... Trabalhei 5 anos lá. Depois eu fui para a Mercedes Bens. Da Mercedes Bens eu fiz um teste na Scania e comecei a trabalhar na Scania.
O senhor ficou quanto tempo na Mercedes?
Fique por volta de 1 ano.
Lá na Mercedes o senhor chegou a ver comissão de fábrica, ou coisa assim?
Não. Não tinha. Não tinha organização ainda.
O senhor estava em qual seção lá?
Na Inspeção e controle de medidas. Depois eu fiz um teste, porque eu fiz o curso de ferramenteiro e tal, no Senai. E aí entrei na Scania como ajustador, não era ferramenteiro. Aí fui trabalhar na ferramentaria e depois fui registrado como ferramenteiro.
Isso em 1973 ou 1974?
Em 1973.
Em que mês?
Setembro. Aí comecei a participar um pouco da vida do Sindicato, isso, aquilo e tal. Quando foi em 1977, o Sindicato de São Bernardo do Campo era um sindicato, um dos mais ousados, vamos dizer assim, em relação aos outros sindicatos. Aí o Sindicato descobriu que houve uma manipulação nos índices de reajuste de1973-1974. Aonde 34,1% foi deixado de... Foi manobrado o índice de reajuste. Aí o Sindicato, em 1977 fez um movimento pela reposição desses 34,1% e eu fiz parte da comissão de fábrica clandestina, uma comissão de fábrica clandestina do Sindicato.
Quem mais estava nessa comissão? O senhor se lembra?
Tinha várias pessoas, tinha o alemãozinho...
Do MR8?
É. Ele era da comissão geral. Ele trabalhou na Volkswagen. Tinha o Osmarzinho. Era uma comissão geral. De 1, 2, quem pudesse representar essa comissão. Em 1977.
Da Scania, quem mais era dessa comissão? Ou era só o senhor?
Da Scania, eu era o único dessa comissão. Tinham outros ativistas, mas não chegaram a fazer parte dessa comissão.
Desse período da década de 1970 dentro da fábrica. Como era? Muito opressivo, era muito corrido?
Era uma opressão grande, não tinha... Você não podia falar em organização de jeito nenhum, falar em sindicato, era, o sindicato era pra você ir cortar o cabelo: "ah, vai cortar o cabelo no Sindicato, tal". Ou vai no médico, ou vai no dentista, era assistência social. Ir no Sindicato para falar sobre...
A Scania tinha quantos trabalhadores?
3.000 trabalhadores. Aí, com a minha participação no Sindicato, na comissão etc., o Lula era presidente já, do Sindicato, desde 1975. Em 1977, já estava se aproximando o final do mandato dele, porque era de 3 anos, ele quis fazer uma renovação no Sindicato. Não que os membros do Sindicato fossem ruins, não fossem bons, combativos, é que ele queria colocar mais sangue novo no Sindicato. E, ele fez uma renovação de 14 membros da diretoria. De 24 ele renovou 14 membros, e eu fui um deles. Eu fui convidado para pertencer à chapa que ele ia lançar novamente para o Sindicato.
Isso foi antes da greve de 1978...
Foi antes. A eleição foi em 1977 e tomamos posse em 1º de maio de 1978.
E o Vidal, o senhor chegou a militar com ele?
Não. Eu sabia que ele tinha sido presidente e depois ficou como secretário geral do Sindicato.
Porque tem um pessoal que fala que ele não era combativo
Eu inclusive demorei para começar a militar dentro do Sindicato por desconfiar do Paulo Vidal. Diziam que ele era dedo-duro, isso, aquilo e tal. Eu até, acredito até que não, viu. Eu acho que ele era um "roda-presa", vamos dizer assim. O Lula já foi mais despachado, mais avançado, mais progressista. E o Paulo Vidal era "roda-presa". Mas aí já diziam que ele era dedo-duro, isso, aquilo e tal.
Aí quando foi 1978, nós tomamos posse dia 1
 º de maio, posse como diretor do Sindicato. Eu já participava lá dentro, de organização e tal. Quando foi dia 12 de maio nós paramos a Scania. Tinha 12 dias de diretor do Sindicato. Eu comecei a sentir na Scania que era possível fazer uma greve. Eu sentia que o clima era bom para isso. O clima estava em todo o ABC, viu. Um clima assim, de efervescência, de discussão etc. Aí eu tive a coragem de propor para alguns líderes de seção, dentro da Scania, fazer uma greve lá dentro.
E as mobilizações que estavam acontecendo em São Paulo, apareciam aqui? Vocês ficavam sabendo? Das mobilizações que estavam acontecendo em São Paulo? De bairro e mesmo algumas greves?
Não tinha, não, greve não. Houve uma época de paralisação, de pouco movimento.
Por exemplo, eu entrevistei o Anízio Batista, aí ele estava falando que...
Eles faziam oposição à diretoria, mas era uma eleição anti-democrática, sem...
E o pessoal de oposição de São Paulo não influenciava aqui no ABC?
Não, não influenciava. Não... Você conversou com o Anízio?
Conversei...
Eu participei de apoio à Chapa do Anízio.
Em 1978?
Isso, lá [em São Paulo], eu fui o único diretor do Sindicato [de São Bernardo] que foi dar apoio à Chapa do Anízio. Mas era uma falta de liberdade, assim, total. O Sindicato, o Joaquinzão, tinha todo o domínio da eleição do Sindicato e dominava tudo.
É... Dizem que ele tinha apoio da ditadura e tudo...
É... E aí, no começo de maio, dentro da Scania, eu comecei a sentir que a coisa estava boa, assim, havia uma efervescência.
Mas o senhor não chegava a ter uma comissão lá dentro não, uma comissão clandestina?
Clandestina. Nós tínhamos, eu conhecia pessoas, companheiros, que tinham liderança em cada seção. Mas só que, teórica, porque na prática, só na prática para saber, né. E eu acho que a greve da Scania foi uma, assim...
Quais eram os outros trabalhadores que influenciavam dentro da fábrica?
O Augusto Portugal...
De qual seção ele era?
Ele era inspetor de qualidade...
Ah, do pessoal que gira mais dentro da fábrica, né...
É, ele girava bem. E tinha, cada seção, tinha um líder. Uma pessoa com uma certa liderança que as escondidas a gente discutia, sonhava com liberdade etc. e etal, mas não era nada muito aberto, era muito fechado.
O senhor lembra de mais algum nome além do Augusto Portugal?
Tinha o Pelúcio, era um companheiro que depois foi para o interior, andou militando lá na cidade onde ele foi morar. Quer dizer, cada um, acabou dispersando, foi um para um lugar, outro para outro... Mas quem continua, que eu continuo tendo relação é o Augusto Portugal, estou sempre com ele. E tinha outros companheiros, mas que acabaram, vamos dizer, sumindo do meio convívio, né. Já passaram trinta e tantos anos, né. Enfim, agora o importante de tudo isso foi eu ter a visão de que era possível e eu chamei esses companheiros para a greve e falei: "oh, eu acho que vamos, que podemos fazer uma greve aqui na Scania". Aí: "ah Gilson, será que vai dar? Você acha que o pessoal pára?". Falei: "Eu acho que pára."
Vocês chegaram a fazer uma reunião ou você foi falando no boca a boca?
Não, boca a boca, escondido no banheiro, com muita dificuldade. Aí, eu me lembro que o pessoal falava para mim: "Oh Gilson, será que dá tempo para a gente...". Porque eu marquei a greve para o dia 12 de maio. E era mais ou menos dia 9 que eu comecei a falar da greve mesmo. Aí: "Pô, mas dá pra mobilizar esse pessoal em 3 dias Gilson?". Aí: "Dá". E eu com aquela coragem, aquela vontade de liberdade.... Eu fui muito afoito. E durante a minha vida, muita gente fala pra mim: "Você é uma pessoa muito afoita, você não tem muita paciência, não pode ser assim". Eu falo: "Olha, essa minha atitude, para algumas coisas é prejudicial, mas para outras coisas dá certo". Eu sei que...
Mas porque tinha que ser no dia 12?
Tinha que marcar uma data. Tinha que marca uma data para ter como referência aquela paralisação. Aí fomos....
Tinha também um negócio com o pagamento, que ia vir um aumento e não veio...
Não, não. Na Scania não teve isso não. Teve a campanha salarial dos metalúrgicos a nível geral. E o Sindicato teve uma posição, não pediu nada econômico, pediu garantia para gestante, vários itens sociais, mas valores de salários, reajustes, não pediu nada: "Quanto vocês vão pedir?", "Nada!". O Sindicato... "Quanto?", "Não, nada. Porque não adianta, a gente pede uma porcentagem, os patrões não davam, vai para o Tribunal e o Tribunal dá o que, decreta o que eles querem. E aí o Sindicato renovou aquele ano e falou: "Não vamos pedir nada, para mostrar que não adianta pedir nada".
No Sindicato, o senhor estava em qual cargo?
Eu era representante junto à Federação...
Ah, o senhor fazia o contato...
É, com a Federação dos Metalúrgicos. Mas era só nomenclatura né, era só nomenclatura na distribuição dos cargos. O Sindicato não tinha muita relação com a Federação porque era pelega, nós achávamos que era pelega. Não valia a pena. Então para formar a chapa você tem que colocar na nomenclatura o cargo. E aí, eu sei o seguinte, que essa greve da Scania foi uma, algo que até hoje eu falo: "Mas será que eu fiz aquilo mesmo?". Porque foi tão surpreendente. Nós não tínhamos direito de greve. Não havia liberdade para se organizar. Fazer uma greve dentro da fábrica foi muita astúcia, coragem, que... Surpreendemos a chefia, a gerência da Scania, surpreendemos o sindicalismo, surpreendemos a empresa, a imprensa, a opinião pública. Foi uma surpresa geral.
Não foi uma coisa combinada no Sindicato, né?
Não, não foi combinado no Sindicato.
Eu vi uma reportagem, uma entrevista do senhor, naquela revista Oboré, de 1979, uma entrevista longa...
A Oboré, como é o nome daquele menino que era da Oboré, Rubens, acho que é Rubens.
Era do PCB essa revista?
Ela era ligada ao PCB... Eu me lembro que eu cheguei, dia 11, à noite no Sindicato e falei para a diretoria do Sindicato. Falei: "A Scania vai parar amanhã". Eles não acreditaram. A verdade é a seguinte: eles não acreditaram. Eu cheguei no Lula: "Lula, a Scania vai parar amanhã". Ele estava abrindo as portas do armário dele, ele olhou para mim assim e continuou puxando a gaveta. Aí depois que aconteceu a greve, depois de passados alguns dias, o pessoal, falaram, quando eu comuniquei que ia fazer a greve no outro dia, todo mundo falou: "Esse cara é louco, esse cara é maluco, esse cara, é um louco falando.
A diretoria fazia reunião todo o dia, toda a sexta feira, oito horas da manhã, a diretoria efetiva, porque nós éramos considerados suplentes, quem ficava dentro da fábrica era suplente. Não era bem essa nomenclatura, mas era considerado como...
Como se fosse um dirigente de base...
De base. Aí eles faziam reunião toda sexta feira, oito horas da manhã na sexta feira. Aí quando eu pedi para um companheiro, dentro da fábrica, pegar e ir no orelha [telefone público] e comunicar a diretoria que nós estávamos em greve, eu tinha o número do telefone da diretoria, aí um companheiro meu foi até o orelhão, foi telefonar como se fosse ligar para a família dele. Tinha um orelhão dentro da fábrica, no restaurante. Ele foi lá e comunicou: "Olha, o Gilson mandou avisar que a Scania está parada. Nós estamos parados. Nós estamos em greve aqui. Nós estamos em greve". Aí diz que foi aquele... Todo mundo jogou a blusa, era tempo de frio, jogou a blusa para cima, fizeram a maior festa. Aí me contaram depois que eles não acreditavam que a Scania ia para naquele dia: "pô, o cara chega do nada, dizer que que vai ter a greve no outro dia, só pode ser um louco". Foi muito bonito, muito organizado.
Mas deixa eu te perguntar uma coisa: por que que o Lula chamou o senhor para fazer parte da gestão?
Pela minha mobilização, minha maneira de participar, pela minha fala dentro do Sindicato, enfim. Pela minha atuação.
O senhor era conhecido dentro da fábrica?
Sim, era conhecidíssimo: primeiro, eu era representante dos trabalhadores no convênio médico que a Scania tinha. Os trabalhadores me elegeram como representante dos trabalhadores no convênio médico. Eu tive todos os... Faltaram 4 votos para eu ter todos os votos de quem votou naquele dia. Então eu me tornei muito conhecido dentro da fábrica. E, além disso, eu... existia uma, alguma necessidade de mandar gente para o Sindicato para os advogados do Sindicato defenderem algumas coisas, alguns direitos que a Scania, as vezes, negava: "Ah, quem pediu para vocês virem?", "Ah, o Gilson mandou e tal". E além disso, outra coisa que eu fazia muito, associar ao Sindicato. A Scania era a fábrica que tinha maior número de associado em um sindicato no Brasil proporcionalmente.
Tipo 90% dos funcionários filiados...
Não, 50%, que era considerado muito. Que era considerado, 50% era... Porque na verdade, era no máximo 20% numa fábrica, como sócio do sindicato. A Scania tinha por volta de 505 [filiado ao Sindicato].
E tinha militante de partido lá dentro? Tinha trabalho de partido?
Muito pouco. Muito pouco.
De qual que tinha?
Algumas pessoas lá ajudavam na campanha do MDB. Porque quem era candidato, na época era MDB...
Mas não tinha PCB, PC do B, MR8, essas correntes?
Muito pouco. Não tinha, não tinha muita. Primeiro porque naquele tempo, trabalhador ser candidato mesmo era difícil. No MDB tinha alguns candidatos mais populares, mais perto dos trabalhadores, mas era geralmente era, não tinha nada a ver com os trabalhadores diretamente.
Trabalho de organização de esquerda não tinha?
Muito pouco, Tinha algumas pessoas de esquerda, a gente conversava, batia algum papo, um emprestava um livro para o outro, tal. Trocava alguma ideia, muito timidamente, timidamente.
Tem uma coisa que falam do senhor, não sei se é verdade, é que o senhor estava próximo da Convergência Socialista.
Não. Eu tinha uma boa relação com o pessoal todo, mas não era... Não...
O senhor nunca foi da organização mesmo. Organizado. De célula mesmo...
Não, não. Não participei. Eu, na época da greve da Scania eu estava lendo um livro sobre a revolução chinesa. Estava lendo sobre a revolução chinesa e mais alguns livros desse tipo. Quando surgiu livros sobre Cuba, eu lia para saber alguma coisa sobre a revolução cubana. Mas tudo muito difícil de se ler, de se encontrar livro desse tipo. Eu até, no dia da greve, a Scania marcou uma reunião em São Bernardo do Campo, junto com o Lula e comigo, me tirou de dentro da fábrica. Eu até pedi para um dos nossos companheiros para tira aquele livro de dentro do meu armário. Deixei a minha chave para tirar os livros que podiam vasculhar e dizer: "Não, esse é um movimento comunista, tal, subversivo". E nós queríamos dizer que era um movimento só de salários mesmo. Foi uma greve reivindicatória, mas que tinha um cunho político. Eu sabia que tinha um cunho político, mas os trabalhadores como um todo não sabiam ainda. Eles estavam participando por uma questão salarial. Se falasse que era uma greve com um certo cunho contra a ditadura, contra... Aí eles não fariam a greve.
Mas para o senhor já influenciava contra a ditadura?
Já. Achava que influenciaria nessa questão. Por exemplo, eu sabia que o presidente da Scania era primo do João Batista Figueiredo, indicado como presidente da república, futuro presidente. O Presidente da Scania, presidente, o "testa de ferro" era primo-irmão do João batista Oliveira que acabou sendo presidente da república. Eu sabia disso, os trabalhadores não sabiam.
Mas ele não circulava por dentro da Scania, circulava?
Não, não circulava. Eu só sabia que tinha, lá dentro...
A greve começou no dia 12 de maio de manhã?
Começou de manhã, 7h da manhã ninguém ligou as máquinas. Eu bolei, junto a cada liderança, que fosse até a ferramentaria, porque nós íamos começar o dia de braços cruzados. Todos os trabalhadores de dentro da ferramentaria começariam o dia já com os braços cruzados.
Então partiu da ferramentaria, foi onde começou?
Partiu. Aí, imediatamente as pessoas iam dizer: "Olha, a ferramentaria realmente está parada. Aí, ninguém foi ligando as máquinas... Porque dali dava sempre uns dois, três minutos para começar a ligar as máquinas, normal. Mas naquele dia ninguém, com raras exceções, alguma máquina foi ligada, uma ou outra, mas que logo foi desligada. As pessoas iam de uma seção pra outra de bicicleta e eu pedi para cada líder ficar com uma bicicleta para ir avisar rapidamente. E deu tudo... Tudo funcionou como se fosse um relógio. 7h da manhã ninguém ligou, pouca gente ligou as máquinas. Você não ouvia barulho. Aí a chefia falou: "Energia tem, não está faltando energia, o que que será que está acontecendo que ninguém ligou as máquinas?". Aí, as chefias, dentro das seções, olharam, todo mundo parado, aí vieram para cima de mim: "O que que está acontecendo?".
Porque o senhor era conhecido...
Eu era do Sindicato. Falei: "É, os trabalhadores cismaram e pararam". Aí me chamaram até a diretoria da empresa. A gerência. Lá estava a gerência...
No mesmo dia?
No mesmo dia. Tipo umas 8:30, 9h., o gerente chegou com barba por fazer aquele dia. Eu sei que o gerente, os diretores da empresa, porque eles vinham mais tarde, 9:30, 10h., aquele dia, as 8:30 da manhã eles já estavam lá. Aí me chamaram lá.
Na Scania mesmo?
É, dentro da Scania. No setor administrativo. Aí perguntaram para mim o que que estava acontecendo. Eu falei: "Olha, o pessoal, cismaram e pararam". Aí eles falaram: "Vamos fazer o seguinte, você pega um representante de cada seção porque nós vamos fazer uma reunião para discutir essa reivindicação de vocês. Eu falei: "Mas não tem líder. Não tem líder. Pode falar comigo, eu sou representante do Sindicato. Eu represento o Sindicato". Aí insistiram para que eu chamasse líder de cada seção, aí eu me neguei. Porque eles não tinham estabilidade nenhuma. Aí, quando foi 10h da manhã chegou o representante da, do DOPS, umas 10h da manhã e o representante da Secretaria do Trabalho de São Paulo, do Governo de São Paulo, Vinícius Torres, uma membro que representava o Vinícius Torres, que era o Secretário do Trabalho do Estado de São Paulo e um membro do DOPS, os dois, coincidentemente tinham o nome de Guaraci.  Guaraci Horta que era do DOPS, e, mais tarde, em 1980 veio ser o interventor do Sindicato dos Metalúrgicos [de São Bernardo]. Guaraci Horta, que esteve na Scania, 10:00h da manhã para pressionar os trabalhadores para voltar ao trabalho ou tirar uma comissão para falar com ele.
O da Secretaria, qual era o nome?
Guaraci também, mas não sei o sobrenome, não me lembro.  É o Guaraci do DOPS e o Guaraci Orta. Aliás...
O Guaraci da Secretaria do Trabalho e o Guaraci Horta...
É, e o Horta. E ali, chamara a gente num restaurante aqui em São Bernardo para fazer a reunião com Lula, Gilson, Severino Alves, que era, ele era funcionário da Scania, mas era diretor efetivo, ele era Secretário Geral [do Sindicato de São Bernardo]. Então me chamaram lá, nesse...
Ah, o senhor era delegado de base, mas era suplente do delegado, Severino...
Eu era suplente, era de base, era chamado de... Era considerado suplente. Diretor suplente...
O oficial, Severino, não foi o que fez a greve...
Não. Porque ele era do Sindicato.
Ah, ele ficava no Sindicato?
É, fazia administração do Sindicato, fazia, os movimentos mais no Sindicato. E eu, nós éramos mais dentro da [Scania]... Era diretor de base... E a Scania tirou a gente, me tirou lá de dentro. Quando eu saí, eu fiz uma reunião rápida com alguns líderes, companheiros nossos, falei: "Olha, a Scania vai forçar vocês a voltar a trabalhar, mas não voltem a trabalhar. Eles vão inventar mentiras para vocês voltar a trabalhar, ma se vocês voltarem a trabalhar eu estou ferrado. E foi o que fizeram mesmo. Enquanto eles ficavam conversando com a gente, "enchendo linguiça", enchendo linguiça", eles começaram a forçar os trabalhadores dentro da empresa: "Ah, o Gilson está lá, negociando. Está tudo certo, vai dar certo. Voltem ao trabalho". E a turma, não voltaram. Não voltaram ao trabalho... Já tinham orientação minha para não voltar ao trabalho. E terminou o dia e ninguém voltou ao trabalho. O pessoal da noite já, também não trabalharam. Tinha um turno de noite, mas era bem menos trabalhadores, e não ligaram as máquinas também. Já souberam, a repercussão na imprensa, e não trabalharam. E aí, na segunda feira, nós continuamos em greve.
Foi na sexta...
Foi. Na segunda feira nós continuamos em greve. Na terça feira de manhã, eles mandaram chamar o Lula na Scania...
Então essa reunião que vocês fizeram no restaurante não...
Não deu nada.
Vocês pediram quantos por cento de reajuste?
20% de aumento. Aí a Scania comunicou ao Lula que eles queriam uma assembleia dentro da fábrica na terça feira de manhã. Aí o Lula foi dentro da Scania.
A fábrica queria fazer a reunião...
É.
Ah, eu achei que fossem vocês que tivessem pedido para fazer a assembleia dentro da fábrica...
Não. Assembleia nós fizemos, mas...
Mas vocês que pediram?
Não é que pedimos, eles queriam que nós voltássemos a trabalhar, ai o Lula falou: "Não, só voltamos se vocês atenderem a nossa reivindicação". "Não, mas nós vamos atender, só que não 20% de uma vez, três parcelas, tal. Aí vocês levam essa decisão nossa de dar os 20% em três vezes. Aí vocês colocam para os trabalhadores, se eles aceitarem voltam a trabalhar". Aí o Lula foi de manhã cedo na Scania, colocamos a proposta da Scania junto aos trabalhadores, eles aceitaram e voltamos a trabalhar. Só que na quarta feira, quinta feira...
Vocês voltaram a trabalhar na terça mesmo?
Na terça mesmo. Trabalhamos terça e quarta, quando foi na quinta feira, diante da pressão da outras empresas junto à direção da Scania, a Scania quis voltar atrás. Aí quis voltar atrás e os trabalhadores novamente pararam.
Ah, aí parou de novo?
 Aí quando foi mais ou menos dia 20, 21, a Scania disse que diante da decisão da Anfavea, da representante patronal, a Scania só dará aumento se todas as empresas der também. Aí os trabalhadores se revoltaram e novamente greve. Parou de novo. Aí foi aquela greve meio bagunçada mesmo. Meio na marra mesmo, e a chefia pressionando, isso e aquilo, quem é que estava se movimentando. Ameaçando todo mundo. Aí os trabalhadores paralisaram.
Mas essa aí não foi senhor que preparou? Não foi o senhor que agitou?
Não. Essa aí não. Eu estava lá dentro, mas foi a revolta mesmo, porque eles deram o reajuste e depois voltaram atrás. Aí a Ford parou. E a Ford segurou bem o movimento.
Mas essa aí do dia 20 de maio, ela durou mais quantos dias?
Aí mais uns 2 dias. E a Ford como estava a uma semana parada, o acordo saiu de diante do movimento que os companheiros da Ford Fizeram. Os companheiros da Ford já tinham passado pela greve de 1968. Tinha uma experiência. Scania era uma molecada. Eu tinha 27 anos quando organizei a greve, eu era um moleque, era molecão. E muita gente que participou da greve da Scania era garotão de 25, muito difícil ter pessoa de 35 anos, a maioria dos trabalhadores era de 27, 28, 23. Era uma juventude muito grande na Scania.
E essa greve na Ford, o senhor sabe alguma coisa sobre ela?
O que eu sei é que houve paralisações né, lá dentro, e queira ou não queira, fica uma certa experiência. Era um pessoal que discutia mais, era um pessoal mais, com mais experiência, mais maduro, e a Scania não, a Scania era mais uma molecada. Era uma maneira de eu falar "molecada", porque realmente era uma juventude muito grande dentro da Scania. Então não se tinha, não se tinha passado por um movimento anterior.
Não tinha sido reprimido ainda?
Não tinha sido reprimido. Não tinha levado uma chibatada ainda para ter músculo preparado...
Ao mesmo tempo que não tinha músculo, não tinha medo...
Não tinha medo. Também não tinha medo. Mas, queira ou não queira, as vezes a falta de experiência deixava o pessoal um pouco ainda desmobilizado, vamos dizer assim. Mas foi um pessoal muito bom, viu. Eu tenho um orgulho muito grande daquele movimento. Nós não tínhamos direito à greve e nem o direito de falar a palavra greve. A palavra. Tanto que, quando o Guaraci [do DOPS], quando falou assim: "Vocês estão em greve". Os trabalhadores: "Nós não estamos em greve não, nos estamos paralisados, é uma paralisação. Não é greve não. É paralisação". Os trabalhadores nem sabiam, eles tinham receio de falar a palavra greve.
Paralisação de 5 dias é greve...
Quando o Guaraci falou: "Vocês estão em greve-!", "Não, nós não estamos em greve, nós estamos, é paralisação, não é greve". "Como não é greve?". É que a palavra greve não era falada, nós paramos sem eu dizer a palavra greve. "Nós vamos paralisar. Vamos cruzar os braços". Essa palavra, greve, era proibida, não existia no nosso dicionário. Porque não tínhamos direito de greve. Existia uma lei anti-greve, a 4.330 e nós quebramos essa Lei na prática, fazendo greve. E aí, depois da Scania, começou pipocar em tudo...
Na Ford continuou...
Na Ford continuou.
Aí o reajuste de vocês veio?
Aí veio, o reajuste veio para todo o pessoal das montadoras. Ficou o acordo das montadoras. Depois veio as pequenas empresas e tal, ia fazendo acordo por fábrica, ia fazendo acordo por fábrica. Mas esse acordo foi para as montadoras.
E foi quantos por cento esse aumento?
20%, para todo mundo, geral...
Não estendeu para São Paulo esse valor, né...
Só as montadoras de São Bernardo do Campo...
E depois disso não formou nada de comissão?
Aí depois... Sim...Aí depois foi chegando organizações e tal, representantes...
Criaram comissões clandestinas lá?
Tinha algumas comissões clandestinas. Sempre movimento clandestino. Depois a própria empresa quis montar uma comissão de trabalhadores. Aí não muito bem, não era muito bem não, não era aceito pela organização sindical. Era uma comissão que a empresa queira criar mais para manipular, para dizer que tinha liberdade sindical, mas não era muito, não era muito não, não era nada aceito pelo sindicalismo. Aí o Sindicato foi avançando, etc. e conquistando as comissões de fábrica.
Então vocês não quiseram, quando propôs de fazer comissão na Scania?
Não, não. Na Scania propôs e nós...
Isso em 1978 ainda?
Não, depois. Depois. Tivemos a greve de 1979, 1980...
Em 1979 os operários da Scania fizeram greve...
Greve geral. Aí foi greve geral. Greve no ABC todo e intervieram no Sindicato.
E como que foi decidido, foi decidido só na assembleia da categoria?
Da categoria...
Na Scania vocês não chegaram a fazer assembleias de vocês?
Fazíamos assembleia por fábrica, mas a decisão era geral, da categoria. Em 1979 foi, então foi uma greve geral e aí intervieram no Sindicato em 1979. Depois nós achamos que o Sindicato sobre intervenção, enfraquecia o Sindicato. Nós fizemos um acordo para voltar ao trabalho que eles devolveriam o Sindicato.
A trégua de 45 dias...
É, a trégua de 45 dias. Aí devolveram o Sindicato e de 1979 para 1980 nós organizamos uma greve maior ainda em 1980.
E o senhor lembra do clima dessa assembleias de 1979...
Foi bom, um clima muito bom...
Porque teve uma discussão, o pessoal fala que teve uma discussão que, um setor da assembleia não gostou desse negócio da trégua de 45 dias...
Não. Não queria que voltasse a trabalhar. Queria a manutenção da greve. Tinha um setor pequeno...
Pequeno quanto? Porque as assembleias eram gigantes, 100 mil...
A grande massa queria, deu um voto de confiança à diretoria do Sindicato. Porque nós falamos que não estávamos muito organizados ainda. Isso não era falado em público. Mas era falado na base que a gente tinham que se organizar melhor pra gente fazer um movimento mais organizado ainda.
Porque parece que tinha uns trabalhadores da Ford que eles não queria a trégua...
Não queriam. Alguns não queriam dar a trégua...
E na Scania, como foi, o pessoal foi dividido? Como é que foi?
Tinha alguns que achavam que devia continuar a greve. Mas nós sentíamos que não estávamos organizados para continuar a greve e assumimos o compromisso que nós íamos voltar a nos organizar novamente e cumprimos.
Então o senhor também estava no setor que achava que tinha que dar a trégua?
Dar a trégua. Dar a trégua porque ainda estávamos... Nós não estávamos bem organizados ainda. E aí nós cumprimos aquilo que falamos: "Olha, vamos se organizar mais". Em 1980 nós fizemos uma greve mais organizada ainda. Aí nós decidimos: "Oh, dessa vez pode cassar o Sindicato, pode prender agente, pode acontecer, voltar atrás nós não voltamos mais". E foi o que aconteceu. Cassaram, intervieram no Sindicato, colocaram interventor...
Aí tinha São Paulo inteira parando também. Era São Paulo e ABC junto...
É, quer dizer, o ABC parou em 1979 junto com São Bernardo, Santo André, São Caetano. E São Paulo começou a ter movimento também.
É porque o Sindicato daqui, de São Bernardo, não pegava Santo Andre né, lá era outra diretoria...
Não, o Sindicato era outra diretoria, mas em 1979 parou.
Aqui pegava só São Bernardo e Diadema...
São Bernardo e Diadema, só os dois. Mas, depois de 1978 começou a pipoca greve no Brasil todo, por fábrica. Em 1979 nós fizemos uma greve geral aqui no ABC. Começou por São Bernardo e Diadema. E depois...
 Aí chegou em Santo Andre, em São Caetano...
Isso. Exatamente. tudo era puxado pelo movimento de São Bernardo do Campo, pela diretoria do Sindicato. Aliás, uma grande diretoria. O Lula só chegou a ser o Lula porque ele teve uma diretoria bacana, viu, um pessoal de fibra, de garra. Não só a diretoria, mas também grandes ativistas que ajudaram a diretoria do Sindicato, não era só os diretores, mas grandes ativistas.
Alguns eram militantes de partidos, né, o Alemão era do MR8...
Militantes... Depois militaram no...
O osmarzinho era de onde?
O Osmarzinho....
O senhor lembra que correntes estavam no Sindicato? Que correntes políticas estavam no Sindicato?
Tinha, tinha o MR8, tinha... Tinha várias organizações que tinham participação dentro do Sindicato. Mas os militantes sindicais, era uma militância muito boa, muito boa. E o Lula, ele pode dizer assim: "Não, eu tive na base em São Bernardo, grande companheiros que nos ajudou a organizar esse movimento geral". E aí depois disso veio a anistia em 1979, depois da greve de 1978, vieram vários movimentos. Veio a greve de 1980. Veio o movimento pelas diretas, o nascimento do PT e de outros partidos.
O pessoal fala que tinha uma divergência entre o pessoal de São Paulo e o pessoal de São Bernardo em relação aos delegados sindicais e as comissões...
Ah, divergência as vezes em relação aos pontos de vista. Porque a nossa relação era com a Oposição, mesmo tendo divergência de alguns pontos, de como deve ser...
E quais eram os pontos com a Oposição?
Como deveriam ser encaminhadas as coisas, só isso. Como deveria ser encaminhadas as coisas. Mas não era uma divergência de... filosófica não, divergência de como encaminhar os movimentos.
Essa divergência de comissões ou delegados sindicais...
São divergências pequenas. Pequenas, às vezes só de nomenclatura. Uma divergência muito pequena. Mas todo mundo defendia representantes junto aos trabalhadores, que nascesse dos movimentos e nunca ligados à empresa. Que fosse para representar os trabalhadores. Se era comissão ou se era delegado, aí cada um tinha uma maneira de ver. Mas não era uma divergência filosófica não, era só de...
E o senhor ficou na Scania até que ano?
Até 1980.
Mas o senhor foi mandado embora por causa da greve?
É. Sim. Aí nem terminei o mandato como diretor do sindicato. Tinha 2 anos de [ainda faltavam um ano de exercício] e foi cassado. Fomos indiciados na Lei de Segurança Nacional, a princípio condenados a 2 anos e meio de cadeia, depois fomos absolvido lá na frente. Recorremos etc. e fomos absolvidos. Mas é isso, aí depois, eu acho que fizemos, a partir da greve da Scania... Eu acho que o grande divisor de águas foi a greve da Scania, embora muita gente não reconhece isso. Só reconhece da greve de 1980 para cá. Mas o grande divisor de águas foi a greve de 1978. Se não tivesse acontecido aquela greve, a história ser diferente. Poderia ter acontecido uma greve em 1979 ou mesmo em 1978, mas o divisor foi aquela greve da Scania.
Aí quando o senhor saiu da Scania, o senhor foi para onde?
Fiquei desempregado.

