quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Entrevista Antônio Roberto ESPINOSA - Greve na Cobrasma de 1968

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]


Nasceu em Osasco, em 1946. Seus pais migraram de Rancharia, interior para Osasco. O pai era operário da construção civil (pedreiro e mestre de obra). Foi admitido na Cobrasma aos 15 anos, em 1961. trabalho na empresa até finais de 1966. Ser no exército junto com Zequinha Barreto e Lamarca. Na adolescência organiza uma série de atividades entre secundaristas. Disputa eleições do Grêmio da escola, sua chapa vence, depois compunha à organização do CEO - Circulo Estudantil Osasquense. A partir do grêmio e do CEO, em conjunto com outros militantes que desponta, constroem uma ampla base de militantes em Osasco. Em 1967 estuda filosofia na USP mas continua militando em Osasco. Em conjunto com Zequinha Barreto e Ibrahim, organiza grupos de estudos entre estudantes e trabalhadores, por meio dos cursos organizam cerca de 1000 trabalhadores e estudantes. Entre os trabalhadores esse grupo foi chamado de Vanguarda Operária. Em meio a tudo isso milita pela eleição da Chapa Verde em 1967. Com a vitoria da Chapa Verde, encabeçada por Ibrahim, com que havia estudado, milita em conjunto com o sindicato e em auxilio de Ibrahim. Em 1968 ingressa na fileira da VPR - Vanguarda Popular revolucionária, juntamente com uma ampla camada de operários que aderem a mesma organização. Espinosa será um dos mais importantes dirigentes dessa organização, ode militaram também Barreto e Lamarca. Participa da organização das atividades do Primeiro de Maio da Praça da Sé. Participa também do planejamento da greve da Cobrasma em junho de 1968. Será ele que escreverá a maior parte dos materiais que serão distribuído ao operariado de Osasco, e também do balanço da greve. Escreveu também o balanço dos processos de Contagem e Osasco sob o titulo: "Dois relâmpagos na noite do arrocho", o qual disponibilizamos na seqüência da entrevista. Foi preso no final de 1969, passou por intensas seções de tortura e só foi solto recuperou a liberdade em 1973.



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Todos os meus amigos do futebol, da molecagem de rua, quando completavam 14 anos iam para a Cobrasma. A Cobrasma não foi o meu primeiro emprego, completei quatorze anos e, quinze dias depois, fui trabalhar na Cerâmica Industrial Hervy, do outro lado da linha de trem, mais perto de Presidente Altino, fica atrás da estação de Osasco. A Hervy ficava onde é a rodoviária hoje. Tem ainda um restinho... Olhando assim, no fundo da rodoviária, você vê umas paredes meio avermelhadas... Aquilo conserva da Hervy... Foi trabalhar numa... acho que chamava expedição... expedição de certas peças.. Encaixotando pequenas peças, colocando em caixas de papelão fiquei lá acho que seis meses e consegui na Cobrasma. Na Cobrasma eu comecei como office-boy... Fui trabalhar inicialmente como office-boy na seção pessoal. Albertino Oliva era chefe da seção pessoal.

Tinha muito adolescente na Cobrasma?

Entrava, tinha muito. No Ceneart por exemplo, nem era Ceneart, era Ceart, depois passou a chamar Ceneart. No Ceart por exemplo, acho que uns 60% dos alunos eram empregados da Cobrasma. 

Ceart era um colégio secundarista?