1:10h.
Em 1980, no final de 1980, o Sindicato sueco me levou para a Suécia, para eu falar sobre a empresa sueca aqui no Brasil. Como era o comportamento das empresas suecas aqui no Brasil. E falei, é o mesmo comportamento da outras, repressão, a mesma coisa, era um pouco mais assim... Vamos dizer, menos rígida do que uma Volkswagen, do que Mercedes, era um pouquinho mais, uma filosofia mais sueca, mas a repressão era a mesma coisa, obedecia a orientação do sistema do Brasil: ditadura.
E ganhava dinheiro igual água...
Sim. Uma das maneiras de eu mobilizar os trabalhadores da Scania, foi uma matéria que saiu em uma revista dizendo que a Scania teve um lucro extraordinário em 1977. Eu tirei cópia daquela matéria e apregoei nos banheiros para criar um clima dentro da fábrica. Aí eu chegava e, eu mesmo tinha colocado, afixado nos banheiros, mas eu mesmo chegava e falava: "Poxa, a Scania teve tanto lucro e não deu nenhum aumento para a gente". Aí foi criando um clima.
Isso em 1978?
1978.
Antes da paralisação de 1978?
Antes da paralisação. Aí então o Sindicato sueco me levou até a Suécia. Eu dei entrevista na televisão sueca falando sobre a repressão no Sindicato: "Cassaram nosso Sindicato. Intervieram no Sindicato". eu visitei a Scania lá...

sexta-feira, 27 de março de 2015

Entrevista Betão - ABC - Movimento operário no ABC

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]

Alberto Eulálio nasceu em 4 de dezembro de 1944 em Igarapava, interior do Estado de São Paulo. Foi criado em uma Usina de Açúcar, no município de Igarapava, onde o pai trabalhou por 30 anos. Até os 20 anos trabalhou com no campo, no corte de cana de açúcar. Fez várias tentativas de fixar residência em São Paulo. Estabeleceu-se em Guarulhos em 1966, aos 22anos, em junho desse mesmo ano foi admitido na Volkswagen de São Bernardo, fábrica que contava no período, com cerca de 45.000 operários, trabalhou nela durante 8 anos na montagem de câmbio (ala 3 e ala 5), saiu dessa fábrica em 1974. Nesse ano, no mês de outubro, empregou-se na Ford de São Bernardo, fábrica que, nesse período, contava com cerca de 15.000 operários. Iniciou sua militância sindical em 1978, integrou a comissão de mobilização das greves do ABC de 1979, foi membro da diretoria do Sindicato do ABC de 1981, também foi membro da comissão de fábrica da Ford.

Eu comecei a trabalhar com 8 anos na roça. Fiz... A gente fazia até o 3º ano na fazenda e o 4º ano em diante você fazia na cidade, eram 6 km da fazenda até a cidade. E no 3º ano eu já trabalhava, com 9 anos na roça. Com 12 anos eu fui fazer o 4º ano na cidade. Terminado o 4º ano aí tinha que fazer admissão para entrar no ginásio naquela época. Então, eu chegava do colégio e tinha que ir para a roça trabalhar, ajudar o meu pai. Nós éramos em 6, 7 irmãos... Ao todo nós somos em 9 irmãos,mas faleceu um na época, então a gente tinha 7 irmãos, depois veio mais 2. Aí a gente ia trabalhar na roça para ajudar. E eu fiquei nessa usina. Com 14 anos eu saí e vim para São Paulo tentar um emprego aqui...

Mas o senhor ficou trabalhando dentro da usina mesmo?
Não, trabalhava na lavoura, na fazenda da usina. Porque tinha a usina mesmo e tinha as fazendas.

De cana...
De cana. Era a Fazenda Cana Brava, a fazenda que eu me criei, Cana Brava e Vargem Alegre foram duas fazendas que eu morei, que eu fui criado e... Mas tinham outras fazendas: São Geraldo, Bela Vista, Campestre, era uma usina enorme, é ainda porque ela existe.

Era perto de onde?
Essa cidade é a última cidade, você indo pela Anhanguera, chegou nessa cidade, Igarapava, você anda mais uns 5 km, tem a usina do lado esquerdo e o Rio Grande e aí a primeira cidade já é a Delta, que é ali depois da ponte, depois já é Uberaba a próxima cidade. É perto de Uberaba, de Igarapava até lá [Uberaba] dá uma hora de ônibus...

Perto de Minas...
É perto, é divisa com Minas, é divisa. E eu fui criado nessa fazenda e com 14 anos eu tinha parado de estudar porque eu tinha ido trabalhar na roça, eu fiz os estudos primários e parei. Aí com 14 anos você tinha que cortar cana, que é um serviço muito difícil, era triste. Eu tentei ir embora para São Paulo. Vim para São Paulo, fiquei aqui 20 dias, não deu. Não conseguia nada porque, de menor, você não ganhava para pagar o aluguel e a pensão, aí eu voltei.

O senhor tinha parente aqui em São Paulo?
Eu tinha uns amigos em Guarulhos e eu fui para lá, mas não deu para ficar, mesmo com a boa vontade deles, mas não deu. Aí eu fui embora... Aí com 16 anos... Eu voltei para a fazenda, trabalhei lá mais 2 anos na roça, difícil, cortava cana de madrugada até a noite. Aí com 16 anos eu voltei de novo para São Paulo, tentei de novo aqui. Não consegui, não dava... Por causa da menor idade eles falaram que não dava... Aí eu voltei para a fazenda de novo. Aí eu fiquei nessa fazenda até os 18 anos. Aos 18 anos eu vim para São Paulo mas não fiquei, não consegui, não dava para ficar porque eu não tinha dinheiro... E eu jogava bola na época, jogava até bem, jogava bola... Aí eu fui tentar jogar bola, joguei bola, ia fazer teste. Fiz teste em Araxá, Vila Iara e jogava té, o pessoal falava que eu jogava muito bem... E depois não dava certo... Aí eu entrei em uma empresa chamada Camargo Correia, Camargo Correia não, acho que era Gianeti Gouveia, era uma empresa de asfalto na época. Não era Camargo Correia, acho que era Genésio Gouveia... Era uma empresa que... Ela pegava as estradas para asfaltar, então a gente, eu trabalhei nessa empresa mais ou menos 6 meses, mas o serviço também era estúpido, os caras jogavam saco de cimento, amassar... Era um serviço bruto... Eu tinha 18 anos... Aí, não dava mais, aí depois eu entrei numa... Mesmo assim eu estava tentando jogar bola... Aí vim para São Paulo de novo, aí não deu certo aí voltei de nova para a fazenda...
Fiquei na fazenda aos 19, com 19 anos e tentando jogar bola, não deu certo. Aí fiquei na fazenda até os 19 anos cortando cana, cortei cana... e aí arrumei uma namorada, aí você arruma namorada e você fica ali e tal... Aí, meu pai pegou, sofreu um derrame. Ele tinha, acho que 58 anos, aí ele mudou para uma cidade chamada Ituverava, que era uma cidade antes de Igarapava. Aí lá em Ituverava eu consegui um emprego em uma empresa que estava construindo uma fábrica, chamava-se Lufem, não sei se essa fábrica existe ainda, mas é em Ituverava. Eu fiquei trabalhando lá 2 anos, nessa empresa... Aí, depois de 2 anos, eu nem era registrado nessa empresa. Numa firma... Não era fábrica, estava construindo uma fábrica. Eu estava trabalhando na construção dessa fábrica. E aí fiquei nessa empresa 2 anos. Aí eu falei, já estava com 22 anos e eu tinha uma namorada também lá, aí trabalhava eu e um primo meu, aí falamos: "Vamos para São Paulo? Vamos embora daqui? Vamos embora". Aí nós fomos para São Paulo no dia 21 de abril...

O senhor e sua namorada?
Não, eu e o meu primo, minha namorada ficou lá. Nós saímos de Ituverava no dia 21 de abril de 1966. Aí nós viemos para cá, pra São Paulo, nós fomos para Guarulhos. E a minha namorada e a namorada dele eram primas e eu e ele éramos primos, ele já faleceu. Aí fomos para Guarulhos, em Guarulhos, ficamos lá, procuramos emprego, já estávamos de maior, já tinha trazido uma reservazinha melhor, aí ficamos lá em Guarulhos. Aí eu arrumei emprego na Ibrape, que era empresa da Philips ali no Belenzinho, na Eduardo Botch, trabalhei nessa Ibrape e ele veio aqui para Santo Amaro, porque tinha um parente da namorada dele que trabalhava aqui na Light, antigamente... E eu fiquei lá em Guarulhos trabalhando na Ibrape.
Aí eu vim passear aqui em Santo Amaro na casa de uma parente da minha mãe, aí falou: "A Volkswagen vai pegar 2.000 pessoas, porque você não vai para lá?". Eu falei: "Mas eu não conheço ninguém lá". Falou: "Não, mas tem a fulana que é nossa prima e tal". Aí eu fui para Santo André, chego lá: "Vem para cá que aqui vai pegar". Eu fiquei na casa desse primo e ia na Volks todo dia, carteira [de trabalho] branca, ninguém pegava... Porque a carteira que eu tinha na Ibrape tinha 3 meses, aí ia chegar na Volks com carteira branca, ia pegar 2.000 pessoas, mas era uma fila enorme para entrar na Volkswagen. E eu, todo o dia eu estava lá. Todo o dia eu estava lá era um dos primeiros da fila... Chegava lá: "Não". Aí um dia o cara falou assim: "Todo o dia você está aqui né. Vai, entra aí, vai". [risos]. Aí eu entrei. Tive a sorte de entrar na Volkswagen...

Em que ano que foi?
Em junho de 1966. Entrei na Volkswagen, e aí, aquela empolgação, você entra naquela empresa grande, todo mundo tinha um sonho de trabalhar numa Volkswagen, eu fiquei 8 anos nessa empresa, uma tristeza, um sistema...

O senhor ficou até 1974?
Fui até 1974... Mas era uma coisa assim... Violenta, não tinha...

Em qual seção o senhor entrou?
Eu entrei na montagem de câmbio... E rapaz... você...

Era na Ala 8?
Era na Ala 3, depois foi para a Ala 5. Você conhece lá?

Eu fiz um trabalho lá no mestrado, sobre a Volks...
Ala 3 era o câmbio, aí depois mudou para a Ala 5...

Eu fiz umas visitas lá dentro... Aí os câmbios ficam passando pendurados em uma carretilha, pendurados, dá a volta sobre...
Isso... o câmbio na Ala 5 fica no canto... E rapaz, mas foi duro, nossa, você trabalha... Eu tinha vindo do interior né, e encarava o serviço, e não era fácil para aguentar, era um trampo assim, que você não tinha nem tempo para ir no banheiro, e uma repressão violenta. Aqueles alemães tudo estragados, um com a perna fodida, outro sem braço, outro com olho tapado, um bicho maluco. Não cumprimentavam ninguém, uns cara ignorantes para burro. E na Volkswagen, quando eu entrei lá, meu horários era da 6 às 16:30, uma quinzena. A outra quinzena era das 16:30 às 2:20.

Revezamento de turno...
Isso. Então você, quando estava acostumando a trabalhar de dia, o corpo, você passava para a noite, quando você estava acostumando à noite você passava para o dia, aquilo era um sofrimento. E outra coisa, era muita hora extra. Puta, era hora-extra assim, que você até... Sabe... E você tinha que ir, não tinha conversa. Às vezes você entrava às 6 horas da tarde... 6 horas da manhã, 16:30 era hora de você ir embora, você ficava até ás 8 horas da noite.

Nossa, 4 horas de hora extra...
4 horas de hora-extra. Rapaz, eu ganhei muito dinheiro, nossa, a gente ganhava dinheiro, e tem outra... A gente entrava 4 e meia da tarde saía 2:20, a gente ficava até às 6 da manhã. E era obrigado a ficar, não é que você queria ficar, é que era obrigado... Porque, meu... Você... E de sábado... Chamava de sábado, chamava de domingo... Não, uma loucura...

E se você falasse: Eu não quero ficar na hora extra!
 Não, não importa.

Eles mandavam embora?
Mandava embora. Você tinha que fazer hora extra de qualquer jeito. Se você não fizesse era demitido. E não tinha conversa, era trampo. Você ia no banheiro, se você ficasse mais de 12, 15 minutos, tinha um guarda dentro do banheiro olhando, se você, chegava um outro cara, ficava conversando, as vezes falando alguma coisinha, o cara falava: "Oh, circulando! Circulando!". Tinha guarda ali, um sistema, assim... Nazista mesmo. Uma coisa brava.

O pessoal fala que tinha policial do DOPS lá dentro, policial aposentado e eles colocavam dentro da Volks para trabalhar na segurança...
Tinha, tinha. Muita gente "reformado", militar. Do exército, reformado. Um sistema, muita gente reformada, que estava lá dentro... Tinha gerente, ocupava um cargo, para não fazia nada, só para ganhar dinheiro e ficar... E reprimir o trabalhador. Mas nossa, era uma loucura. Trabalhava muito... Aí, em 1970 teve um incêndio na Ala 13, acabou com a Ala 13. Era uma Ala nova, de pintura... Acabou com a Ala 13... Queimou todinha a Ala 13... E aí, a gente via aquele monte de nego... Porque a Ala 13 era perto do... Era em cima, e a enfermaria era embaixo... Nossa, a gente olhava para a enfermaria, um corredor enorme, aquele monte de gente, tudo machucado, queimado, uns caras saíram correndo... Foi uma coisa de louco. Segundo... Falaram que não teve nenhuma morte, e a gente: "Poxa, como é que pode né? Um Inocêncio daquele". Era ambulância....

Muita gente se queimou?
Muita gente se queimou, muita gente se machucou... Mas foi tudo abafado, ninguém... A imprensa, naquela época, o esquema era violento né... Ninguém...

Tinham quantos trabalhadores nessa época?
Oh rapaz, na Volks chegou a ter 45.000. Nessa época devia ter uns 45.000 trabalhadores a Volks. Quando eu entrei, a Volks, a produção só aumentava, aumentava. Por isso que dava muita hora extra, porque saia muita peça fora, com problema, voltava para a gente desmontar e montar de novo, tinha uma oficina. A nossa Ala era só de câmbio, tinha uma usinagem enorme, muito grande a usinagem. E a gente não tinha tempo de fazer nada, não tinha tempo para jogar uma bola, não tinha tempo para num sábado você sair, porque você tinha que trabalhar, e não tinha conversa não, os caras colocavam assim, ninguém... Você já sabia que no sábado: "Oh, sábado, sábado, sábado" [era convocado pela chefia]. Era desse jeito.
Aí, quando foi em 1972 eu casei, com a minha mulher que morava em Ituverava. Aí eu casei, aí em 1974 eu tive o meu primeiro filho. Aí eu já estava... Eu estava meio maluco, sabe? Porque... Aquele nervosismo, aquela coisa... Aí eu falei para a minha mulher, falei: "Olha, eu vou pedir para mandar embora". Minha mulher assim: "Você está muito nervo mesmo, não está bem. É bom você... Você sabe o que você faz". Aí eu pedi para mandar embora, os caras não mandaram: "Pede a conta!". Rapaz, e era difícil viu. Aí você parava de fazer hora extra, aí o cara vinha com advertência, a Volkswagen tinha advertência, "Eu não assino advertência". "Tá bom, mais um outro assina para você". O chefe assinava a advertência para você. Era incrível, era uma loucura. Aí eu tinha um chefe, um sergipano, chamava Juvenal, era uma cara assim.... Um pouco mais... Mais calmo, era um cara que era mais amigo dos funcionários. Porque lá a chefia era tudo ignorante, os caras... O cara olhava para você... E você não tinha tempo de conversar com ninguém não, era uma peça, outra peça, aquela loucura. Uma loucura. Aí, ele pegou e falou: "Não, colabora um pouco, você está... Não quer fazer hora extra, os caras estão pegando no meu pé, qualquer hora aí eles vão querer te mandar embora por justa causa, qualquer coisa que você fizer eles podem fazer isso. Dá uns 3 meses aí que eu vou trabalhar par te mandar embora". Uns 3 meses fazendo hora extra  e tal para ser mandado embora... Interessante... [risos].
Um dia, rapaz, eu peguei, porque lá, era lá em cima, sabe? Lá de cima o chefe vê tudo aqui embaixo, é tudo de vidro. Então, lá o chefe só fica lá em cima, só olhando o que está acontecendo aqui embaixo, interessante. Aí um dia eu peguei, subi aquela... Subi as escadas, cheguei lá em cima, estava o superintendente, era um tal de John Fresley, um alemãozão fortão, ele era muito nervoso. Aí: "O que que você quer aqui?" Aí eu falei: "Eu quero que você me manda embora!". Rapaz, esse cara: "Te mando embora por justa causa, sai daqui".  Aí eu peguei, fiquei: "Não vou sair! Você vai me manda embora". Rapaz, e ele era um cara fortão e eu baixinho, falei: "Puta que pariu, se eu pudesse eu jogava esse cara lá embaixo". Aí esse feitor chegou: "Sai daqui...". Aí eu desci. A peãozada ficava toda olhando... E eu estava... Maluco... Aí esse meu chefe falou assim: "Vou pagar, vou te mandar embora". Aí mais uns 3 meses me mandou embora. Ah... Foi um alívio. Saí da Volks, 8  anos eu fiquei lá. Saí de lá em junho... Eu tinha entrado... Fiquei 8 anos na Volkswagen...

O senhor saiu em junho de 1974?
Foi, em 1974 quando eu saí. Aí eu fiquei desempregado.

E tinha muito acidente dentro da Volks?
Nossa. O que é isso. Acidente era o que mais acontecia. Acidente... A forma de trabalhar... Não tinha... Era uma loucura. Tinha um tratamento térmico, assim, perto da nossa Ala, que o calor era 45º graus, era uma... Não tinha CIPA, não tinha sindicato, não tinha nada... Nunca vi falar de sindicato lá dentro. Nunca tinha ouvido falar de CIPA. Nem sabia o que era CIPA. Eu lembro que o único jornal que eu li na Volkswagen, que entregava na portaria era um jornal chamado La presa, que era da FIESP. Eu lembro desse jornal até hoje, La presa, porque sindicato não tinha nada, nada...

O sindicato era Paulo Vidal...
O Paulo Vidal, mas não tinha nada, do Sindicato você não ouvia nada. Você ficava à mercê da empresa. Uma escravidão, escravidão mesmo.

O pessoal fala se umas mobilizações na Volks nesse período...
Na minha Ala não. Na minha Ala era brincadeira...

O que dizem é que em 1973 e 1974 tiveram umas paralisações...
Eu estava lá e não vi. Na minha Ala não teve paralisação. Não teve. Na minha Ala não. Se teve...

No período que o senhor ficou, nesses 8 anos, o senhor nunca chegou a ver uma mobilização lá dentro?
Não. Eu não vi nada. Nada. Não tinha Sindicato, não tinha uma liderança, assim, dos trabalhadores dentro da fábrica. Não tinha isso. O cara que era sócio do Sindicato...

Nem comissão clandestina, grupo clandestino?
Não, não tinha. Na minha Ala não tinha nada disso.

Nem ouvia falar?
Nem ouvia falar. Não tinha, não tinha. Eu não sei... Dizem que tinha dentro da fábrica um pessoal do Partidão na época, do PCB, dizem que tinha, mas era muito, muito sigiloso. Ninguém conversava com você, você não via nada diferente, você não via um boletim dentro da fábrica de algum grupo de trabalhadores, você não via nada, era muito medo, sabe? Porque muita gente que vinha do Norte entrava na Volks, muita gente... Naquela época, muita gente saiu estourado, problema de audição, joelho, coluna, bico de papagaio, braço...

Até hoje né...
Até hoje, mas naquela época era pior. O cara ficava todo estragado. Era triste, ainda bem que eu sai. Mas eu saí já com problema de audição no ouvido... Que eu tenho até hoje nesse ouvido aqui... Não escuto quase nada. Aí eu saí da FORD, da Volks, fiquei julho, agosto e setembro...

Eu acho que essa greve de 1973/1974 foi dos ferramenteiros, fizeram operação tartaruga...
Não lembro.

Sabe onde tem isso? Naquele livro do John Humprey? Conhece ele?
O John Humprey? O John Humprey foi meu amigo.

É o livro dele que fala dessa greve de 1973/1974. Não greve, operação tartaruga dos ferramenteiros...
Sei...

O livro chama Fazendo o milagre
Isso mesmo. Até tenho... O Hamprey foi para a Inglaterra, ele que me levou. Ele fez um trabalho na FORD de São Bernardo, ele fez um trabalho com o nosso grupo, particpou de várias atividades com a gente. É um cara muito legal ele, mas isso eu não comentei com ele e nem sei se houve isso, porque o livro dele eu nem lembro se eu li. E é grande o livro...

É grande...
Grande, muita coisa. Mas a gente conversava muito. Agora faz muitos anos que eu nem vejo falar dele. Mas ele está na Inglaterra, eu fiquei na casa dele. Fiquei na casa dele, fui para um encontro das FORDs na Inglaterra e ele morava em Liverpool, aí eu fiquei e de lá, ele que me acompanhou em vários lugares que eu estive lá, inclusive neste seminário que nós tínhamos, das FORDs. Mas aí, quando eu saí da Volks, eu fiquei 3 meses parado e entrei na FORD.  

Direto...
Não, eu procurei emprego por aqui, eu tinha trabalhado na Volkswagen, então eu tentei emprego por aqui...

Aqui em Santo Amaro?
Na região de Santo Amaro, mas aqui era Villares, Carterpillar, era a MWM, era a Metal Leve, Monarkq, mas essas empresas, todas, o meu salário era um pouco maior, que era a minha profissão que era montador. Aí um dia eu fui lá na FORD, um amigo meu falou: "Vai na Ford, na Ford os caras... As vezes, assim, eles não pegam não, mas as vezes dá certo". Aí um dia eu passei, rapaz, eu... Era 10 e pouco [da manhã], eu tinha ido em uma fábrica lá naquela Piratininga, ali na saída da Anchieta, tinha uma fábrica ali, grande, não lembro o nome dela... Fui lá nessa fábrica, sai de lá era umas 10 horas, aí fui a pé até a Ford, a pé pela Anchieta. Aí cheguei lá, o porteiro falou: "É lá embaixo, não sei se está atendendo não, já são quase 11 horas". Aí eu cheguei lá, perguntei para o cara: "Tá pegando?". Ele olhou para mim assim: "O que que você faz? Você já trabalhou onde". "Eu trabalhei na Volkswagen". "Está com a suar carteira [de trabalho]?". Eu falei: "Estou". Ele pegou a minha carteira, falou assim: "Dá um tempinho". Aí ele ligou para a área e tal, aí ele falou assim: "Dá para você voltar aqui amanhã para você fazer um teste?". Falei: "Dá, sem problemas". O nome dele era, nunca esqueço, Antonino. Aí no outro dia cheguei lá cedo, aí ele falou: "Olha, é em tal lugar, assim, assim". Aí eu fui lá na área, cambio também, montagem de câmbio, aí eu fui lá, cheguei lá, o chefe, o feitor era Alberto: "Meu nome é Alberto". Aí eu fiz os testes: "Está aprovado". Rapaz, aí eu entrei na Ford. Nossa...

Isso em 1974...
1974. Outubro de 1974. 14 de outubro de 1974 entrei na Ford. E aí, um horário só, das 7 às 17 da tarde. Nossa, aí... E era só de dia. Porque lá era assim, quem trabalhava à noite era só à noite. Quem trabalhava de dia era só de dia.

Não tinha essa coisa de revezamento de turno...
Não, não tinha revezamento. Nossa, isso aí me ajudou muito, você recuperar a saúde...

Tinham quantos operários?
15 mil na Ford. 15 mil peão. Porque era feito tudo lá, sabe? Eu que montava câmbio, todas as peças do câmbio era feito na usinagem. Todas as peças do motor eram feitas na usinagem, entendeu? Era uma usinagem enorme, muito grande. Fabricava o bloco, carrossel, primeira bobina, era aquela tampinha do tramulador, tudo fabricava ali. Era uma usinagem enorme. e na Ford, eu entrei das 7 às 17, mas também não era... Era, assim, um sistema diferente. Porque que eu falou isso, porque na Ford tinha muita gente que veio da Willis...

Quando se juntaram as duas empresas...
Isso. A Ford era Willis Oberand do Brasil... A Willis, era Willis Oberand do Brasil, a Ford, me parece que comprou, não sei, a Ford entrou no lugar da Willis. Aí ficou Ford, mas com os funcionários da Willis Oberand... Então na Willis eu não sei, mas me falaram que era um sistema de trabalho diferente, tinha mais liberdade, essas coisas. E esses companheiros que ficaram, eles fizeram várias paralisações na ferramentaria em 1974, 1975...

Eu entrevistei um senhor que trabalhou lá, o Joaquim Miranda, não sei se o senhor conhece, foi militante de Osasco... 
Não. Ele deve ter trabalhado na Ford de Osasco...

Não, em São Bernardo... Mas ele saiu em 1975.
1975? Porque em Osasco também tinha Ford...

Não, mas era aqui em São Bernardo. Acho que no comecinho de 1975, a polícia pegou ele, ele era militante, o DOPS pegou ele...
Na Ford?

Na Ford... Alguém dedurou ele, que ele era militante de oposição e tudo... Aí pegaram ele...
E você tem o telefone dele?

Tenho... Hoje ele está trabalhando no Sindicato, esses que trabalha com gás
Consigás, Liquigás...

É, um desses aí... Ele está nesse sindicato em Osasco...
Nossa, eu precisava conhecer ele...

Ele é um dos militantes de 1968 de Osasco, ele militou lá, participou da greve de 1968, na Brás eixo, aí teve a perseguição lá, ele saiu e foi para São Bernardo. Aí ele entrou na Willis aí ela se fundiu, se juntou com a Ford e ele ficou trabalhando lá...
Porque a gente está fazendo vários trabalhos com a questão das pessoas que foram da Ford e que sumiu na época da ditadura...

É... Ele foi torturado e tudo... Eu te passo depois...
Depois eu quero... Então, o que acontece, aí entrei na Ford rapaz, em 1974, você via já diferença, os caras falavam de sindicato, algum peão já conversava com você diferente. Porque antigamente, acabava a questão das fábricas, era futebol e novela, futebol e novela, meu, era difícil você discutir política. Por exemplo, eu lia o Jornal da Tarde, naquela época da guerra, no começo, eu sempre gostei de ler e eu sempre lia o Jornal da Tarde, a guerra do Vietnã, eu era uma pessoa que mesmo não tendo com quem conversar assim, a gente foi indo. Na Volkswagen tinha um companheiro que eu fui padrinho do filho dele. Então a gente era amigo, mesmo fora da fábrica, na Ford, no ônibus, eu conheci uns companheiros também que eu... Pedia para ler o jornal, aí lia o jornal, mas o forte mesmo era a novela e o futebol, o Corinthians, o Palmeiras, aquela loucura, né. E o peão não pensava na questão da organização, porque o sindicato pouco fazia, né... Então, quando eu entrei na Ford, em 1975 não tinha nada, em 1976, em 1977 um companheiro falou: "Vamos no sindicato?". Falei: "Ah, vamos lá, vamos lá". Aí eu fui em 1977 no Sindicato. Até foi o Paraíba quem me convidou, um amigo meu. Aí fomos no Sindicato, tal, e ele começou a falar para mim, falou: "Oh, o meu pai, ele tem umas terras que ele tem lá no Pára, lá". E os fazendeiros queriam tomar as terras do pai dele e tal. Naquela época tinha o INCRA, me parece, INCRA né... E ele me falava muito disso, e a gente gostava de conversar e aí eu gostava muito de ler... E aí ele passou a ler o meu jornal também... Aí começava a gente a falar de tudo...
Mas também tinha... A Ford não era também, assim... Sabe... A Ford era a mesma coisa, na Ford assim: "Sábado, hora extra geral", o cara punha lá no quadro de avisos: "Sábado, hora extra geral". Então, se você não viesse, você também seria advertido. O sistema era quase o mesmo. É que era uma organização americana e a Volks era uma organização alemã. Mas o sistema também era violento. Porque não era aquela coisa que você tem... Você tinha uma certa diferença da Volks...