Secundarista. Colégio Estadual Antônio Rapozo Tavares. Depois virou Colégio e Escola Normal Antonio Rapozo Tavares. Que era cede, era ponto de partida dos grandes movimentos locais. Não havia nenhum curso superior. Cenearte também era o núcleo, antes do golpe, de uma organização municipal de estudantes, chamado UEO - União dos Estudantes de Osasco. Com o golpe, todas as UEs foram fechadas. Em 1967 nós criamos o CEO - Circulo Estudantil Osasquense. Que na verdade era o UEO com outro nome, tocamos o U pelo C. E fazer um registro em cartório, enfim, a gente acabou cumprindo esse papel. Mas todo esse pessoal, toda essa molecada, ou trabalhava na Cobrasma ou aspirava trabalhar na Cobrasma, Cobrasma pagava um pouco mais. Quem não conseguia na Cobrasma ia para a Cerâmica, ou para algumas variantes, tinha a Ford em Presidente Altino. Aqui do ouyro lado da avenida, tinha a Brown Boveri, tinha a Eternit, enfim, quem não ia para a Cobrasma ia para uma dessas... Cimat, a Brás-Eixos, que era do lado da Cobrasma. Quem não conseguia ir para a Cobrasma ia para uma dessas, mas aspirava ir para a Cobrasma... Porque a Cobrasma, enfim... pagava um pouco melhor, dava uma espécie de prestigio. De uma certa maneira, a Cobrasma antecedeu o Bradesco, a molecada hoje vaia para o Bradesco, claro que não na mesma proporção. Porque na época Osasco tinha 100 mil habitantes. 1968 não tinha chegado a... 1968 um pouco mais. Década de 1960, em 1960 Osasco tinha chegado a 120 mil habitantes. A Cobrasma empregava 3.500, 4.000, dependendo da estação... na época. tinha uma força de trabalho que era... local, de uns 30, 35 mil... quer dizer, 10% trabalhava na Cobrasma, era significativo. Aliás, nessa época, Osasco tinha uma força de trabalho de.. perto de 90 mil e na Cobrams trabalhava muuita gente [enfase] de fora, e, que vinha ou dos municípios da região, que já eram municípios, Barueri, Jandira, Cutia, ou que vinha de São Paulo. 30, 40%, isso é impressão, não é pesquisa, mas 30, 405 dos empregado da Cobrasma não moravam em Osasco, vinham de fora. E Osasco era uma cidade industrial por excelência. Quer dizer, quem morava em Osasco trabalhava em Osasco, e além disso, a cidade recebia empregados de fora... depois mudou... Década de 1970 mudou, virou cidade dormitório. 

A indústria metalúrgica mais pesada era a indústria ferroviária. A Cobrasma nasce como uma empresa ferroviária. Quando eu trabalhei lá já fabricava poucos trens. Ela já começava a ser um setor de auto-peças. Começava a dominar... Começou a redirecionar. Nessa época ela fabricava... sei lá... 4, 5 trens por mês... Vagões por mês. É pouco, antes era muito mais. Então as indústrias ferroviárias, A Cobrasma, a Soma, a Sofunge, todas foram construídas ao longo da ferrovia da Sorocabana ou da Santos-Jundiaí... A indústria metalúrgica ficava nesse pedaço, lapa, barra funda... Barra funda para cá, até Osasco.Nessa fase o ABC era marcenaria, indústria quimica, ao longo da década de 1960 é que a indústria automobilística ganha impulso. E é principalmente nos anos da ditadura que há uma preferência pelas rodovias às ferrovias, que as fábrica desse lado entram... Ou vão mudando sua identidade ou vão falindo, e o ABC se fortalece.

Então aqui, a garotada queria passar por lá. E eu não fugi a exceção. Só que como eu não consegui ir para a Cobrasma, acabei indo para a Hervy. Aliás, minha mãe é que foi me arrumar emprego. Completava quatorze anos... Antes disso eu já trabalhava, fui ajudar meu pai nas obras dele. (...). Fui trabalhar na seção de pessoal, o Albertino era o chefe, ainda era o chefe linha dura, não tinha mudado. Era o cara mais temido da Cobrasma. O segundo mais temido... O mais temido era o diretor de relações indústriais chamado França Pinto. Fiquei dois meses trabalhando como office-boy dele, do Albertino. Ai fui trabalhar no escritório de arquivista na forjaria. Também fiquei lá nem sei porque, eu acho que iam mandar embora... Acabei saindo de lá e fui para a fundição, no escritório da fundição. Estava cheio de menores, não havia essa proteção que há hoje. O Ibrahim por exemplo, que tinha a mesma idade que a minha... (...). O Ibrahim foi trabalhar no controle de qualidade, andando no meio das coisas. Mesmo o office-boy, também era o tempo inteiro andando no meio daquelas... aço fervente passando naquelas pontes rolantes. Uma visão do inferno, o funcionamento de uma fundição, limpeza e acabamento, esmeril, ferro quente, ponte rolante passando por cima e pingando aço. Claro que eles levavam o aço em uma direção que não havia ninguém embaixo. Aliás o papel do operador da ponte rolante era ver se tinha alguém na frente e [avisar] sai, sai, [faz som de assovio]. De vez em quando aquele negócio caia em cima de alguém, triturava né..