Você não tinha que fazer hora extra todos os dias? 4 h por dia...
Não, não. Não, não tinha. Era mais no sábado e às vezes no domingo, mas meio de semana não tinha hora extra. Então no sábado e domingo era duro. Às vezes você tinha um casamento para você ir no sábado, você tinha que ir [trabalhar] até meio dia, na Ford... Não... Porque você: "Vai casar uma sobrinha minha", ou "Vai casar um parente meu" e tal, o cara: "Vem até meio dia".

Então a hora extra no sábado era o dia inteiro?
Não... No sábado era o dia todo.

Mas pode fazer hora extra o dia inteiro?
No sábado? Você fazia direto... Todo sábado...

Domingo também, as vezes?
Domingo também.

O dia inteiro?
Até as 16:00. Eu lembro que teve um domingo que ia jogar o Corinthians e o Internacional, eu sempre gostei de futebol, aí, eu falei para o meu chefe: "Eu não vou vir não. Domingo não". Aí ele: "Porque não?", "Eu vou assistir o jogo do Corinthians". Aí ele falou assim: "Pô! Vem até o meio dia". [risos]. Rapaz, você vê... Aí chegou meio dia eu fui embora. Aí o Corinthians perdeu. Em plena segunda feira ele falou: "Valeu a pena você perder?", eu falei: "Valeu, o que não valeu a pena foi ficar aqui até meio dia". Então, você não tinha tempo para você passar com a família, sabe? Não tinha essas coisas. E as coisas foram assim na Ford... Aí chega 1977, conheci esse companheiro meu, aí nós fomos no Sindicato. Aí chegamos no sindicato tinha uma assembleia, mas tinha pouca gente, não tinha muita gente. O Lula já era presidente, o Lula já era o presidente, mais aí a gente foi, ficou meio ressabiado. Aí tinha um companheiro que era da Ford, era diretor do Sindicato, que era o Jan-jão, está até com mal de ausaimer hoje, muito doente. Tinha Jan-jão que era diretor do Sindicato, aí em 1978 teve novas eleições do Sindicato, eu tinha ficado sócio do Sindicato nesse ano. Aí foi eleita a diretoria do Lula e tinha, da Ford, tinha 4 diretores, que era o Jan-jão o Venâncio, o Ratinho e um companheiro da noite, não me lembro o nome dele... Laerte, era o Laerte... Não sei... Era o nome dele..
Então, a noite nós tínhamos 4 diretores, 3 de dia e 1 da noite. E aí a gente já estava um pouco mais, assim, acostumado, sabe? Esse Jan-jão era interessante, ele era um cara muito lento, muito devagar, até, os caras falavam que ele foi multado na [rodovia] Anchieta porque ele estava devagar demais, e era o maior sarro com esse cara, esse companheiro. E aí rapaz, ele estava em uma máquina aqui [aponta uma distância de 2 metros], em vez de ele vir no banheiro dele aqui, ele ia no banheiro, mas era no banheiro lá embaixo: "Ah, deslo, vou conversar lá com os peão". Aí ele chegou em mim e disse: "Você é sócio do Sindicato?", falei: "Rapaz, ainda não". Ele falou assim: "Vamos ficar sócio do Sindicato?". Aí não sei o que aconteceu que alguém chamou ele, ele foi embora. Mas aí tinha um companheiro que era o Venâncio que era diretor do Sindicato, um cara bem... Muito inteligente... Como eu lia o jornal, o Venâncio era um cara que, no P.A onde o Venâncio trabalhava, todo mundo que trabalhava no P.A tinha que ter o Ginásio, todo mundo, para entrar no P.A - Peças e Acessórios, e o Venâncio era um cara que...

O senhor tinha o Ginásio?
Não, não tinha, comecei... Eu fiz, parei... Depois eu tentei fazer o Ginásio mas não consegui, não foi e fiquei nisso mesmo. Aí, o que acontece, o Venâncio, ele ia muito na enfermaria e ele era diretor do Sindicato novo naquela época... Aí eu trabalhava, assim, perto da entrada e ele passava ali... Como ele me viu no Sindicato, ele passou, toda vez que ele passava ali ele passou, toda a vez que ele ia subir ele passava e falava comigo: "E aí?". Eu ficava só esperando: "Rapaz, os caras ficaram de me dar a ficha para eu ficar sócio do Sindicato e não me deu. Você não pega a ficha e me dá?". Fiquei sócio do Sindicato e fiquei muito amigo desse Venâncio que era diretor do Sindicato. E aí a gente já tinha... Eu, por exemplo, comecei, não sei se foi em 1979, que eu lia o jornal O Pasquim, acho que foi em 1979, já existia o Pasquim? Já né... Acho que sim, eu estava no Largo 13, aqui, e não tinha ônibus até o nosso bairro, o ônibus saia do Largo 13. Aí eu estava em uma banca de jornal, tem uma banca no Largo 13 e aí eu pedi o Pasquim, tinha uma charge muito interessante, aí eu comprei o jornal por causa daquela charge e aí levei para fábrica. Aí, sabe, passava de um para outro, de um para outro, até uma hora passou uma do Delfin Neto, eu não esqueço, que o Delfin Neto tinha gastado não sei quanto de margarina por mês, umas coisas assim e aí todo mundo... Sabe? E aí, com o Venâncio, a gente passou a ir mais no Sindicato, formamos um grupo grande de companheiros que iam no sindicato fazer reuniões, discutir os problemas...

Isso em 1978?
Em 1978. Aí veio a primeira greve por causa do Delfin Neto que era Ministro do trabalho em 1974 e de um aumento que a gente não pegou esse aumento. Aí, 34%. Nossa, aí o Sindicato levantou a moral da peãozada. Todo mundo "Pô, e o aumento, o aumento" e assim, o aumento, você não pegava aquilo, a inflação era 100%, 80%, tinha que você pegar 20% de aumento, 30% de aumento, bem mais baixo. E aí veio a primeira greve em 1978.

Então até 1978, na campanha dos 34%, o Sindicato não era presente dentro das fábricas? Em 1974, 1975, 1976...
Não, não, não. Era mais escondido, o Sindicato não tinha presença dentro da fábrica.

Nem na porta da fábrica?
Não, não tinha. Não tinha. O Sindicato não tinha presença mesmo. Aí, quando começou a ter presença foi...

Mas tinha os diretores né?
Tinha, mas aí quando o Sindicato... Na greve de 1978 foi que o Sindicato começou a ir na porta da fábrica, para explicar para a peãozada, eu lembro que eles até tinham um fusquinha           com um auto-falante em cima e o pessoal começou a falar dessa perda de salário de 34%. Foi o que levantou a peãozada. Aí o Sindicato já ficou mais dentro da fábrica, entendeu... O pessoal já começava a discutir o problema daquela perda. Aí foi organizada a greve de 1978... Pouca gente acreditava que ia acontecer aquela greve, sabe...

Nem o Sindicato...
Não dava para acreditar que ia parar. Aí a Scania pára. A Scania parou...

O senhor também foi pego de surpresa pela greve?
Não, até que não, porque eu participava. Eu ia no Sindicato, tinha o Venâncio que eu conhecia muito, tinha o Jan-jão, então eu tinha clareza que ia ter a greve, mas muita gente não acreditava. Meu, e quando...

Mas como o senhor sabia que ia ter greve? Tinha um clima, alguma coisa? Reclamações do pessoal...
Sabe por que, porque assim, a raiva que o pessoal estava... Eu tinha vindo da Volkswagen, entrei na Ford, poxa, e você só... Não é respeitado. Você não pode faltar, doente tem que trabalhar, você esta fodido e tem que ir trabalhar, sabe, o desrespeito era o mesmo. Então, o que acontece, quando você vê que o peão está descontente e surge uma oportunidade dele dar o troco, a greve foi assim, foi uma questão de por para fora aquilo, aquela coisa que estava engasgada. Aí parou a fábrica, mas parou. Porque a fábrica, eram lugares, assim, de 130 decibéis, 140, 110, era: bum! Mas quando você vê aquele silêncio, cara, aquilo é uma coisa que você fica louco: "Puta que pariu, silêncio total dentro da fábrica". Nós trabalhávamos no câmbio com a usinagem do lado e as máquinas tudo paradas, nossa, aquilo é como se faz um gol. Puta merda.

Em que mês foi a paralisação da Ford?
Deixa eu ver...

Porque na Scania foi no dia 12 de maio...
A nossa foi em maio também. A nossa foi dia 13 de maio ou 12 de maio também.

Ou no mesmo dia ou no dia seguinte..
Eu acho que foi no mesmo dia. A Scania foi a primeira a parar, aí a Scania voltou a trabalhar, o Lula foi lá a proposta passou. Na Ford a proposta não passou. Nós não deixamos a proposta passar. A gente queria manter a greve.

Quando o senhor chegou na fábrica, no dia 12 ou 13, a fábrica já estava parada?
Não. Nós paramos...

O senhor estava na turma que parou?
Nós estávamos, entramos de manhã e já entramos parando. E aí ninguém ligou nada. Foi uma vitória, sentir lá... Só que estava ali é que sente... O peão com aquela coragem de não ligar a máquina, aquele... Sabe... Todo mundo de braço cruzado. Aquilo é uma vitória enorme. E aí a Scania voltou a trabalhar, aceitou a proposta. Não sei se era 8%, quanto é que era, não lembro. Aí a Ford não aceita a proposta. [risos]. E a Scania já tinha voltado. Ai vai, e tal e tal, discute, a peãozada já estava mais... Porque a peãozada estava com aquela fome, sabe... Vontade de lutar mesmo, por causa do desrespeito que a empresa tinha com os funcionários, era uma loucura, uma falta de respeito muito grande, sabe... O peão as vezes ele estava mal, não pegava produção porque o chefe não dava, era mandado embora por causa de pouca coisa, sabe... Não era respeitado... Você era mandado embora... Qualquer coisinha você... Dava advertência... E era assim... Você... Quando a gente pára a fábrica, que vem aquela coisa, puta merda, aí a Ford não voltava a trabalhar, aí, o que que o Lula fez... O Lula entrou dentro da Ford e fez uma assembléia por área, ele fez uma assembléia na estamparia, passou a proposta, estamparia e ferramentaria, foi para a funilaria e pintura e passou a proposta, aí a ultima assembleia que ele fez foi com a gente: Montagem de câmbio, motor e usinagem. Aí acabou com a greve. A gente não ficou muito contente não. A gente queria... [risos]. Porque a greve estava gostosa, a peãzada ficava jogando dominó, conversando daqui, outro dali... E a pressão dos caras, eu lembro que desceu um cara...

Então vocês não chegaram a fazer nenhuma assembleia conjunta de vocês? Não chegou a acontecer nenhuma?
Não. Várias assembléias dentro da fábrica e teve uma assembleia da categoria, mas foi pouca gente. A greve o Sindicato decretou e não tinha lá uma assembléia enorme dentro do Sindicato. Era assembleia pequena. Aí decretou a greve, não teve conversa.

Eu digo assim: Não teve assembleia de vocês dentro da Ford nesse dia de paralisação?
Não,  era assembleia da categoria...

Vocês fizeram paralisação, todo mundo ficou parado, aí as únicas assembleias que tiveram foram essas em que o Lula ia de Ala em Ala?
Não, o sindicato acompanhava da porta da fábrica... O Sindicato continuava e a gente parado dentro da fábrica... O Sindicato ia na porta da fábrica com um fusquinha...

Não, eu digo assim: Em Osasco, na greve de 1968, eles pararam e fizeram uma assembleia dentro da fábrica, os operários pararam fizeram a assembleia e o sindicato foi lá...
Não fizemos não.

O que aconteceu na de vocês foi que o Lula foi lá, em cada Ala e fez reunião com a Ala?
Por causa da proposta que já tinha passado na Scania.

Aí foi de Ala em Ala fazendo essa reunião...
Fazendo uma assembléia com as áreas para... Defendendo a proposta.

Mas não chegou a ter uma que juntasse todo mundo da fábrica?
Não, não. Isso existia lá fora, mas muito pouco. Porque o Sindicato não tinha esse costume de ir para a porta da fábrica. Veio pegando esse costume de 1978 para cá quando o Lula de fato assumiu a presidência em 1978. Mas aí, essa greve, de 1978, foi quando o Sindicato criou a Tribuna Metalúrgica, um jornalzinho do Sindicato e foi criado também o símbolo do João Ferrador, o João Ferrador dizendo: "Hoje eu não tô bom!". Sabe, então isso foi mudando a cabeça da peãozada. Aí terminou essa greve de 1978, ditadura ainda...

Conseguiram o reajuste...
Tivemos um reajuste...

Foi vitorioso...
Foi vitorioso, nossa. Aí o peão, né...

E teve demissões em 1978 na Ford?
Não, não. Eu lembro que eles tinham um RH [Recursos Humanos] da Ford lá, um advogado: "Se não voltar a trabalhar eu mando todo mundo embora! Vão ligar as máquinas!", ele ficava falando sozinho no corredor... E a peãozada todo mundo assim, olhando para a cara dele [e imitando ele]: "Liga as máquinas, eu tô mandando". Nossa, o peão, rapaz... É uma coisa assim que fala: "Caramba! Como é que pode né?". E aí, a gente pegou moral. Você termina com uma greve, o Lula fazendo assembléia, a gente votou. A Scania voltou antes da gente, eles tinha começado a greve, e nós bancamos a greve, puts, o peão se orgulhava disso né. E aí já tinha... O Sindicato já se manteve na porta da fábrica, já organizando para o ano seguinte. Aí veio 1979, 1979...

Em 1978 o senhor morava aqui em Santo Amaro?
Morava aqui...

E aqui também teve muita mobilização nas fábricas? O senhor via?
Tinha viu, tinha... Eu não lembro se... Eu não lembro muito bem de 1978. Em 1979 eu sei que houve.

Porque o pessoal fala que em 1978, depois das greves do ABC, aqui também em Santo Amaro, nas Nações Unidas, teve muita paralisação aqui...
Ah, teve, teve. Manifestação, teve, teve. Manifestação, mas não por parte do Sindicato. Os trabalhadores e as comissões. O Sindicato nunca foi do lado dos trabalhadores aqui... Então a gente se preparou para 1979...

Em 1978 teve uma greve geral metalúrgica de São Paulo, não teve?
1978? Não. Em 1978 não.

É. Eles chegaram a votar greve lá, uma greve geral.
Não. Não, em 1978 não. O Sindicato? Não, que isso... Em 1978?

Tem foto, documento e tudo... 
1978, greve geral do Sindicato na categoria?

É, em São Paulo.
Eu nunca ouvi falar nisso.

É verdade... E te mostro depois...
Nossa. eu não lembro disso...

No Cine Piratininga eles votaram
Do Sindicato? Da diretoria?

Do Sindicato. O Sindicato foi obrigado a aprovar. Aprovou e no outro dia ele fez a negociação e acabou com a greve, mas fez.
Não lembro... Não lembro. Só sei que a gente já começou a trabalhar, aí já tinha a tribuna, o peão estava mais afoito, mais corajoso, mais respeitado, mas mesmo assim a repressão da empresa continuava, a empresa... Porque ela viu que ela começou a perder força né, mas aí que a empresa endurece mesmo para valer. Mas em 1979, quando a gente parou as fábricas, nossa, aí, foi fora da fábrica, aí foi coisa de louco. E aí a gente parou já com mais organização, com mais vontade porque a gente tinha feito uma greve, a gente estava mais disposto a ir pro pau meso, e aí foi 17 dias de greve se eu não me engano, 17 ou 19 dias de greve. [Foram 15 dias de greve].

E não tinha comissão clandestina ou grupo de fábrica dentro da Ford?
A gente tinha um grupo de companheiros que se reuniam, porque tinha o Venâncio, o Ratinho e o Jan-Jão. Então a gente discutia muita coisa no Sindicato, mas não era um grupo assim de fábrica que conhecido dentro da empresa não, era de uma certa forma bem... Você para chamar um cara para uma reunião você sabia: "Olha, você quer participar de uma reunião", era bem escondido, sabe...

Era um grupo pequeno, só vocês três?
Não, tinha mais gente. Tinha mais...

Aí vocês iam chamando as pessoas?
Mas aí, que fazia isso era o Venâncio, que era o diretor do Sindicato, mas a gente, nas seções, convidada um ou dois que pudesse ir, mas bem sigiloso, porque não podia a gente trabalhar, era demissão na certa, não tinha como. Aí veio 1979, a gente parou a categoria. Era uma categoria, aí sim... Aí foi o primeiro embate, foi legal mesmo. E foi aí, começou as assembleias na Vila Euclides. Aí você chamava o pessoal para ir para a assembleia, a gente consegui lá, 100.000 na Vila Euclides, e aí o Lula cresceu muito né, de 1978 para 1979 o Lula cresceu demais, a diretoria, o Sindicato, eles pegaram força na categoria.. O Sindicato passou a ser um Sindicato conhecido a nível de Brasil, né. Aí as coisas mudaram. O Sindicato... E aí, essa greve foi terminada no Vila Euclides. Teve o afastamento da diretoria do Sindicato e 1979. Houve intervenção do Ministério do Trabalho, que na época atuava muito forte na... Lembro que era o Murilo Macedo o Ministro do Trabalho... E o presidente era o Figueiredo, era uma época bem brava mesmo. E aí teve o afastamento da diretoria do Sindicato, não chegou a prender, mas afastou a diretoria do Sindicato. Aí eu lembro que na assembléia da Vila Euclides, eu mesmo votei contra terminar com a greve. Nós votamos contrários.

Foi a trégua de 45 dias...
A trégua. Nós éramos contra. Muita gente era contra...

Muita gente era contra?
Muita gente era contra, e o Lula defendeu e passou a proposta e nossa...

Mas, por exemplo, o senhor que era contra terminar a greve, não podia ir lá no microfone e fazer uma fala defendendo a continuidade
Não, só o Sindicato podia falar, né...

E tinham correntes políticas nesse período, fazendo trabalho?
Tinha PCdoB na época, eu lembro que tinha o PCdoB...

Tinha trotskistas?
Rapaz, devia ter, mas era bem, bem... Tinha MR8, o Alemão... Tinha MR8, tinha PCdoB, não sei se a Convergência já existia naquela época... Eu lembro que tinha um outro...

Tinha a AP...
Ah, tinha, mas você não sabia quem era da AP não. A Ação Popular, mas tinha... Tinha mas a gente não sabia. Eu mesmo não conhecia ninguém da AP. Pode ser que eu conheci né, participamos juntos, mas não se identificava. Então... Quem falava na Diretoria do Sindicato, era a diretoria, o Lula e o Djalma Bom que falavam, não sei se o Osmarzinho e o Alemão falaram em 1979...

O Alemão fez a fala. Ele fala que tem que aprovar a trégua para recuperar o Sindicato...
Não, ele tinha um discurso... Um puta de um discurso ele tinha.

Ele estava no PCdoB?
Não, ele estava no MR8. E aí foi criado, nesse processo de 1979 para 1980 criou-se a comissão de salários, a comissão de mobilização e participavam já vários companheiros, mas nisso você não tinha mais o Sindicato, porque a diretoria estava afastada. Aí foi alugada uma casa quase que no centro de São Bernardo mesmo, perto da cooperativa da Volks, aí a Tribuna fortaleceu mais ainda, a Tribuna Metalúrgica dentro da fábrica. Todo dia tinha Tribuna, Tribuna, Tribuna. E a diretoria afastada, mas continuou nas portas das fábricas, toda a diretoria, estava tudo na porta da fábrica. Mesmo afastados os companheiros continuaram e aí veio trabalhando, trabalhando, veio novembro, o Ministério do Trabalho entregou o Sindicato para a diretoria, devolveu o Sindicato para a diretoria, devolveu o Sindicato... O que aconteceu... Aí, a diretoria, foi chamada uma assembleia da categoria, eu lembro como hoje, foram vários companheiros da Ford nessa assembleia, aí, chegou lá o Lula colocou em votação se a gente queria que continuasse ou não.

Deixa eu te perguntar uma coisa antes. Porque que o senhor foi contra terminar a greve?
Ah, porque naquele, aquela coisa de você estar com a greve forte, sabe, você vendo só parar. Porque o negócio da greve, é gostoso demais rapaz e você não estava nem aí. Você vê a peãozada, aquela Vila Euclides com 100.000 peão, pô, sabe, aquele monte de gente igual a eu, mas muita gente contra. Porque, a gente queria continuar com a greve porque a gente estava com a garra né, aí o Lula colocou algumas coisas e tal, a gente não entendia... Eu, por exemplo, eu não entendia. Eu entendia que a greve tinha que continuar para conquistar um acordo melhor. Isso era o que a gente pensava. Então continuava para melhorar a proposta.

E vocês sabiam que as empresas estavam ganhando muito dinheiro...
Isso. E a inflação estava muito alta. Você pegava um aumenta que na verdade não era nem um aumento. Era uma coisa muito pouca. Isso que incentivava o pessoal porque era difícil. Isso a gente numa montadora, e o companheiro que trabalhava em uma empresa pequena? Autopeças e tal que é outra... Era triste...
E aí, chegou 1979, teve assembleia no Sindicato, novembro, o Lula pediu um voto de confiança, todo mundo levantou a mão... Tinha uns 300 peão, todo mundo levantou a mão, deu voto de confiança na diretoria...

O Lula chorou...
Chorou... [risos]. O Lula é experto. [risos]. É... Ele é... Rapaz, o bicho é uma fera. [risos]. Ele chorava e fazia você chorar também, cabeça. [risos]. Aí rapaz, não sei se foi nessa assembléia que ele falou que nós tínhamos que ter um partido político. Eu acho que foi em 1979, ou foi em 1980?

Foi em 1979.
Porque nessa assembleia, acho que ele falou assim: "Nós temos que ter um partido político". Como ele metia o pau nos partidos políticos na Vila Euclides, o pessoal: "Oh, oh, oh" [tom de vaia]. Aí: "Pô, mete o pau nos partidos políticos e vem com esse de criar um partido político?", né. Aí ele falou assim: "Quero dizer pra vocês uma coisa, vocês tem que entender, o movimento sindical não muda uma sociedade, o que muda uma sociedade é o partido político. Então nós temos que ter trabalhador no Congresso para defender as nossas propostas, porque tudo passa pelo Congresso, não a gente ficar esperando que outros parlamentares que não tem nada a ver com os trabalhadores defender propostas ou ir contra as nossas propostas nos Congresso. Então nós temos que ter um partido da nossa classe, para a classe trabalhadora, para no congresso a gente defender as nossas propostas".
Ele falou muito bem, aí todo mundo, sabe... E aquilo mexe, quando ele fala: "Sindicato não muda uma sociedade, o que muda a sociedade é o partido político", já... Sabe... Muita gente vai falar depois: "Um sindicato, ele briga para uma categoria e um partido representa todo mundo, é isso que eu quero que vocês entendam". E aí você começa a entender e falar: "É verdade, é só metalúrgico, tem o Sindicato dos Químicos...". E ele falava muito sobre a questão de não ter autonomia e liberdade sindical. Não tinha autonomia e liberdade sindical. Tudo era proibido, greve era proibido, manifestação, tudo era proibido. E a gente estava quebrando aos poucos... Então, quando ele colocou essa questão, que era um avanço para a gente e tal: "E vamos se preparar para 1980". Puta, aí...

Como era viver sob a ditadura na década de 1970?
É aquilo que eu falei, você não podia falar política, você não podia falar nada, você, dentro da fábrica, fora da fábrica, você não tinha liberdade. Porque você tinha medo. Aqueles companheiros que eram da esquerda, que você via colado nas paredes, "os terroristas", né, aquilo assustava. Todo mundo ficava assustado, porque, poxa! E isso muita gente achava que era terrorista mesmo, que os caras eram bandidos mesmo, porque assaltava banco e matava e morria tudo, ninguém... Eu, por exemplo, não entendia muito, sabe, ficava: "Mas o que que está acontecendo?". Você não tinha liberdade para fazer nada, não tinha uma manifestação, não tinha um partido político que você podia defender, que você podia discutir, não tinha nada disso. Então eu acho que a importância dessas lutas foi quando o peão passa a entender, disse: "Olha, tudo é político", né, não importa, e o Lula colocava isso, você faz política até dentro da sua casa. E aí você começava a pensar, porra.

Dentro das greves de 1978, 1979 discutia-se a luta contra a ditadura, acabar com a ditadura?
Não, o peão, assim, queria desafiar: "É proibido fazer greve? Pára!", Manifestação... Então, o peão começou a entender a questão da ditadura foi de 1979, que ele começo a ver que... Quando afastou a diretoria, pô, isso... Aí mexe né, porque os cara fala: "Porra, como é que pode?". Ai, eu acho que em 1979 começou a discussão sobre a ditadura, que foi aberta, me parece que foi quando houve a anistia [de 1979], aí isso fez com que a peãozada fosse entendendo né, o sistema da ditadura, do capitalismo, essa coisa toda. E aí, não era só o nosso Sindicato, porque aí tinha vários outros companheiros, de outros sindicatos, de oposições, começou a falar, já começou também a querer fazer luta, e esse sindicato, outro sindicato, não tinha sindicato e participava com a gente, Sindicato de Santa Bárbara d'Oeste, Sindicato de Monlevade que era de Minas, a Oposição Metalúrgica de Campinas, oposição metalúrgica de São Paulo, tinha... Aí as coisas começam a crescer...

Aí entra em pauta a luta contra a ditadura?
Aí começa, aí aparece. Aparece a questão de que você vive num regime que você não tem liberdade, e a questão da autonomia e liberdade sindical, porque é proibido fazer greve, você faz uma greve, que é proibida, e o peão está desafiando, e o Sindicato, a ditadura. Aí que o pessoal começa ter essa clareza da ditadura. E aí as muitas besteira que aquele João Figueiredo falou também, e, foi interessante, porque o João Figueiredo tomou posse em 1980, não foi? E ele tomava posse no dia 15, ou no dia 12, nós paramos São Bernardo no dia, acho que foi no dia 12 e ele tomava posse no dia 15. E aí nós trabalhamos essa greve geral da categoria em 1980, foi... A peãozada estava tudo já... Discutia tudo autonomia, discutia ditadura, discutia tudo. E aí botamos várias pessoas de fora, inclusive nós fizemos até... Das palestras que nós fizemos, conversando com algumas pessoas e tal. E dentro da fábrica também o clima pegou, porque nisso já tinha a Tribuna Metalúrgica, você tinha peão que estava... Saia muita coisa das greves, porque aí a imprensa publicava, em todos os jornais, em todos os jornais saia lá o pessoal na Vila Euclides, aquela coisa. E aquilo, querendo ou não, incentiva o peão né. Chega à noite Jornal Nacional, greve, São Bernardo, começa aquela coisa toda né. E isso né, o peão está vendo lá, a repercussão que está dando a greve, a repercussão que está dando o movimento. E é pra mudar, para mudar mesmo.

O senhor chegou a participar da comissão de salários, comissão de mobilização?
Participei da comissão de mobilização.

Em 1979 ou 1980?
Em 1979 começou, até 1980.

Como funcionava a comissão de mobilização?
A comissão de mobilização era o seguinte, como é que estava a greve, por exemplo, uma reunião do sindicato, tinha lá 300, 400 companheiros da categoria, montadora, autopeças, aí a gente discutia como ia organizar a greve de 1980. Aquele grupo, com a diretoria, discutia a greve de 1980 e a gente fazia o debate, aí votava: "Vamos fazer assim, vamos fazer assado, fora da fábrica, dentro da fábrica, vamos, como é que nós paramos?". Foi em 1980, a gente parou a fábrica a meia noite, ficamos todo mundo... Eu mesmo fiquei no Sindicato, e a gente: "Será que vai parar? Meia noite a peãozada vai parar?". E a proposta era parar e vir para o Sindicato. Puta merda, quando a gente estava, assim, no Sindicato, chegava noticia: "A Ford parou", "Scania parou", aí chegava aquelas notícias, e os trabalhadores vinham para o Sindicato, chegando pela Anchieta... Você, lá de cima do prédio do Sindicato você via a Anchieta, aquele monte de carro vindo assim. Sabe, aquilo... Nossa aquilo, foi assim, rapaz, você chegava a arrepiar... De novo, nossa, eu... A gente veio embora, greve da categoria, no dia seguinte o sindicato na porta de fábrica, aquela coisa toda. Meu, aí eu vou te contar, foi tudo.
E eu lembro que o Lula, ele foi muito esperto, eu lembro que ele falou assim na assembléia, uma das primeiras assembléias: "No ano passado vocês falaram que a diretoria abriu as pernas, eu quero ver esse ano que vai abrir as pernas, se é a diretoria ou se é vocês". Olha... Sabe... [risos]. E isso mexe com o peão. Pro pau até com a lei... Eu não estava nem aí não. E ai meu, foi 1980, foi uma das greves assim mais forte, mais gostosa. E aí todo mundo para São Bernardo e a greve... Prendem a diretoria do Sindicato, os caras continuam em greve, morre a mãe do Lula, o Lula vem no enterro da mãe e volta para a cadeia de novo... Puta, isso vai mexendo, vai mexendo. E é claro que, com a diretoria do Sindicato presa, com as empresas demitindo, a imprensa toda...

Em 1979 tiveram demissões na Ford?
Teve, teve demissões, mas na Ford eu não lembro se teve. Lá não tinha aquelas demissões em massa, sabe... Pegava de uma seção, de outra seção e assim, mandava embora. Demissão tinha direto. Com a greve teve bastante demissão, porque naquela época das greves de 1979, 1980 tinha muita rotatividade, sabe. As empresas mandavam embora para pegar um funcionário com um salário mais baixo. Então existia, assim, muita rotatividade, uma das lutas nossas foi por isso, contra a rotatividade, pelo emprego, e foi uma luta da gente nessa luta que a gente veio. Porque não pensavam duas vezes para mandar embora, mandava embora e pegava outro com salário mais baixo, e era assim que funcionava. Então, em 1980 a gente, numa greve, ninguém se importava se fosse demitido ou não, ninguém estava nem aí. Juntava aquela coisa, de tudo, porque eles já tinham uma noção do que era a ditadura, já tinha uma noção de que, da liberdade e autonomia sindical, já tinha uma noção de que: "pô fazer greve dá cadeia". Aí prende o Lula, prende a diretoria, meu, aí que você fica mais, mais raivoso né. Porque, poxa, são os representantes da gente, e é preso. Porque que é preso? Eles não mataram, não roubaram, o que que fez de errado? E isso revolta mais a peãozada ainda. Foi onde a greve continuou. Aí no 1º de maio de 1980 foi um 1º de maio assim... Foi nessa época que a gente criou.. Em 1979 nós criamos o fundo de greve, o fundo de greve foi, assim, era uma espécie de um sindicato paralelo, sabe. Onde você tinha a Tribuna Metalúrgica, que não era rodada no Sindicato por causa do afastamento, o pessoal todo, teve ajuda... Nós tivemos apoio da sociedade, teve apoio das categorias, de todas as categorias. Também... Foi criado em 1979. Em 1980, por exemplo, o Fundo de Greve já estava forte, quando cassou a diretoria, aí nós já tínhamos já... Porque a greve já tinha passado já mais de 15 dias e o pessoal não tinha recebido, o adiantamento, o pagamento. E aí, o que acontece... O peão começa a fraquejar. E aí que veio o Fundo de Greve e a gente teve apoio de toda a sociedade. O pessoal montava um fundo de greve la no Candaíba, montava aqui na Zona Sul, montava na Zona Oeste, montava, e no interior de São Paulo. Então, a mulheres daqui, em Santo Amaro mesmo, as mulheres chegavam a pedir nas casas, comida, alimentos para o pessoal de São Bernardo. E aqui nessa Igreja do Socorro, aí tinha um comitê do Aurélio Peres na época, na época era do PCdoB, não era comitê dele, ele participava aqui, o pessoal do PCdoB, que era o Aurélio, a Conceição e vários companheiros participavam nessa Igreja aqui. E aí tinha um... Onde você trazia, que a Igreja pedia pra... Alimentos. Então a gente, assim, por exemplo, quem não precisava, igual... Eu não precisava porque minha mulher trabalhava na época e a gente não pegava porque não estava necessitando, era para os caras que estavam necessitando mesmo. Mas aí você não tinha dinheiro para ir para a assembleia porque estava duro, não tinha pagamento. E era interessante porque quando a gente vinha de são Bernardo para cá o motorista tinha conhecido a gente e ele falava: "Não, entra pela porta da frente" e a gente, tudo isso a gente ganhou, porque a solidariedade das categorias, o avanço de tudo isso.
Ah, eu não falei, mas em 1979 teve a morte do Santo Dias, que também, foi uma morte onde, a Igreja praticamente foi onde criou uma força muito grande na questão da nossa luta. E em São Bernardo do Campo nós tivemos o apoio do Bispo chamado Dom Cláudio Hummes, que foi ele que abriu a porta da Igreja para a gente, abriu a Igreja para a gente.

Para fazer assembleias
Isso, para fazer assembleia, tudo, porque a gente estava proibido de fazer assembleia na Vila Euclides. Na Vila Euclides só polícia, cercou todinho. E aqueles helicópteros por cima e bomba em cima da gente, cavalaria, era uma guerra, São Bernardo era uma guerra, foi uma coisa assim, de louco. Mas o peão, ele estava, de uma certa forma, consciente. Estava disposto a continuar com o movimento, quando prende o Lula, quando morre a mãe do Lula. Aí, porque, assim, foi surgindo companheiros que foram falar no microfone, foi surgindo o Nelson Companholo, foi surgindo o Rubão que não estava preso. Outros companheiros que não foram presos foram assumindo, e o Batista que foi da comissão de mobilização, que era do PCdoB inclusive esse batista, ele também falava na assembleia. E aí, vinha também sindicalistas de fora que falavam também em apoio à nossa categoria. E isso foi... A greve continuou, e quando a gente viu que estava 41 dias em greve... Que estava difícil, não estava mais fácil para você segurar. A greve terminou na Matriz de São Bernardo com umas 15.000 pessoas. Mas o 1º de maio de 1980, foi um primeiro de maio que ninguém esquece, sabe. Porque a polícia tinha cercado a Igreja com corda. Então você não podia ficar na Praça, a corda você não podia passar. E a polícia, aquele batalhão de polícia. Eu lembro que tinha um Senador, Teotônio Vilela, ele esteve nas nossas lutas em São Bernardo, e o povo estava disposto a invadir a Praça, foi quando eu lembro que ele conversou...

Eles cercaram a Praça para não aglomerar gente?
Para nós não fazermos a assembléia na Praça, em frente a Igreja. Polícia, corda, polícia...

Vocês ficaram para trás da corda?
Isso. Então aí foi juntando gente. Porque foi chegando gente...

O foi cercando eles?
Isso. [gente] Do Estado todo. Aí o pessoal falou: "Oh, vai sair morte aqui". Porque você não conseguia segurar a peãozada. Aí já não tinha aquela liderança para segurar, ali, meu, era o povo. E aí, eu lembro que o coronel chamava-se Arnaldo Braga, da polícia, um alemão estúpido pra caramba, e foi aí que, a gente estava naquela aglomeração para invadir a Praça na frente da Igreja, e aí, daí apouco os caras começaram a tirar a corda e ir embora. Puts, mais uma vitória pra gente. A peãozada: "Aeee". A gente cantava aquela música do Vandré, Caminhando e cantando, sabe... Nossa. Teve uma passeata das mulheres, que teve 4.000 mulheres na passeata, quando os companheiros estavam presos, saiu da Igreja Matriz e foi até o Paço Municipal.

Isso em 1980...
Em 1980, e o nosso hino era Caminhando e cantando, só isso. Nossa, tinha coisa assim, que mexia sabe, até com os próprios PMs, você via que mexia com eles, mas os caras tinham que cumprir o papel deles. E aí essa greve de 1980 foi onde vários caminhões de alimentos que vinham para São Bernardo era parado nas estradas para não vir até aqui. Vários ônibus que foi, que vinha para São Bernardo no 1º de maio foi parado nas estradas para não vir. Sabe, essa coisa toda né, foi uma coisa assim, de louco. E no primeiro de maio foi onde a gente, quando o Lula voltou, aí ficou a intervenção no Sindicato e mesmo assim a diretoria ficou no fundo de greve, na porta da fábrica, discutindo com os trabalhadores, era luta, luta, luta e até 1981. Quando foi 1981 foi... Mas ai já tinha... Acabou a greve, foi criado o PT, acabou a greve e aí já...

E esse clima de derrubar a ditadura foi se fortalecendo?
Foi só crescendo, claro. Foi só crescendo. Aí você cria um partido político contra o sistema, um partido contra o sistema, um partido que vem dos trabalhadores, com uma liderança como o Lula. Então isso foi assim, mais um ponto, porque, por exemplo, aqui em São Paulo você não tinha um sindicato, mas tinha uma oposição, quando você cria um partido político, aí o primeiro diretório do PT na capital foi aqui em Santo Amaro, do lado de Bonneville, hoje é Lago São Sebastião depois de Bonneville, nós tínhamos uma deputada que era, que esteve com a gente na luta da década de 1979 e 1980 que era a Irma Passoni, morava aqui na região. O Aurélio Perez era do PCdoB, Deputado Federal. E foi através da Irma Passoni... Tinha Airton Soares, deputado federal, Marco Aurélio Ribeiro, deputado estadual, todos estiveram na nossa luta, vários Padres. Aí quando se cria o PT a gente cria um diretório aqui em Santo Amaro, e o PT, aqueles companheiros que queriam participar, iam participar do PT, então era uma forma de você...

Em relação às correntes, os partidos, se discutia luta pelo socialismo?
Olha, discutia. Correntes que discutiam a questão do socialismo...

E os operários?
Nós também falávamos do socialismo, porque tinha uma outra visão né... Não era forte a discussão do socialismo. Você não tinha um partido político, você não tinha um partido, você tinha o MDB e o ARENA, então você não tinha um partido para você discutir política partidária. Você discutia mais a questão de greve, movimento sindical, essas coisas. Depois que veio o PT é que veio as correntes para dentro do PT e pregando o socialismo... E as correntes foram, de uma certa forma assim, porque já não era só operário, tinham os companheiros que eram estudantes, professores, que tem uma proposta de discutir o socialismo e tal. Mas aí já tinha o PT, 1981, a luta para filiar as pessoas ao PT dentro da fábrica, fora da fábrica, criar núcleos do PT nas regiões.

Mas qual era o significado de construir o PT?
A questão de construir o PT era para você mudar o país, era mudar o país. Porque o sistema que a gente vivia era um sistema ditador, onde você não tinha liberdade, e com o partido político você discutia política. Não era só política sindical, não eram só questões... Discutia a questão nacional, não era uma questão de estado, de São Bernardo, era uma questão nacional, discutia tudo. E a questão do PT foi muito importante porque em mil novecentos e oitenta e... Aí passou 1981, 1980, 1981, aí a gente pegou o Sindicato de volta. Aí foi montada uma chapa para concorrer as eleições, criou-se uma junta governativa, uma junta que, para essa junta, foi negociado, porque eu não sei se ninguém queria vir para São Bernardo ser interventor, mas aí, tinha um interventor, depois para fazer as eleições teve uma junta aí e essa junta foi através de um companheiro que tinha sido presidente do Sindicato em 1968, que era o Afonso Monteiro da Cruz, um companheiro que foi preso, torturado, tem uma história e ele foi o coordenador dessa junta. Aí foi o Afonso, o Toninho, e esse Toninho, ele foi da junta também, porque esse companheiro, ele foi eleito operário padrão, era da Brastemp, não sei se você ouviu falar isso...

Não... Mas eu vi o filme O homem que virou suco... Que é a história de um operário que vira operário padrão e depois mata o patrão e enlouquece...
Mas aí, o operário padrão, o Toninho, quando ele vai para a junta , todo mundo já fala "Aquele filho da puta"... [...]. Então, quando em 1981, porque aí o Afonso abre o Sindicato para os trabalhadores, porque o Afonso abriu o Sindicato, aí, organizar a chapa de oposição, não, a chapa da diretoria do Sindicato. Mas aí tem um racha, a diretoria do Lula, o Alemão e o Osmarzinho montam outra chapa...