Que ano o senhor entrou na Cobrasma?

1961, de 1961 a 1966, até começar a fazer o cursinho. Interrompi 10 meses, que eu não cheguei a ser demitido, fui fazer serviço militar. Aqui em Quintaúna em Osasco também, no Segundo Gcam 90, ao lado do Quartel Henrique, era o Quartel em que Lamarca serviria depois. O Lamarca era daqui. Quer dizer era daqui... era carioca, mas ele fazia... Era Comandante de uma Companhia aqui no 4° R.I. em Quintaúna... (...). Aqui em Altino, onde você esta morando... Dos dois lados, também tinha quartéis, esses foram removidos... onde está hoje o Walmart, o Shopping União... Ali era um quartel.

Bom... Então fui trabalhar na Cobrasma dessa maneira. Foi assim... Bom, da forjaria eu fui para fundição, na fundição eu fiquei um tempo trabalhando nos fornos. Tinha um escritoriozinho mínimo, fiquei lá, acho que um mês ou dois. Era office-boy dos fornos, um barulho infernal, um calor... Você ficava acho vinte metros dos fornos. Só podia sair do escritoriozinho (...) com capacete, óculos de proteção. Você tinha que andar rigorosamente dentro das faixas, era muito perigoso. A cada dez, doze dias morria um. Distraia, você morria. 

Então aquele caso do operário que morreu queimado não foi um caso isolado?

Não. Isso acontecia muito. Eu era garoto, quinze, dezesseis anos de idade, quando se começaram a organiza as CIPAS - Campanha Interna de prevenção de Acidentes -, hoje está generalizada. Mas eu me lembro do inicio, o pessoal vendo a CIPAs com um certa desconfiança: O que que é isso? Na verdade era a própria legislação trabalhista que evoluía. Os trabalhadores foram obrigados a ter CIPA, surgem as campanhas. Antes disso não tinha capacetes, não tinha nada. Era uma carnificina. Até hoje o número de acidentes é muito elevado... Na época era comum... era mais comum você morrer na fábrica do que na guerra né.

E ai fui pra a fundição, na fundição fiquei um tempo como office-boy, depois fui passei a ser Cardequicista, mexer com Cardeque, arquivista, de arquivos. Um pouco antes de ir para o quartel, eu desci para o depósito de modelos. Fui encarregado desse depósito de modelos, trabalhavam lá uns 10 caras, para entregar modelos para a fundição. Então fiquei trabalhando nesse arquivo. Fui para o quartel, voltei de novo. Só que o escritório da fundição era na fundição. Esta em cima da modelação...As coisas existem ainda... Dá para visitar. Não é difícil... (...) Agora uma grande parte da Cobrasma foi reativada por várias pequenas empresas. 

Mas fiquei na fundição esse tempo todo... Fazia ordens de moldagem para realizar a programação em relação a Macharia e a Moldagem, que se mandava fabricar as coisas. Também fiquei um tempo no Laboratório de areia, os moldes são para a fundição. Os moldes são de areia, ai você enche de metal quente. Dai que vem a peça. Os furos nas peças são feitos pelos machos... Que é um outro tipo de molde que é combinado com o molde de areia, que também é de areia, mas é outro tipo de areia que você introduz para fazer a montagem. Então o laboratório de areia é o que mede as areias todas, para que elas tenham resistência, umidade, a permeabilidade necessária para cada tipo de metal. Então o laboratório ficava o dia inteiro indo pegar as ultimas areias que estavam saindo, a cada dez minutos saia com duas latinhas. Ia pegar uma amostra de cada tipo de areia que estava saindo, ia para o laboratório medir. Ai media tudo isso, tomava as notas. Voltava lá e pegava as novas areias. 

(...)

O golpe não calou o movimento operário de Osasco?

Não. Deu uma reduzida forte. Reduziu muito. Como foi no Brasil inteiro. Mas o agora o que eu me lembro, 1961, 1962, 1963, greve do décimo terceiro, todo ano tinha greve.

Quem dirigia o sindicato na época?

Tinha o PCB, tinha um papel grande, mas não era só o PCB, tinha também o PSB, partido socialista. (...). O PSB o trotskismo usava, ele entrava, mas não só o trotskismo, mesmo um embrião de uma esquerda cristã mais radicalizada também entrava no PSB. Era pequeno, tinha uma presença maior no movimento operário, no movimento social, mas fazia deputados... tinha uma... Mas em fim, não elegia membros do executivo. A não ser em Pernambuco... Alguns Estado em que o PSB era mais forte, como é hoje... Já era um partido nacional. A POLOP usava muito o PSB como... para fazer o trabalho legal. Porque esses partidos de esquerda estavam proibidos, embora fosse um regime democrático, Constituição de 1946, eles estavam proibidos. Então... O Conrado del Papa é que era o presidente, [militante]do PSB. O vice é provável que fosse do PCB, o Lino do PCB. O Lino, quando o PCB acabou, ele era dirigente ainda do PCB. Aliás, o Papa, o Lino, o PCB foram contrários a nossa chapa em 1966. Ficaram na chapa dos pelegos. Era pelego, depois o pelego que a gente derrotou em 1967, 1967, o Henos Amorina, virou fundador do PT. Eu acho que ele seguiu uma linha de continuidade... Aliás ele era o pelego, se elegeu com apoio da comissão interventora, em 1964, houve a intervenção no sindicato, e a comissão apoiou uma chapa que é a do chapa do Henos, que ganhou. A nossa Chapa, Chapa Verde, foi montada contra o Henos, e nós não economizamos a palavra pelego contra ele. (...) Aliás [Henos] quase ganhou. Só não ganhou porque nós conseguimos sei lá, quase a Cobrasma inteira, 90% da Cobrasma. [a Cobrasma] fez a diferença.

Tivemos presença em outros lugares, na Brown Boveri, na Lonaflex, nas bases do sindicato em Cutia, porque as bases do sindicato eram, e ainda são, muito amplas. Abrange acho que umas sete ou oito cidades da região. Tem as sub-sedes hoje, sub-sede Cutia, na época não tinha isso. Mas a votação na Cobrasma foi decisiva. Não fosse ela, não teríamos ganho. 

Essa campanha eleitoral tem haver com a formação da comissão de fábrica?

Em parte sim. A outra coisa é o... A ditadura foi uma das principais responsáveis pelo surgimento do grupo de Osasco. O grupo de Osasco era um grupo de moleques, era um grupo que... aliás, eu entendo... eu tenho a sensação de que o movimentos como esse hoje, do passe livre, protestos, etc. Quer dizer, eu me vejo muito naquilo. Você pega um pretexto, que não é sempre que essas coisas acontecem, mas aquela situação de opressão, ditadura. No movimento estudantil, nos fizemos aqui uma greve contra o uniforme. Porque até ai, cada um ia para a escola como queria, com a roupa que tinha. A ditadura tentou implantar o uniforme, com a mesma idéia. Uniforme até tem uma coisa meio democrática ne... Não mostra a roupa, não poder ostentar a riqueza, mas para a gente o uniforme representava um imposição. Uma coisa que vinha de cima para baixo. E para a gente, o uniforme se inspirava na farda. Era tentativa de quartelizar o movimento estudantil, de quartelizar a vida civil. 

E aqui em Osasco ouve um movimento forte contra o uniforme. Não era nem uniforme, era usar uma capa branca, tipo um jaleco. E graças ao movimento contra o uniforme, nos começamos a estruturar greve em quase todos os colégios a pesar da ditadura. E foi um movimento diferente, tinha dia.. o diretor dizia: dia tal. (...). Era um cara que recebia ordens e re-transmitia: 'Até o dia X, quem não vier com o uniforme não entra'. 'Bom, então diz que é de uniforme, tá bom, vamos usar o nosso uniforme'. A decidiu... todo mundo... era época de junho, 'todo mundo em trajes juninos'. Calça remendada, vestido de caipira... 

Isso foi em que ano?

1967, 1966. Antes de eu sir do exercito, eu sai do exército em março de 1966, acho que eu já tinha saido. Já tinha saido... Não havia entidades. Todas tinha sido fechadas. No curso classico, eu fazia o curso clássico... Eu estava ainda no exército... Nós organizamos uma associação do curso clássico do CENEART. E essa entidade, foi a primeira vez que eu disputei... O pessoal do Partidão do colégio, queria organizar no curso clássico, uma associação litero-cultural Mário de Andrade.