O Alemão e o Osmarzinho? Os dois do MR8?
Não, o Osmarzinho não era do MR8, o Alemão era do MR8, teve vários companheiros também que era do PCdoB, teve muitos que não entrou na chapa, mas teve alguém que entrou, não sei. Vários companheiros que estavam na época, que eram ligados à diretoria, aí foi montada uma chapa: O Alemão, Osmarzinho, o presidente e secretário geral Luis, montou-se uma chapa contra a chapa do Lula. Na chapa do Lula quem encabeçava era o Jair Menegueli, que era um companheiro da Ford, da ferramentaria. E nessa eleição eu fui para a diretoria do Sindicato, da Ford era o Jair Menegueli, o Jan-Jão, o Bagaço e eu. A gente foi para a diretoria do Sindicato em 1981.

Conseguiram vencer a chapa do Alemão...
Foi noventa e tantos por cento, 97%, foi... Houve assim, uma guerra, boletim em porta de fábrica, falando... Mas a nossa palavra de ordem era "A luta continua", "A luta continua", o Djalma Bom era um cara que nos ajudou... Nossa, o Djalma era.. Era porta de fábrica, era uma guerra, mas nós, não tinha conversa não.

O Djalma estava nessa chapa?
Não, o Djalma tinha sido cassado...

Ele estava só no apoio...
É, e ele foi o companheiro que organizou a chapa da diretoria de 1981. Porque o Lula foi correr o país em relação ao PT, o Djalma ficou para organizar a chapa da diretoria. E mesmo, quando fui conversar com o Djalma, ele perguntou: "A gente gostaria que você viesse", ele falava para mim assim: "É perigoso, você pode perder o emprego, pode ser preso, pode ter problema com a sua família. Então você tem 15 dias para dar o retorno, conversa com a sua mulher". Foi assim com todo mundo, e aí a gente montou uma chapa em 1981com o Jair Menegueli encabeçando a chapa. Nesse processo da nossa chapa, a Ford mandou 400 companheiros embora, foi, em 1981. A gente estava em processo eleitoral, como a nossa chapa já estava registrada, não podia demitir nem eu, nem o Jair e nem o Bagaço.

Vocês três estavam na lista para serem demitidos?
Não, não estava. A gente estava na chapa, registrou a chapa, a gente podia fazer trabalho abertamente, só que a fábrica não aceitava diretor do sindicato dentro da fábrica, não aceitava de jeito nenhum. Foi aí que nós paramos a fábrica. Paramos a fábrica e o Menegueli, como encabeçador da chapa foi o companheiro que era o candidato a presidência do Sindicato... E foi uma greve onde a gente parou pela reintegração dos companheiros. Não conseguimos a reintegração, não conseguimos, aí surgiu a proposta desse negócio de pacote, sabe, dá 3 meses a mais, plano médico, não sei quanto a mais, 2 meses de salário. E nós terminamos com essa greve mas não conseguimos a readmissão...

Quanto tempo durou?
Rapaz, eu não seu se foi 8 dias, não lembro, acho que foi 8 dias. Foi em 1981 quando a gente estava na chapa, foi no mês de julho se eu não me engano, essa greve, julho de 1981. Acho que foi julho de 1981 ou no começo de agosto.

Nesse período, 1978-1980, estavam acontecendo muitas mobilizações em São Paulo, vocês tinham relação com a oposição de São Paulo?
Olha, eu, eu na verdade não tinha, eu tinha assim, relação porque aí eu já participava do PT...

O senhor não conhecia o Jorge Preto?
Não. Ele militava aqui em São Paulo e eu militava em São Bernardo. Eu conheci o Chico Gordo, que aí, o Chico... 

Ele era da Convergência?
Não, o Chico foi da DS [Democracia Socialista], mas na época eu não sei se ele era da DS, o pessoal fala que ele não era, mas um pessoal fala que ele era. Aí eu conheci o Chico Gordo, porque a gente criou o, fundou o diretório do PT aí tinham companheiros da DS, a Samira, a Silmara era do trabalho, tinha a LIBELU na época também, aí a gente conhecia as companheiras através do PT. Eu comecei a conhecer a Oposição foi numa greve que houve, um arrastão, não sei que greve que foi, mas através do PT a gente conhecia o Ronaldo, que era um companheiro que foi para Brasília, não sei para onde que anda hoje, conheci o Vital Nolasco que era do PCdoB e que tinha um comitê aqui em Santo Amaro... Mas o cara que eu conheci mesmo foi o Chico, dentro do PT. Aí o Chico foi um dos companheiros forte da Oposição. Mas a minha luta mesmo era em São Bernardo. Foi quando, nesse processo que a gente ganha o Sindicato, aí vem, além do PT vem a eleição de 1982 que o Lula é candidato ao Governo do Estado de São Paulo, e o Lula teve 1 milhão de meio de votos. Mas a gente cai na ilusão né, comício, o Lula vinha prá cá, ia para lá, a gente ia atrás. Eu lembro que uma vez aqui em Santo Amaro, o Lula começou a fazer um comício lá na Pedreira, aí passamos pela Dutra, Grajaú, Vaz de Lima, fomos terminar as 10 horas lá na Biquina, lá na Zona Oeste, lá no fim do mundo às 10 horas da noite, aí ele falava assim: "Pô, foi bom né, puta, foi bom né!". Todo comício tinha umas 2.000 pessoas, "pô, quanto comício", aí terminamos esse ultimo que nós fizemos, aí o Olavo falou assim: "Nós também precisamos fazer o seguinte, porque a gente fala que tem tanto, mas todo o pessoal que começou a acompanhar o primeiro comício, a grande maioria está aqui ainda". [risos]. Aquele tesão de fazer o partido e a gente... Elegemos naquela época 7 deputados, o Djalma Bom, Não sei se foi o Gush, não sei, acho que não foi o Gush, foi o Djalma Bom, Genuíno, Não sei se a Bete Mendes, Airton Soares, Irma Passoni, acho que a Irma elegemos também. Sei que elegemos 7 deputados, nossa, foi uma vitória.

Deixa eu perguntar outra coisa antes, sobre a divergência entre o pessoal do ABC e da Oposição em relação as comissões de fábrica... Em relação a Comissão de Fábrica o Delegado Sindical. O senhor chegou a acompanhar essa discussão?
Não, veja bem, em São Bernardo na época da nossa discussão, a gente, para nós o diretor do sindicato como o Ratinho e o Venâncio, que eram delegados sindicais, a briga era pelo delegado sindical, sabe. Não era para, não tinha outro nome, era delegado sindical, então aquele cara do Sindicato era delegado sindical, só que a empresa não aceitava, nem como diretor do sindicato e nem como delegado sindical, não existia isso.

O delegado sindical era indicativo pelo sindicato ou pela eleição?
Ele fazia parte da diretoria do sindicato. Ele fazia parte da diretoria, o ratinho era diretor do Sindicato na época do Lula. O Venâncio era diretor do Sindicato na época do Lula. Só que pra gente, eles eram diretores do sindicato, mas a luta do Sindicato era pelo delegado sindical. Que seria um delegado sindical como ele, dentro da fábrica. Mas a empresa não aceitava. Por isso que quanto teve as greves mandou o ratinho embora, mandou o Venâncio embora, mandou o Luis Antônio embora, mandou todo mundo. E não se falava em comissões de fábrica em São Bernardo, não se falava. Não tinha o debate sobre a comissão de fábrica, tinha o debate sobre o delegado sindical. Foi quando a gente parou essa fábrica [da Ford] que a gente, estava em um processo eleitoral, que em uma conversa com a diretoria do Lula, não sei se foi o Lula que falou, porque a gente não lutava, porque a gente sabia que nuca conquistava a readmissão dos companheiros, por que a gente não brigava por uma comissão de fábrica, né. E aí foi aonde houve a primeira passeata dentro das fábricas. A gente organizava lá embaixo no P.A, vim subindo para a fábrica, aí sai pela funilaria, a estamparia, que era num prédio só, a usinagem. E o pessoal do P.A vir subindo a gente pega eles em uma rua e fomos pra frente do RH, RH, Relações Trabalhistas... O P.A era Peças e Acessórios, aonde era a Ala do Venâncio, uma área muito bem organizada por sinal, pessoal muito consciente.
E ai o Venâncio já não estava mais dentro da fábrica, mas aí os companheiros saiam e vinham todo mundo, se reuniam, e aí, o pessoal da funilaria, da pintura, da montagem saia todo mundo e acompanhava, nós íamos lá para frente do Relações Trabalhistas, ficava lá, palavra de ordem, gritava... E aí veio a questão da comissão de fábrica. Então, o que acontece, já não estava mais a questão da readmissão que a gente sabia que não conquistava, então era a comissão de fábrica: "Queremos conversar com a empresa" e não tinha, a empresa não aceitava. Mas aí, a peãozada fazia aquela pressão para entrar e para invadir o RH, e a empresa ficava lá em cima, assim, olhando em baixo, a hierarquia era uma coisa de louco. Eu até falo né, aí, dava 11 horas a peãzada, era hora do almoço, começava o almo+ço às 11 horas, aí tinha uns caras que iam lá para fora, era sagrado, todo dia na hora do almoço a peãzada ia lá fora tomar cachaça, era uma garrafa de pinga e 2 cervejas para 3, é... E o peão voltava para a funilaria, voltava malucão, e era foda, os cara iam lá, tomavam uma garrafa de pinga, 2 cervejas e vinham, e falávamos bandejão, sabe, passava no bandejão, batia bandejão, e era assim... Então quando os caras iam lá fora eles já voltavam para assembleia lá em cima, a gente estava acampado lá em cima, aí os caras voltavam a 1 hora, aquele sol quente, a peãozada suava porque tinha tomado umas cachaça... Mas aquela pressão, aí teve uma hora que um peão lá, tinha uma caçamba de lixo, assim, o peão tocou fogo na caçamba. Aí a empresa, lá de cima, falou para o Jair Menegueli, o Jair Meneguele estava lá em cima, eu e o Jair, aí ele falou assim: "Pára, pára, pára, a gente aceita conversar". Aí como é que vai fazer, o Jair falou: "Betão, vai lá embaixo, chama os companheiros que querem participar de uma conversa com a empresa". Aí foi onde eu desci lá em baixo para perguntar: "Olha, a empresa aceitou conversar com os trabalhadores, quem quer participar da reunião com a empresa?". Aí, Gilvan, Papagaio, Zé Preto, Zé Luís Apolinário, Januário, José Carlos Brito, Rondini, Ermelino, sabe, depois, do prédio 4, o Gilvan, da ferramentaria o Ermelino, da estamparia o Garapa, da funilaria o Zé Preto, pintura o Papagaio, e foi assim. Assim nós reunimos, tinha o menino da manutenção, aí, pela primeira vez, aí ele falava, então... Tinha 13 companheiros, aí vamos subir. Aí nós subimos, aquele salão lá em cima, a empresa de um lado assim, a peãozada tudo do outro, aquele carpete, os peão com os pés tudo cheio de graxa, nossa... Tinha um tal de Tim Maia, um cara que, mas ele sujou todo,  não hora que ele faz assim [levanta-se] fica aquela roda, mas foi tão gostoso, nossa... Você de frente a frente ali com o cara que era o bonzão mesmo, que gritava, que mandava, e ali vinha conversar com você, sabe. Aí foi onde houve a primeira conquista da comissão de fábrica, a conquista mesmo.
Porque em 1980 a Volkswagen tentou criar uma comissão de fábrica, a gente estava no auge da greve, a Volkswagen vai lá e pega uns peão lá e "Vai ser os representantes dos trabalhadores dentro da fábrica", sabe, aí o sindicato vai para cima da Volkswagen, vai para a porta da fábrica e fala que "esses caras não representam", desceu o cacete e aí desmanchou a questão da comissão de fábrica que a Volks queria criar e foi aí que veio essa questão nossa de 1981: Criar uma comissão de fábrica dos trabalhadores. Entendeu... E eu não tinha, assim, a questão de oposição [a criação de comissões de fábrica], mas aí também já tinha... Porque a gente se tornou muito conhecido porque tinha as oposições, por exemplo, oposição metalúrgica de Campinas, oposição metalúrgica dos químicos, sabe... Oposição de Santo André, e aí a gente começou assim, São Bernardo apoiar as oposições de Salto, que era só em Itu, não era Salto, era Itu e Salto, Sorocaba... O Bolinha, que era um companheiro nosso, porreta, da comissão de mobilização, um cara que era da Mercedez, uma cara que era, uma figura, estava na frente de tudo, foi demitido na Sul e aí foi para Sorocaba, chegou lá ganhamos o Sindicato com o Bolinha presidente. Então aí a gente, quando conquistamos a comissão de fábrica da Ford houve até muitas críticas, porque eu como diretor do Sindicato, eu era coordenador da comissão.

Ah,o senhor entrou na comissão?
Não, não entrei na comissão. Eu era diretor do Sindicato eleito pela categoria, no Estatuto, a comissão de fábrica, ela era eleita pelos trabalhadores, mas tinha um coordenador e esse coordenador era o diretor do Sindicato que era eu. E eu não podia ser votado na minha Ala porque eu tinha sido votado na categoria. E no estatuto, quando a gente discutiu a questão da coordenação ficar o diretor do Sindicato da noite e um do turno do dia, nossa aí a gente levou porrada da Oposição de tudo quanto é jeito, sabe, nossa... A Oposição aqui de São Paulo meteu o pau, porque "a comissão de fábrica não era independente" e que não seio o que tem, mais querendo ou não, a comissão de fábrica, ela foi uma das maiores conquistas que a categoria já teve, que os trabalhadores já tiveram, querendo ou não. Uma comissão de fábrica legalizada, com estabilidade, tempo livre, sabe... Então a gente negociou o estatuto, foi tirada uma comissão com o Sindicato, mais uns 3 ou 4 companheiros para discutir o estatuto da comissão, peão que era da fábrica mesmo, um foi o Rondini, o outro foi o, acho que o Ermelino, junto o doutor Maurício e com o Oswaldo Bargas que era o Secretário Geral do Sindicato para discutir o estatuto da comissão. E aí, a partir daí a greve encerrou e a gente continuou negociando o estatuto. E, mas nesse processo, da comissão provisória, não tinha ainda o coordenador, o coordenador foi após as eleições, depois do estatuto, tudo bonitinho, feito. E aí nós também tiramos a greve em 1981, nessa greve foi demitido um companheiro que era da comissão provisória...

Essa greve foi antes da demissão dos 400? Ou depois?
Não, foi depois, em novembro de 1981 quando estava a comissão de fábrica provisória. E nessa greve foi demitido um companheiro que, assim, a Tratores, era uma empresa dentro da Ford, e ela era independente da automotiva, ela tinha uma outra gerência, um outro RH, tudo isso, e muita gente... E aí, nós combinamos, era uma greve de protesto da... Porque assim, quando os caras iam julgar o Lula, nós parávamos a fábrica, 1 hora, meia hora, toda vez que ele ia ser julgado nós parávamos. Então, nessa greve nós tínhamos combinado, no Sindicato, a comissão de fábrica mais um grupo de companheiros, que, olha, para o Zé Carlos não parar a linha: "Deixa que o P.A [Peças e acessórios] vem, que era perto da Tratores, o P.A vem e pára a linha, aí para a Tratores, porque a Tratores é um regime muito mais fodido", porque tinha um tal e Mazzoli lá que era um italiano mafioso, como tinha também um italiano no PTO [Motor e Câmbio] que era outro também, sabe... Esse cara, antes da, de 1978, 1979, ele saia muito nas colunas sociais, no Diário da Noite, não sei se você já ouviu falar, tinha um jornal chamado Diário da Noite, e esse Maricilene, certo, toda semana ele saia na coluna social, sabe... Ali era um gerentão da Usinagem, nossa, o cara... Quando o cara aparecia todo mundo tremia, até a chefia, o cara mandava matar, o pessoal na fabrica ficava... E ele criava faisão, né, então, nossa deus, a peãoada... Tinha peão que comprava o jornal para ver o Maricilne na... ver, acho, sabe... Pô, e eu: "Oh meu", né... Aí... E a Tratores era uma empresa que tinha esse italiano chamado Mazoli, um ignorante, e aí o Zé Carlos pega, nós tínhamos combinado que o pessoal do Peças e Acessórios [P.A] ia vim e parava a Tratores. O Zé Carlos vai e desliga as máquinas, a linha, parou a fábrica, aí a empresa mandou ele embora. Mandou embora, aí houve uma discussão ferrenha e aí teve até na segunda, acho que foi na segunda feira, o Januário falou: "Vamos parar a fábrica", e eu: "Não, vamos discutir primeiro, não vamos para fábrica assim,vamos primeiro deixar o pessoal da Tratores se manifestar, eles vão ter que saber que o Zé Carlos foi demitido". E o Januário pegou e: "Não, vamos parar!", o Januário passou por cima de mim, ele parou a fábrica. Tanto é que tem um livro "A tomada da Ford", tem um livro, um livrinhozinho assim, e ele [José Carlos Aguiar Brito] escreveu com o Tratemberg, o Tratemberg era um, não sei se você conheceu...

Era um professor, não é...
Professor, ele era contra a nossa...