Mas o PC tinha peso político aqui em Osasco?

Tinha. Tinha. Antes de 1964 tinha mais. Depois ele acabou perdendo espaço, deixou um claro, fragmentou. Antes da fragmentação... Mas perdeu iniciativa, estava com medo. Agora, os militantes do Partidão estavam no colégio. Eu nunca participei do Partidão. E eu falava:

'Que conversa é essa de associação litero-cultural?, Com uma ditadura no país pô. Matando , torturando, arrocho salarial nas fábricas... E vocês querem ficar lendo poesia?'. 

E eles insistiam nisso: 'mas é Mario de Andrade!'. 

'Ainda que seja Mario de Andrade! Nos também podemos ler Mario de Andrade, sem problema nenhum. Agora, nos temos que brigar contra o regime'.

Ai organizei a Associação... A proposta era fazer uma associação dos estudantes do Curso Clássico. Fizemos um plebiscito e ganhamos. Montamos uma chapa. O Partidão montou outra. Eu e um monte de independentes. Eu era presidente dessa Chapa. Ganhamos a eleição. Então a associação do Curso Clássico, no ano de 1966, liderou todos os movimentos, mesmo os feitos fora do colégio, do CENEART, não só os do Curso Clássico... Substituiu o grêmio, substituiu a antiga UEO. Em setembro de 1966, por exemplo, houve passeatas enormes em Osasco, de todos os colégios, em setembro de 1966. Houve passeatas grandes. Quer dizer, uma passeata grande, em setembro de 1966 houve a Setembrada estudantil. A UEE estava ressurgindo, a UNE...

Aqui não tinha universidade ainda, tinha?

Não. Começava a ter nesse ano, economia. Só secundarista. Em 1966 tinha o primeiro ano do curso de economia, que era uma escola particular, que depois acabou sendo incorporada a FITO - Fundação e Instituto Tecnológico de Osasco. 

Bom, e nós fizemos a passeata em 1966, e bom... foram reprimidas pela polícia. Nós fomos a Maria Antônia buscar orientação. 

Quantas pessoas participaram da manifestação da setembrada em Osasco?

Ah, uns 2 ou 3 mil. Significativo. Porque todos os colégios participaram. Quer dizer, a partir da associação do Curso Clássico, nós contatamos gente de todos os colégios de Osasco, eram uns 6 colégios públicos, dois colégios particulares... E marcamos um ponto de encontro no Largo de Osasco, que era bem diferente, chamava Largo João Pessoa na época. João Pessoa... Hoje é Largo de Osasco, praça Antonio Menkc... Então, tínhamos marcado ali. ali iam se encontrar os secundaristas que vinham de Presidente Altino, GEPA, os que vinham de Duque de Caxias, que era um colégio particular, alguns que vinham da Vila Iara, que é um pouco acima aqui... Outros que viriam do Km 18, uns 6 ou 7 colégios da cidade. Então o ponto de encontro seria no Largo de Osasco. Esse pessoal acabou sendo objeto de trabalho que a gente fez depois... Eu dando aulas de marxismo... Eu e o [Zequinha] Barreto, dando aulas formando essa garotada contra o Partidão...

Você estudou com o Zequinha Barreto?

No Clássico. Eu estava no terceiro [ano] e o Barreto no segundo. Servimos o exército juntos também, em baterias diferentes, embora vizinhas.

Bom, então o ponto da concentração seria esse. O colégio líder da manifestação, evidentemente, seria o CENEART, que era o único que havia, dentro dele havia uma entidade organizada. Que era o Curso Clássico e tinha essa associação. Só que quando nós saímos para esse encontro, ao lado do mercado ali... A polícia estava ali nos esperando. Então entramos debaixo de um puta de um cassete. Encheram de porrada. Ai a molecada começou a cantar o Hino Nacional. Os soldados não sabiam o que fazer, paravam... Porque quando ouve o Hino Nacional tem que ficar em posição de sentido. Isso depois virou uma técnica do movimento estudantil, depois eles não ligavam mais, batiam com Hino e tudo... Mas ai, quando a gente cantou o Hino Nacional, se colocaram em posição de sentido... Nisso a gente fugiu para encontrar o resto do pessoal no Largo de Osasco. Chegando no Largo de Osasco, a molecada subiu correndo pela Antônio Augusto, dispersando... 