Esse livro é sobre essa greve de 1981?
Sobre essa greve que foi feita, quando o Januário passou por cima do Sindicato, passou por cima de mim... Paramos a fábrica, quando foi a noite, tomamos a fábrica, ninguém vai sair da fábrica e aí a gente assumiu tudo, a greve, o Sindicato assumiu e vamos, que vamos. Aí a gente parou a fábrica e tomou a fábrica, uma molecada do SENAI, que tinha um grupo do SENAI, até, eles eram todos ligados a convergência, era o Colombo, Sampá, Guarú, o Sampá eu acho que não estava nessa época. Aí, essa molecada: "Vamos, vamos, vamos!", tomou os portões, aí seguramos os portões da fábrica todinha, a fábrica tinha 1, 2, 3, 4, 5, 6... Tinha 6 portões. Nós rendemos os portões todinhos, fechamos a fábrica. E aí tinha uma ala assim, de saída dos mensalistas e nessa saída a gente não deixava ninguém sair, e aí, houve uma discussão violenta, porque a empresa não voltava atrás com o Zé Carlos, não readmitia e a gente ia concentrar no bandeijão e a fábrica tomada, o Jair Meneguele com 3 meses de presidência do Sindicato e foi nessa greve que a gente ficou sabendo que a polícia podia invadir a fábrica...
Quanto tempo você ficaram?
Começou de manhã e terminou à noite. Terminou era 1 hora da manhã, a greve. Foi aí que o Jair Menegueli, nós tínhamos um fusquinha e um alto-falante, quando o Menegueli defendeu o fim da greve, muita gente foi contra, nossa, teve briga boa.
O pessoal queria continuar?
Continuar a greve. Porque não ficou clara a questão do Zé Carlos, não ficou claro. Aí terminou a greve, o pessoal dos portões não foi avisado, puta, teve um rebu, sabe, um descontentamento muito grande na fábrica, muito grande e chegou no dia seguinte, nossa, só porrada da peãozada. Quando o Jair Menegueli estava terminando com a greve, aí um peão falou: "Como é que fica o dia parado?". Aí o cara lá de cima do RH falou: " A gente negocia Jair". Aí o Jair falou assim: "Nós vamos negociar", puta, aí que foi que fodeu tudo, tinha um cara do RH lá em cima, depois parava na boca do Jair Menegueli, puta merda, aí fodeu tudo, o companheiro Flores Gomes que, ele era da comissão de fábrica, nossa rapaz, um negrão, o cara ficou maluco. E aí, com o pessoal dos portões né: "Acabou a greve, acabou a greve". Foi descontentamento geral, foi aí que a peãozada pediu uma reunião com a comissão de fábrica e a diretoria do Sindicato, nós marcamos a reunião.
Não conseguiu as pautas?
Não...
Não conseguiu nada?
Não conseguiu. Aí houve uma reunião no Sindicato com m grupo de companheiros. Aí chegou lá, mas rapaz, falou um monte para nós, a peãozada. Falou o que tinha direito, chamou a atenção da diretoria, acabou, esculachou com a gente E FALOU: "Olha gente, toda vez que vocês tiverem uma coisa assim vocês conversem com a gente, tal", sabe, foi uma coisa assim dos caras, correta, corretíssima, houve uma falha? Houve falha sim. Só que a empresa tinha clareza, o Zé Carlos não voltava para a fábrica, não voltava, a gente sabia que não voltava, porque ele desligou a máquina, parou a fábrica, e não precisava ter feito isso, nós íamos parar, o pessoal vinha para parar a fábrica, o P.A ia parar. Então, tem muita versão sobre isso, porque o Zé Carlos deu uma versão de uma forma e eu falo que foi de outra, e eu estava no processo, sabe, então...
Como que o Zé Carlos fala?
Ele fala que o Sindicato, que o Sindicato "vendeu" ele, sabe... Nada disso... O Zé Carlos cometeu uma falha em desligar a máquina, a linha, que não precisava...
Ele estava em alguma corrente?
Ele era de uma corrente, só que eu não sei de qual corrente que era,  mas ele era de uma corrente ligada ao pessoal da O posição metalúrgica, ligado a uma corrente. O Zé Carlos, eu nunca mais vi ele, saiu da Ford, nunca mias eu vi, depois ele foi mexer com o pessoal da, acho que [do movimento] sem moradia, não sei. Mas eu falo para todo mundo como foi que aconteceu as coisas, que ele não era para ter desligado a linha, não precisava disso, inclusive eu estive até na ala conversando com alguns companheiros que trabalhavam com ele, até um companheiro falou: "Betão, ele não precisava ter feito aquilo", tinha o Wilson, inspetor que trabalhava comigo: "Pô, eu falei Zé não faz isso, não faz isso, não faz isso, mas ele fez Betão para mostrar que ele era uma liderança e foi uma coisa errada que ele fez que não precisava. Então teve muita crítica, a Oposição criticou muito a gente, houve muita critica, mas assim, eu sempre tive a minha consciência tranquila...
E chegou em 1982, elegemos uma comissão de fábrica, a primeira comissão de fábrica eleita pelos trabalhadores. Nesse processo de, da {comissão] provisória, você discutiu como você fazia eleições, então nós criamos 7 áreas de dia e 3 á noite, 20 companheiros na comissão de fábrica, mais eu e o Bagaço como diretor do Sindicato. E cada companheiro teria 3 meios-turnos por semana. 3 meio-períodos por semana, livre, para conversar com os trabalhadores. Então você vê, até 1979, 1980 a Ford não tinha nada, não reconhecia delegado sindical, nem reconhecia nada. Em 1982 você consegue uma comissão de fábrica legalizada, porque tem muita gente que é contra, acha que a comissão de fábrica tem que ser clandestina... Eu sou contra, eu acho que, a comissão de fábrica da Ford, por exemplo, ela foi legalizada, estatuto registrado no DRT [Diretoria Regional do Trabalho], com o Sindicato, com os trabalhadores votando a proposta. Então eu acho que você tem um grupo de empresa, um grupo clandestino, a empresa fica sabendo e manda embora, você não tem uma estabilidade. Então a gente em 1982 a gente, teve eleição, 10 distritos, 7 de dia e 3 à noite, 14 companheiros de dia, mais eu, era, escolhemos que o companheiro ia ter os 3 meio-períodos: Segunda, quarta e sexta depois do almoço para sair na área dele e conversar com os trabalhadores. Entendeu, então foi aonde a gente teve uma fase muito gostosa... Por que? Porque eleita essa comissão de fábrica, tanto a noite como de dia, a gente... Aí vêm as reivindicações né, do pessoal, a gente que conversa mais, não tinha CIPA, aí a gente descobre que CIPA, ela tem 1 ano de mandato, que a gente precisava ter uma CIPA eleita pelos trabalhadores. Aí a gente começa a montar uma eleição dos companheiros da CIPA e a gente pega um companheiro que se destacou na Estamparia, o outro que se destacou na Funilaria, aqueles companheiros que participaram mais ativamente. Aí a gente monta uma CIPA na Ford e elege a nossa CIPA e aí já mais um outro avanço, você tem mais tantos companheiros com estabilidade. E aí meu, eu acho que a gente teve a sorte né, de ter participado dessa conquista...
Na CIPA tinham quantas pessoas?
Rapaz, eu não lembro quanto não...
Era igual na comissão, será? 20?
Acho que tinha mais. Não sei se a cada 50 pessoas, a cada 100 tem que ter um cipeiro, eu sei que assim, na estamparia nós tínhamos um cipeiro, tem 3 estamparia, nas 3, nós tínhamos um cipeiro em cada área, funilaria nós tínhamos cipeiro, na pintura tinha cipeiro, na montagem tinha cipeiro, então, sabe, tinha cipeiro em todas as áreas, como tinha na comissão. E, o cipeiro tinha uma estabilidade de 1 ano e foi aí que veio muita coisa boa para os trabalhadores porque a questão de um processo coletivo, ninguém abria porque tinha medo do cara ir no Sindicato entrar com um processo contra a questão da insalubridade. E outras coisas que a gente, que o peão tinha direito e que não procurava, a gente passou o debate para dentro da fábrica: "Oh, vamos abrir um processo coletivo aqui na Usinagem pela questão do ruído, vamos para estamparia, vamos para todas as áreas" e o peão ia na sala da comissão, aí a gente já tinha... Antes a gente não tinha sala, a gente tinha uma sala da comissão de fábrica dos trabalhadores, então na hora do almoço a gente abria a sala, a peãozada passava lá e vários peão passava lá para assinar o processo, o processo coletivo.
Isso em 1982?
No final de 1982.
Mas em 1982 já não tinha o mesmo clima político de 1978, 1979, 1980?
Era diferente... Tinha as campanhas salariais. Aquele clima, aquela euforia acabou, aí você já estava com um partido político, já tinha sindicatos que você já tinha ganho. As oposições já fazia de sindicatos diferentes, as greves expandiram para todo o país, então era diferente, o clima era outro, aí já era um clima mais político. Então já não era aquele clima de só reivindicar, só reivindicar, aí você já falava das 40 h. semanais, da reforma agrária, você falava na autonomia e liberdade sindical, porque aí foi esclarecendo os trabalhadores do que a gente pretendia. Já tinha Deputado Federal no Congresso e a gente tinha informação de algumas propostas, o Djalma Bom sempre prestou esclarecimento para a gente, então você tinha, além do Sindicato, um partido político. E aí a gente foi crescendo, crescendo, veio a questão da CUT, naquela época teve os CONCLAT, tinha um tal de ENTOES que eu não lembro, nem lembro como é que era, mas teve o CONCLAT na praia grande que participou 5.000 trabalhadores. Não chegou em um acordo com os trabalhadores da época do Joaquinzão, foi tirado uma coordenação, mas que nunca funcionou... A foi a decisão de criar uma central única em 1983.
Nesse começo, quando funda o PT em 1981, os operários... Porque hoje um operário não consegue influenciar nos rumos do PT e nem da CUT, é mais difícil. Nessa época, os operários influenciavam muito no PT?
Se influenciavam? Não, porque o PT estava começando, então, o que que a gente fazia, era a filiação do partido. Até, o Bagaço que trabalha a noite, que era diretor do Sindicato junto comigo, o Bagaço foi um dos caras que mais filiou gente a noite no Partido. Então, a gente começou...
Tinha uma campanha dentro das fábricas para filiar?
Não, não era campanha, porque o sindicato não podia fazer uma campanha para filiar. Assim, por exemplo, eu era filiado ao PT e trabalhava para filiar gente ao PT...
Sozinho...
Independente. E tinham outros companheiros também que filiavam. Então todo mundo queria filiar companheiros no PT e isso a gente fazia normalmente, e não era só na Ford. Muitos companheiros filiava na cidade, na Volks, empresa pequena, foi uma, vários companheiros querendo filiar ao partido...
Isso quer dizer que os operários sentam que o PT era uma forma de mudar as coisas?
Claro...
Tinha esse pensamento?
Tinha, cada pessoa, porque o Lula aí já era o Lula, já era o Lula né, e cria um partido político, você é o presidente do Partido, e aí já mostra para a peãzada porque que tem que fazer política né. O importante de tudo isso foi você dizer: "Olha, tem que fazer política, não importa, gostando ou não você tem que fazer política. Se filiar a um partido, não importa se é o PT. A gente falava muito isso: "Não é que a gente quer que você se filie ao PT, mas tem que ser filiado a um partido para você debater dentro do partido, discutir política". Então, esse discurso saia, entendeu, então houve tudo isso. Então isso fortaleceu muito, porque era uma questão do peão. E aí fortaleceu nas lutas, não só, aí começou a ter PT no Brasil inteiro, candidatos a Deputados e o Lula sai candidato a Governador em 1982, a gente faz um puta de uma campanha, todo mundo sabia que ele não se elegia, mas quilo fez com que o Partido estabilizasse, crescesse cada vez mais. Então nós pegamos esta fase de do movimento sindical, da comissão de fábrica de um partido político.
O senhor chegou a participar de reuniões de diretório do PT
Participava, eu o Chico Gordo, muitas, várias pessoas, tinha um grupo aqui, o PT aqui era forte, foi o primeiro diretório aqui na capital de São Paulo, foi aqui em Santo Amaro. O PT era forte, nossa. O Ítalo que foi vereador, participava, o Chico Gordo, o Samira, Eduardo, Cláudio, muita gente participava do PT.
O senhor chegou a se candidatar?
Não, nunca. Nunca pensei nisso. O Chico gordo foi Deputado Estadual, era um companheirão, é um companheirão, é um companheiro que, nossa, a gente respeita muito, você entendeu... Ajudou a construir o Partido, perdeu o emprego, catou lata, né, um companheirão. Então a gente fundou núcleo do PT, aqui tinha núcleo dos metalúrgicos do PT. Na Ford a gente criou o núcleo de metalúrgicos da Ford, entendeu, então tinha debates não só de movimento sindical, mas do próprio partido. Você discutia o PT no núcleo dos metalúrgicos da Ford, discutia o PT aqui no núcleo de metalúrgicos de Santo Amaro. É uma forma de você ter um boletim de núcleo para você entregar nas fábricas, porque o Sindicato aqui [dos Metalúrgicos de São Paulo] era contra construir, era contra o PT e contra a organização dos trabalhadores, então era uma forma de você entrar na categoria.
Esse Sindicato daqui foi próximo ao PMDB não foi?
Olha, o Joaquinzão foi interventor em Guarulhos, ele era direita e PMDB era tratado como esquerda, então, aqui, o Sindicato aqui defendia mesmo era a ARENA, tinha gente do MDB, não vamos dizer que não tinha, mas o Joaquinzão, nossa, ele era direita, direita e direita, entendeu, então, o sindicato aqui sempre foi contra os trabalhadores. Hoje bagunçou tudo, misturou todo mundo aí... Aí vem a CUT, que aí já não era mais só São Bernardo...
Isso em 1983...
Em 1983, em agosto de 1983. Aí você cria a CUT, constrói uma central sindical nacional, com trabalhadores metalúrgicos, químicos, rurais..
Aí unificou mais, a oposição de São Paulo, o pessoal de São Bernardo...
Claro. Tudo, tudo, todo trabalhador, sabe, ele... Aqui mesmo [em Santo Amaro] começa, fica mais fácil fazer um trabalho na oposição porque você ia com o material da Central Única dos Trabalhadores. A Oposição representava a CUT, e o sindicato... Aí ganhamos o Sindicato dos químicos, um puta de um Sindicato, o presidente foi o Galante, companheiro que participou da fundação da CUT, Sorocaba que o presidente era o Bolinha, Campinas era o Durval de Carvalho, e São José dos Campos tinha o Ari Russo um cara ligado ao MDB na época, então, nós tivemos assim... E tinha os rurais né, às vezes você não fala, mas os rurais tiveram uma participação importante na construção da CUT, porque na nossa luta aqui, metalúrgicos, a gente falava muito em reforma agrária, para a gente fazer com que os trabalhadores tivessem esse vínculo, que o que eles produziam tinha que ser respeitado, pelo direito da reforma agrária, essa onda foi muito forte e autonomia e liberdade sindical, que hoje ninguém mais quer falar em autonomia e liberdade sindical, até a CUT pede imposto sindical, né, pega o imposto e não fala de autonomia e liberdade sindical, né, todo mundo hoje, tem sindicato que criou até uma outra forma de arrecadar, pega lá o imposto não sei do que. Então, não é igual a nossa época. Porque na nossa época a gente brigava por, era uma pauta única né, então você mandava ela: Estabilidade no emprego, reforma agrária, contra o trabalho temporário, 40 h. semanais, e autonomia e liberdade sindical. Então tinham poucos pontos, férias em dobro, a gente falava muito em férias em dobro, e isso ai debatia muito.
Quando o senhor fala "autonomia sindical" o senhor fala do Sindicato não atrelado ao Estado?
Não atrelado ao Estado. Sindicato livre, né.
É a mesma proposta da Oposição? A Oposição também defendia isso.
Não sei, só sei que a gente lutava por autonomia e liberdade sindical.
Mas a CUT acabou não levando essa luta até o final, não é?
Levou, levou até um certo tempo, depois foi que parou né...
Levou mais ou menos até quando?
Ah, não lembro, mas a CUT levou essa proposta: Autonomia e liberdade sindical, já faz anos que ninguém fala mais nisso, mas a CUT levou, sabe, porque o movimento sindical em si, foi esfacelando, mas houve, nas nossas lutas todas, a campanha pela liberdade sindical.
Quando o senhor acha que começou enfraquecer a luta operária?
 Eu acho assim, sabe, que a luta, ela começou enfraquecer também, uma coisa por causa do Partido...
Porque foi muito pela luta política?
É, e outra coisa, que você, o movimento sindical em si, ele não avançou no sentido de quadros novos, você não tem. Por exemplo, dava gosto você fazer luta falando da CUT, falando do PT, falando do Sindicato, né, e depois você consegue, você consegue tudo, você esquece, não fala mais em greve, tudo você negocia, negocia, negocia, os patrões se preparam, né, e aí os sindicatos se enfraquecem, hoje por exemplo, sempre foi São Bernardo foi quem puxou as lutas na verdade, o Sindicato de São Bernardo do Campo faz tempo que não faz luta hoje.  Então isso não incentiva, aqui em São Paulo, a Oposição, a ultima chapa foi em 1993, a ultima chapa, 1993 aí acabou, inclusive hoje os companheiros fazem um livro sobre a memória da Oposição, né, mas será que não vai ter mais oposição aqui em São Paulo? Como é que fica? Não é mesmo? Então eu acho assim, vai ter que ter uma reviravolta, não é só na CUT, em todas as centrais. Você te hoje 11 centrais sindicais, né, 11, como é que você faz uma...
Mas como assim, a luta sindical enfraqueceu por causa do partido?
Porque, por exemplo, quando o partido estava na rua, estava ma rua, você não discutia só o Partido, você criava, luta do PT, plenária do PT, tinha convenção, "Vai ter uma plenária do PT", "Vai ter um comício do PT", então você organizava dentro do PT, então você organizava dentro da fábrica, o Partido levava gente pra caramba para o comício, a gente mobilizava as fábricas, você ia para a porta de fábrica chamar o pessoal para o comício, tinha um material para você chamar, o pessoal fazia comício na porta de fábrica, lá no centro da cidade, comício... Onde fosse ter um comício o pessoal chamava, você tinha essa coisa, o movimento sindical chamava para um comício que era do PT, aí não tem mais, acabou. Não tem mais militância no PT, nem em época de campanha. Você não vê um comício de massa, igual aquele movimento sindical, aquele PT de massas não existe mais hoje. Não tem mais, é por isso que eu falo, que enfraqueceu nesse sentido. Porque antes, todo sindicato, o movimento sindical era um movimento sindical de massas, o PT era um partido de massas, hoje não é mais. Não vê nada hoje, não tem.
E quando o senhor acha que começou a ter as principais mudanças no PT?
Eu acho, assim, que foi na década de 1990 mesmo, sabe. Porque, primeiro é que essa, as brigas internas, disputas, no movimento sindical, como no partido, porque essas disputas internas só enfraquece o Partido, só enfraquece. Pra você ver, o PSTU saiu do Partido, O PCB saiu da CUT, saiu da CUT o PCB, PCdoB saiu da CUT, saiu todo mundo da CUT, todo mundo formou as suas centrais, Conlutas... Então todo mundo assim, tem... Você vê alguém fazer campanha para o PSD, na rua? Não vê. Vê do PT? Não vê. Então, na época, que estava todo mundo na questão do PT, todo mundo fazia, ia para a rua, depois que foi criados essas coisas, desses partidos, as centrais sindicais desmembradas, acabou o movimento, acabou, PCdoB criou uma central, PSTU não sei se tem uma central ou se é o Conlutas, quem mais que tem central, tem um monte de central, centrais de condutores, centrais de... CGT, Força Sindical, Corrente Sindical Classista que é do PCdoB, Intersindical, tem mais uma, mais, muitas centrais... Como é que você fortalece? Não tem.
E agora as centrais também recebem imposto...
Então, é uma forma de... E tem outra coisa, hoje, nós metiamos o pau no Joaquinzão porque o Joaquinzão estava a 20 anos no sindicato, nossa, o nosso discurso era esse, 20 anos no sindicato. Hoje você tem gente nossa na CUT que está com 20 anos ou mais, na CUT ou nos sindicatos, está aí. Então, acabou a formação de quadros, acabou os debates, acabou com os diretórios do PT. E a central sindical hoje, por exemplo, a CUT, todo mundo, era uma central que estava sempre fazendo alguma coisa, estava sempre na mídia, hoje você não vê falar da CUT em lugar nenhum. Não tem um jornal da CUT para você entregar... Aqui, você tinha o jornal da CUT estadual, que você ia nas porta de fábricas aqui, de São Paulo, acabou com as CUT-regionais, que era também um instrumento de organização.
E quando começou a acabar os diretórios?
Diretórios existe, diretório existe, tanto em Santo Amaro quanto na Capela, só que tem dono.
Estes de mobilização, quando deixou de existir?
Ah, au acho que de 1990 para cá, foi enfraquecendo....
E as CUTs regionais?
As CUTs regionais? Ah, eu acho que foi em 1997...
De lá para cá foi acabando?
Foi por aí. Porque tinha uma proposta da CUT...
Mas não é ruim para a CUT e para o PT acabar com os diretórios?
O pior é que é ruim para os trabalhadores. Não é ruim para eles, para a direção não é ruim, estão lá, ninguém enche o saco. Mas o que é, quem perde com isso são os trabalhadores, sabe. Porque não participa, continua hoje a mesma coisa. Se você pega as nossas reivindicações hoje, são as mesmas de 1980, 40h. semanais,  autonomia sindical, que ninguém quer lutar por isso, reforma agrária que não foi feita até hoje, nos temos 12 anos de governo e não conseguiu fazer reforma agrária. Então as propostas do movimento sindical são as mesmas que a gente começou a lutar em 1980, mudou o que? Mudou a questão da terceirização, porque antes era o trabalho temporário, só mudou a questão da terceirização, que foi outra coisa também que acabou com sindicato.
A terceirização?
Acabou com o sindicato. Se você, em qualquer lugar que você vai hoje é terceiro. Você trabalha em uma montadora como mensalista, você abre uma empresa e presta serviço.
O pessoal fala isso da Volks, ela tem 24.000 operários, mas só 12.000 é operário da Volks, os outros 12.000 são todos terceirizados.
A mesma coisa a Ford. A mesma coisa em todas as empresas, não é só lá [no ABC], aqui [em Santo Amaro] também.
A gente fala assim, como é que a Volks pode produzir tanto carro só com 12.000 operários? É que não são só 12.000, são 24.000.
Mas acontece que esses 24.000 não é representado pelo sindicato São Bernardo. Aí se você for ver na Volkswagen, tem uma época que dentro da Volkswagen tinha 78 sindicatos, dentro da Volkswagen, tinha 78 categorias diferentes, que pertencia a outros sindicatos. Tem o sindicato dos engenheiros que é estadual, tem o sindicato do, do que mais... Tudo, tudo, tudo. O sindicato representante dos metalúrgicos representa os mensalistas, mas não todos. Alguns mensalistas, grandes mensalistas pertencem a outras categorias. Dentro da Volks deve ter hoje a mesma quantia de sindicatos que tinha, tinha 78 a uns anos atrás. A Ford, deve ter lá dentro da Ford, uns 30 sindicatos, sabe, e que você nem sabe. Então essa terceirização enfraqueceu o sindicato e muito, acabou com os sindicatos. Então tem muitos companheiros hoje, que o cara é terceiro, ele se sente discriminado dentro da fábrica onde ele trabalha, que a a própria peãozada que é da fábrica discrimina aquele companheiro que não é, que ganha a metade.
Usa outro uniforme...
Isso. E hoje, tem muita gente hoje terceirizada que faz a mesma função que faz um trabalhador da empresa em que ele trabalha. Então tudo isso aí enfraqueceu o sindicato. Eu não sei viu, como é que o sindicato vai fazer para se levantar, e a CUT é outro problema porque essa questão da autonomia e liberdade sindical, não teria 11 centrais sindicais, não tinha, não chagava a 4 central sindical, não chegava. Porque, existe tudo isso hoje, a que pega menos aí é 2 milhões de imposto sindical, a que pega menos. A CUT, no ano passado, ela pegou 46 milhões. A Força Sindical pegou 38 [milhões], sabe, e vai caindo. Mas, meu, você passa a não administrar mais uma central, você passa a administrar o dinheiro da central.
Que é mais importante do que a luta...
Que é mais importante do que a luta. Então, dirigente sindical, hoje ele não quer sair da entidade, não quer voltar para a fábrica, ele não... E a gente criou ainda várias instâncias, nos metalúrgicos criamos a Confederação dos Metalúrgicos, criamos a federação Estadual dos Metalúrgicos, fomos criando várias instituições, mas representa o quê? Nada. Nada, porque na verdade quem representa, o nosso sindicato por exemplo, dos Metalúrgicos, qual é a influência que a CUT tem no Sindicato? Qual é a influência que uma Confederação tem no Sindicato? Porque o sindicato tem a luta deles, e você não consegue fazer uma organização a nível nacional com a Confederação.
Como pode, né?
Não tem como você fazer, sabe, então você cria a CUT estadual, por exemplo, em quase todos os estados que você vai tem CUT estadual, mas funciona? A CUT estadual aqui funciona? Quantos sindicato a CUT estadual levou para trazer para a CUT [nacional], organizou? Está tudo bem, então todo mundo se acomodou. Tudo tranquilo...