Mas ai fomos buscar experiência em São Paulo. 'Vamos buscar... estão reprimindo também em São Paulo'. Ai fomos lá na Maria Antônia, no São Francisco: 'oh, como é que vocês fazem para se defender?'... Bombas de gás lacrimogêneo... Ai vieram alguns representantes do movimento estudantil... Fizemos algumas reuniões aqui, em casas secretas... De como se proteger das bombas, jogar bolinha de gude para a cavalaria... Mas ai o movimento acabou se esvaziando, não teve desdobramentos... Acabou também em São Paulo. E foi, aqui, basicamente um movimento de solidariedade a São Paulo, as universidades que estavam sendo perseguidas... Mas enfim, quer dizer... Então com isso, houve essa radicalização. Eu próprio acabei me endereçando para a esquerda pelo caminho mais estranho, quer dizer, servi o exército em 1965 junto com o Barreto... E em um período difícil de fazer o serviço militar, porque você vivia de prontidão, a cada 4 ou 5 dias surgia um boato que havia uma rebelião contra o golpe, subindo do Rio Grande do Sul, que estaria chegando ao Paraná, e o boato que chegava à tropa é que nos deveríamos reprimir esses movimentos. 

Então dentro do quartel, conversando com outros soldados que também eram do CENEAR... Eu, quando me alistei, acabei fazendo uma transferência para o CEPEU-R. Quando estava fazendo o Segundo Clássico, com Segundo Clássico você já podia fazer um curso de preparação para Oficiais da reserva. Só que, na época, ante do golpe, uma das razões para dispensa de soldados do serviço militar, era que eles estivessem fazendo... fossem estudantes de colégio... Porque dá muito trabalho, é um pessoal dificil de submeter a disciplina militar... Então eu falei... puta... E alguém comentou: 

'você é um idiota, onde é que já se viu, você se inscrever no CEPEU-R, ai você vai servir mesmo. Faz a sua transferência do alistamento para a tropa, porque ai você vai ser dispensado'.

Inclusive na Cobrasma, chefe falou isso, que ia dar aumento de salário e que não ia dar porque eu ia servir... Dai eu fiz a transferência, só que nesse meio tempo aconteceu o golpe... E quando eu fui à tropa, eles pegaram mais do que depressa, porque tinham caçado vários sargentos e havia uma escassez de quadros no exército. No segundo dia, nem usava a farda ainda... No segundo dia eu já fui dar serviço de plantonista. Na semana seguinte, no serviço seguinte, eu já fui dar serviço como Sargento de dia... Não sabia nem marchar. Porque não tinha, um monte tinha sido caçados, estavam no Raul Soares... E ai fiquei... Nos primeiros 5 ou 6 meses fui fazer o curso de Cabo por causa da escolaridade. Relaxei de propósito e não virei Cabo, continuei Soldado. E tudo que era de respeito ao Quartel me enchia o saco. Quer dizer, tinha que andar fardado vinte e quatro horas por dia, não podia sair na rua, o cabelo tinha que ficar rigorosamente cortado, bota engraxada, esse negócio me enchia o saco, quer dizer, e aquela disciplina militar: 'Um, dois, um dois... paga 10, paga 20'. As ofensas dentro do Quartel: 'Filho da puta! Sua mãe é arrombada!'. A linguagem que eles utilizavam para quebrar a moral do soldado e submeter às ordens. Então isso me irritava, para mim a vida militar era uma vida de burro, de idiota, tinha nojo da farda... Saia do Quartel, dentro do ônibus já tirava a gandola, chegava em casa jogava aquilo no tanque: 'mãe joga creolina nesse negócio porque eu não agüento mais isso'. 

E com isso, com os boatos dentro do Quartel de que havia tropas surgindo no Sul, etc... Conversei com um grupo de sete ou oito colegas que eu confiava, que eram do CENEART também, falei:

'Bom, se de fato nós formos removidos para lá, para combate às tropas do Sul, nós vamos pegar as armas que a gente puder da bateria, ou do Quartel inteiro, dependendo de como elas estejam, vamos jogar dento do caminhão (eu era motorista) e vamos desertar. Vamos passar para o outro lado'.