Como o senhor avaliou o governo Lula, de 2002 a 2010? O senhor fez campanha nas eleições de 2002?
Fiz, claro, acho que o Lula foi um presidente que vai ficar na história deste Brasil, foi ele, fez assim, nossa. Teve muitos avanço no governo Lula, só que por outro lado..
Quais avanços o senhor citaria?
Eu acho assim, por exemplo, no governo Lula baixou os juros, os juros chegaram a quase 8%. A produtividade aumentou, venderam carro como nunca venderam em outro governo como no governo do Lula. O peão teve aumento real de salário. Mas também, por outro lado, os patrões nunca ganharam tanto dinheiro. [risos].
É o Lula mesmo falou isso né...
Como ganhou no governo lula, você entendeu. E por outro lado também, que eu acho que é uma coisa que o movimento deixou a desejar, entendeu, porque vai tudo para o Congresso, então, ao invés do movimento partir para a rua, mesmo sendo o governo Lula... Meu, tem que fazer luta. Não esperar que o Lula, sabe, vai resolver o problema da classe trabalhadora. Não é para resolver, senão acaba com os sindicatos, acaba com centrais sindicais. Então, o Lula teve muitos avanços, mas também os patrões ganharam muito dinheiro, principalmente os bancos. Banqueiro e as montadora ganharam dinheiro que dá para ficar 10 anos só vivendo com o lucro que eles tiveram, e agora, o que acontece? Mandam embora, igual a Volkswagen. Então começa a gente sabia que, essa crise que houve, a nível mundial, que o Lula falava que aqui era uma marolinha [risos], essa crise teve aqui também. Só que, acho assim, o Lula, ele...
E a crise está voltando agora né...
Está voltando agora e vai voltar pra valer. O Lula é o seguinte, ele levantou a autoestima do brasileiro, sabe, porque ele estava sempre com a autoestima em alta e é respeitado tanto pela oposição, pelo capitalismo, sabe. O cara era respeitado, o cara conquistou isso. Então, foi 8 anos assim, de alegria. Agora está num processo difícil aí. E com isso o movimento sindical enfraqueceu muito, acomodou, tudo é: "Ah, manda para o governo, manda para o Congresso", meu, o congresso agora vai ferrar mais ainda os trabalhadores, você entendeu....Vai chegar o momento que o Lula vai ter que ir para a rua, vai ter que chegar o momento que ele vai ter que ir para rua. Porque senão vai voltar de novo aquela fase difícil da época da ditadura. Onde o peão não era respeitado, o peão era pisado, o peão era massacrado, vai acontecer isso.
E quais foram os pontos negativos do governo Lula?
Um dos pontos, assim... Foi não ter começado a reforma agrária, autonomia e liberdade sindical não ter começado nesse governo do Lula, e outras coisas que é muito difícil, que você vê, a questão da saúde, a questão da educação, que são, tem que ser prioridade em qualquer governo. Qualquer governo, a educação e a saúde, e aí também eu acho que a gente não avançou tanto. Mas, temos que entender também que é um país aonde a 100 anos está na mão do capital, dos latifúndios, dos grande empresários, banqueiros principalmente. Não é em 12 anos que você muda isso. Não é, e hoje, a gente está aí hoje, por exemplo, só reclama: A mídia, a mídia, a mídia, pô, vamos deixar de reclamar da mídia. Então, pô, porque em 1980, na década de 1980,  a mídia não era a nossa favor, ela era contra, a gente fez movimento do mesmo jeito, agora ficar... O PT até hoje não tem um jornal, até hoje o PT não tem um jornal, ou na banca de jornal, ou para distribuir nos diretórios, o PT não tem isso.
E tem recurso...
Tem recurso, a CUT não tem um jornal, tem uma Revista Brasil aí, mas que a peãozada não lê: "Ah, mas lá na Ford, na Ford lê", ah, na Ford, mas porra meu, você quer... E as outras empresas? Então não podemos ver só a questão da empresas organizadas, nós temos que ver é com as empresas que não tem organização. Os professores até hoje não conseguiu nada, nada, fazem greve e você não entende.
A gente toma é muita porrada da polícia...
 Isso. E você não entende como é que o Alckmin ganha no primeiro turno. Porque se você analisar bem, olha, os professores são da categoria mais fodida que existe, o ensino aqui, nossa, é precário.  O que eu acho, você não tem um sindicato forte nos professores, um monte vota tudo no governo. E também tem um outro detalhe que nós não soubemos explicar para a população em geral, o que que é do Governo Federal, o que que é do governo Estadual e o que que é do governo municipal. Porque tudo: "É o Governo Federal", falta água: "A culpa é da Dilma", "É do Lula", "Falta isso", "É do...", mas tem coisa que, por exemplo, a Sabesp é problema do Estado, tem questão do ensino que é estadual, tem a questão que é municipal. E isso nós não conseguimos fazer que a população entenda isso. Em vez de... Puta, pô, vamos lutar aqui por propostas que favorece aqui no estado. Eu estava na Sabesp, na Sabesp não, no Dante Pazzanese, lá, e eu estava lá e tinha uma mulher falando: "Pô ainda bem que nós temos o... A única coisa que nós temos aqui que serve é pegar remédio de graça, porque o resto é tudo uma merda, porque o governo não faz nada, esse Lula aí fodeu aqui". Aí eu falei: "Minha senhora, isso aqui não é do governo do Lula, é do governo estadual", "Que nada!", eu falei: "É, aqui quem é responsável é o governo estadual, não é o Lula, o Lula ajuda com dinheiro mas não tem, não é ele o responsável". Sabe, para você explicar isso, nossa, é difícil.
É que é um pessoal que não participa da vida política, não milita...
Não participa d vida política, e vocês também como professores, vocês não tem uma forma de explicar politicamente, a questão dos 20 anos de ditadura, vocês não falam disso na escola, então, a questão dos professores, que seria a questão mais importante, que é a questão da cultura, você fazer com que a criança, o jovem, ele vai conhecer realmente a história do Brasil e fazer com que ele... É uma categoria que era para ter um grupos, as pessoas, para ensinar.
Mas o material didático que a gente usa é o grupo do Alckmin que faz...
É, mas a educação não é do Alckmin, é do Governo federal, então essas coisas que a gente não consegue... A gente, poxa, se agente tem um jornal da CUT ou do PT: "Olha, isso aqui é ligado ao governo do Estado, o Governo Federal não tem nada  a ver com isso", e tal, sabe. Porque, não adianta, a ação dos professores, por exemplo, com o professor não tem nada a ver, é tudo o governo Federal, a culpa é dele, e o Haddad, ninguém sabe nada, o que que tem a prefeitura né, tem a escola também, os professores, tem a questão do uniforme, o ensino também. Então, eu acho que se o Paulo Freire estivesse vivo hoje, no governo do Lula, teria avançado muito na questão da educação, sabe. Porque eu acompanhei muito a visão do Paulo Freire, né, nossa, eu ficava, eu participei de uma, da construção de um grupo, do Cajamar, que o Cajamar dava formação política...
O Instituto, ainda existe, não existe?
Tem mais não funciona, falam: "É, vai, existe", meu, mas na nossa época você pegava 10 peão da Ford, 10 da Volks, 10 da Mercedez, 5 da empresinha, 5 da outra empresinha e levava para lá, ficava lá 2 dias, sábado e domingo, agente fez curso lá com o Apolônio de Carvalho, sabe, várias pessoas foram lá pra dar curso. E você tem hoje um Olívio Dutra no Sul, que não é aproveitado, você tem um Djalma Bom que foi Deputado Federal, foi Deputado Estadual, vice prefeito de São Bernardo, da diretoria do Sindicato na época do Lula, sabe, e têm outros, outros e outros por aí. A CUT quando tinha o Avelino Ganzer, o movimento rural, ele tinha, ele era forte, hoje eu nem sei quem é hoje o cara do rural na CUT. Nós fazíamos tanta greve no interior. E também tem uma coisa, aí hoje o que acontece tudo é máquina, tudo é máquina, você vai na Ford, você fica bobo, quem conheceu a Ford na minha época e vê a Ford hoje, você não acredita, doido...
Tem quantos trabalhadores hoje na Ford?
Trabalhadores? Entre a Caminhões e a Ford tem 3.000, duas fábrica, fábrica de caminhão e carro. Para você ter uma idéia, fabricava só carro na minha época e tinha 14.000 e fabricava 800 carros por dia, hoje fabrica 1.000 carros por dia. Então, por exemplo, sei lá, eu acho que foi enfraquecendo o movimento e também, foi outra porrada, foi a questão da, a gente tem que falar: A questão do muro de Berlim, muita gente, eu nunca preguei, mas muita gente pregava a questão do socialismo, caiu o muro de Berlim, aí cai a questão na Alemanha... E a crise que teve em 2008, nós copiávamos o Sindicato Alemão, o Sindicato da Europa, não tem nada lá mais, lá tem é desemprego, então não tem nada. No mundo hoje em si, ele, o movimento sindical, ele está fraco no mundo. Não tem liderança, Não tem nada mais, a nossa luta hoje qual que é? è correr atrás para não perder emprego, só isso. É difícil, mas é isso.

Mas e os movimentos que teve no ano retrasado, do passe livre, o que o senhor achou?
Eu tive uma conversa com 7 garotos do Passe Livre, para contar histórias para eles, eu fui lá, meu, não tem liderança, não aparece um líder, os cara pararam por causa de 50 centavos de aumento dos ônibus e não pára quando um Deputado Federal aumenta o salário dele em 9.000 reais por mês, olha que falta de... Caramba, se esse povo vai para rua contra a corrupção no Congresso.
O senhor chegou a ir em algum ato?
Não, eu não acreditava, não acredito, sabe, não acredito mesmo. Eu falava para o Reni, o Reni era um companheiro que é dono deste espaço [local onde realizamos a entrevista], aqui ele tinha uma fabriquinha, ele é do Psol, e ele estava todo entusiasmado, eu falei: "Reni, não se entusiasma muito, porque isso aí não vai, não levanta a sociedade, porque o próprio passe livre, tem peão que trabalha na fabriquinha que pega o vale transporte, aí ele fala: "Vai acabar com o vale transporte?", porque passe livre você não vai conseguir, isso vai conseguir através de projeto, passar pela Câmara e a Câmara não vota nada, a Assembléia Legislativa hoje é uma coisa que não funciona, quem é que sabe o que representa a assembleia legislativa? Então eu acho que o passe livre, junta lá 5.000 pessoas, 10.000, mas naquela de 100.000 pessoas, o pessoal não tinha uma direção, então, quais os líderes que surgiram? Você não tem organização, você tem que ter organização, você tem que ter um líder, tem que organizar o que vai fazer, isso, aquilo. Então eu não boto fé, eu fico fodido porque eu falo para você, eu sou aposentado, e eu tenho uma reparação porque eu sou anistiado, mas se eu não tivesse essa reparação minha, eu já falei, eu ia ser presidente da Associação dos aposentados lá em São Bernardo, porque eu queria colocar na Paulista 2.000 aposentados. Uma coisa igual esse aumento no Congresso, o cara que é aposentado pega 5%, os caras vota lá, para eles lá, 9.000 de aumento. Meu, e você não consegue levar o povo para rua? Eu acho que, assim, se você pega os aposentados e: "Vamos trabalhar com os aposentados" e por os aposentados na rua, puta, a gente muda esse país. Porque através do movimento sindical e do Congresso eu não acredito mais, não acredito.
O senhor falou que foi anistiado, então o senhor chegou a ser preso?
Não, fui cassado pela ditadura na greve de 1983, mas assim, a gente foi na delegacia lá, respondeu ao processo, mas não cheguei a ficar atrás das grades.
Toda a direção foi cassada?
Cassou São Bernardo, cassou Santo André,  cassou Paulínia...
Por causa da greve geral?
Greve geral de 1983.
E essas greves gerais da década de 1980, como o senhor avalia? Essa de 1983, como o senhor avaliou?
Foi a primeira greve geral que nós fizemos, depois de quase 40 anos, foi a primeira greve geral. Uma puta de uma vitória, né, você parou o país em menos de 1 semana, organizou e a CUT, e paramos o país. Então, aquela greve de 1983, foi uma greve que o povo parou, depois, tentamos, foram feitas algumas greves gerais mas não chegou a ser igual a de 1983. e depois também veio a questão das centrais. Se chamar a Força Sindical para fazer uma greve, por que eles não chamam para fazer uma greve geral, já que eles são contra o governo? Não é uma central sindical? Chama pra fazer uma greve geral, eles são contra o governo. Porque a CUT não vai fazer uma greve geral contra o governo, e eu acho que devia fazer. Não é contra o governo, você vai fazer uma greve contra o Congresso, Senado, vai fazer uma greve no sentido,"vai, esquece o governo", pela reforma agrária, então, tem muita coisa para se fazer, só que não faz, fica uma central, a CUT. Sem a CUT não sai nada. E a CUT, parece que o menino lá [o presidente], ele não sabe o poder que eles tem na mão, não sabe. Entendeu? Eu acho que falta eles entenderem o poder que eles tem, pô. Agora fica aí, aqui em São Paulo não tem uma oposição, acabaram as oposições, estabilizou os sindicatos que é da CUT, a CUT é uma grande central e a Força também, ela não tem interesse porque também uma grande central, e, por exemplo o Babá também que não representa ninguém tem a central dele e por aí afora. Então não dá. Eu, sinceramente, eu tenho 70 anos cara, mas eu tô tão desanimado, sabe, eu queria ver tanta mudança, muita mudança.
É que o senhor participou de vários movimentos importantes..
Então, eu, sinceramente, eu ando assim, rapaz, muito chateado, sabe, porque, poxa vida, você vê a situação dos trabalhadores hoje, sabendo que essa crise não vai acabar tão fácil. Quem viu o Obama falando ontem no Congresso de Dallas lá, é... O problema não está só aqui no Brasil, está no mundo, o mundo está com problema. Está, poxa, mas durante 100 anos, todo mundo ganhou, todo mundo ganhou, o trabalhador só perde, eu até falo muito isso, qual seria o salário mínimo hoje no Brasil, qual seria? No mínimo seria 3 mil reais, no mínimo. Aí foi feito um acordo, a CUT fez um acordo lá no Governo do Lula, acha que foi um avanço e eu acho que não avançou porra nenhuma. Meu, quem é que consegue viver com 800 reais por mês? Vamos fazer o seguinte, pacto, em 2 meses, político nenhum, ninguém vai ganhar, vai receber mais do que 1.000 reais por mês, ninguém, vê se alguém topa. Estava resolvida a questão da, de muitas coisas, da saúde, da educação, muito dinheiro, não é mesmo... Antes a gente falava só do FMI: "Fora daqui o FMI!", eu cansei de [risos]. Isso aí, o pessoal da Convergência, nossa senhora...
Fazia muito ato...
Nossa, tudo era: "Fora o FMI", cansamos de falar isso, aí o Lula pagou, mas tudo, não sei se pagou tudo, tem alguma coisa. Ninguém fala mais sobre o FMI pô, a gente fica aí, eu não sei. Nossa, eu queria tanto ter, sei lá, ser jovem, sabe, para, com a cabeça que eu tenho hoje para [faz gesto de choque com as mãos], entendeu? Não dá para ficar desse jeito. E aposentado você não consegue mexer, nós temos uma associação de anistiados, todo mundo, sabe, tranquilo. Não é essa de se preocupar com os outros. Acho que o aposentado hoje, se ele tivesse uma liderança, ele ganhava a sociedade com manifestação, teria apoio e não teria aquelas corjas que tem lá no Congresso. Essa questão da Petrobrás, está dito que isso não vem de hoje, aquele repórter da globo que falava no jornal da noite, ele disse isso em 1996, que a Petrobrás era um ninho de ladrões, aí ele foi processado pela Petrobrás nos EUA, tinha uma multa de 100 milhões, você lembra? Já viu isso?
Não lembro...
E ele ficou sozinho, deu uma depressão e o cara morreu em 3 meses. Porque lá tem que pagar, lá nos EUA você tem que cumprir a pena, e ele morreu, aquele cara, não lembro o nome dele, era um cara que falava bem diferente... E essa crise, ela, essa roubalheira, isso vem desde 1970. Tanto é que teve a matéria daquele Ricardo Semler na Folha de São Paulo, não sei se você leu, o Ricardo Semler era dono da empresa Semco, tinha empresa aqui, tinha em Diadema, tinha não sei onde, ele fez uma matéria dizendo que desde 1970 que ele tenta entrar na Petrobrás, mas não entra porque ele não quer pagar propina. Então isso aqui, sabe, eu acho que, assim, nós não soubemos passar isso para a sociedade, por que que no Governo Dilma? Poxa, isso vem de longe, isso vem de... então, as coisas, assim, eu acho que está claro que existe a direita, está aí e a gente tem que fazer acordo com eles como foi na questão do Roberto Jeferson lá com o José Dirceu, confiar no Roberto Jeferson? Né? Vamos também ter, pô, e essas coisas todas que aconteceu que vai deixando você chateado, a luta não avança...
E o senhor participou das lutas das Diretas?
Participei, nossa, foi a melhor coisa que nós fizemos. Nossa, parou, você ira para a rua, fazer aquela coisa que nós fizemos, a questão do Collor, o Fora Collor, manifestação que você tinha aquela coisa, o tesão de participar. Nossa, rapaz do céu, essa questão de manifestação de rua é a única coisa que pode melhorar o país. Já tivemos a oportunidade de ter o Lula, fez o que pôde, mais não podia fazer e faltou muita coisa. Então, tá na cara que as coisas só mudam com o povo na rua, não vai mudar através de Congresso, através de Presidente, através do Senado, não vai mudar, o poder é o povo na rua. Voltou tudo o que era em 1978, é isso.
Eu acho que é isso, tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar e que eu não perguntei?
Não sei rapaz, não lembro, eu falei tanto... Falei demais.
Então a ultima pergunta, o senhor acha que valeu a luta?

Ah, tá louco rapaz, valeu né. Eu faria tudo de novo. Não teve coisa, olha sinceramente, eu estou chateado hoje, mas vivi uns momentos, sabe, da mudança deste país, da organização da classe, nossa, para mim valeu a pena e tenho orgulho de ter participado junto com o Lula, discutir com ele, sabe, então isso, nossa, não tem dinheiro que paga isso. E você vê hoje, as melhoras que tem hoje, se deve a nossas lutas, entendeu? E eu participei delas, quer coisa melhor do que isso, por isso que eu falo muito para a minha filha: "eu me orgulho, vocês podem se orgulhar de mim, eu não... Eu fiz muita coisa, então se o Lula chegou lá, chegou não por causa do Lula, por causa do nosso, do pessoal da Ford, todo mundo contribuiu com alguma coisinha: Os metalúrgicos, os professores, não foi sozinho que ele chegou lá. Chegou lá porque teve uma contribuição de cada um de nós, de todos os trabalhadores. Então acho que a vitória nossa foi o projeto da gente ser concluído, que foi o Lula chegar a presidência da república, esse era um projeto que a gente tinha e chegamos, então, não tem coisa melhor do que isso. Eu só quero ter saúde para viver mais tempo e continuar.

 
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