Então, não interessava muito, a gente nem sabia que era Brizola, quem era o Movimento Nacionalista, nem conhecia direito. Mas o outro lado só pode ser melhor do que esse (risos). E bom, acabou não dando, não acontecendo, porque a gente ficava de prontidão, passava, as vezes, 10, 12 dias sem sair do Quartel. Ai liberavam, 5 ou 6 dias depois, prontidão de novo. Mas acabou não acontecendo esse deslocamento. A gente não teve a oportunidade de fazer isso. 

Mas chegaram a ter um grupo, uma esquerda organizada dentro do exército?

Não chegava a ser uma esquerda. Éramos os revoltados, quer dizer, para onde os oficiais fossem, nós íamos para a direção contrária. Quer dizer: 'esses caras estão do outro lado'. Quer dizer, começa dessa maneira em 1965. Ao mesmo tempo, dentro do CENEART, no primeiro momento em que houve o golpe, eu até festejei o golpe. Achei legal, falei: 'Até que em fim (chamava revolução), até que em fim uma revolução para dar uma resolvida nesse país'. E tinha o pessoal, um cara que virou dirigente durante muito tempo, foi dirigente do Partido Comunista em Osasco por 20 anos, o Anderson Cleiton Figueiredo. Ele era da minha classe, fazia terceira série ginasial... E o Anderson foi jubilado na terceira série, porque ele foi reprovado duas vezes na primeira série, duas na segunda, na terceira ele foi jubilado. Em 1964 é o cara que acabou se exilando na União Soviética, e fez direito na União Soviética... Quando voltou, depois da... No final da ditadura e tal... Era o dirigente do PCB, e foi até... morreu a uns 6 ou 7 anos. Enquanto existiu o PCB ele foi do PCB, depois foi para o PPS e morreu no PPS. Morreu a uns 7 anos, 8. Mas, em fim, o Anderson, o Orlando Miranda, que também era da minha classe. O Orlando Miranda que tem um livro também Obscuros heróis de capricórnio. (...). Era da área de influencia do PCB, mas ele era ligado ao Moniz Bandeira... (...). Era mais próximo do trotskismo, mas ele se entrosava com o pessoal do Partidão, dentro da... Até 1964 apoiavam a chapa do Papão, do sindicato dos metalúrgico... Ele trabalhava na Cobrasma também... O Miranda, o Cleiton, eram caras mais velhos. Na sala de aula no CEARTE era um negócio engraçado, vou até te falar isso já... esse negócio do movimento... operário-estudante.

O número de ginásios estava se multiplicando no Brasil inteiro, antes da ditadura, e a ditadura continuou esse processo, porque precisava de uma força de trabalho mais qualificada com maior nível de escolaridade, e, na década de 1950, o cara terminava o primário e abandonava a escola, então muita gente já estava com 30anos de idade, 25, já eram adultos, já tinham se casado, construído família, muitos tinham entrado no exército, em fim, virado... tinham se engajado no serviço militar, já eram Sargentos, Segundo Sargento, Primeiro Sargento e só tinham o Curso Primário. No começo da década de 1960, quando começam a ser construídos os ginásios em quantidade, muita gente que tinha parado de estudar a 10, 15 anos antes, voltou. Faziam o Curso de admissão. Então em uma sala de aula... Não era nem o Segundo grau, era o Segundo grau... O que agora faz parte do Primeiro. Equivalia de 5ª a 8ª. Era 1ª a 4ª Ginasial. Você fazia de 1ª a 4ª Ginasial, ai fazia um exame, que era o Exame de admissão e entrava no Ginásio, que era de 1ª a 4ª série ginasial. Depois você ia para o Colégio, que era 1º a 3º Colegial, colegial é o Segundo Grau atual. Então o Ginásio equivalia as quatro ultimas séries, mas eram cursos separados. Então, um monte de pessoas que tinham terminado o Curso, já eram adultos, iam para a mesma classe. Então em uma sala de aula você tinha garotos de 11 anos de idade, como eu por exemplo, como o filho do Albertino (o Airton), acho que era até um pouco mais novo do que eu, acho que uns meses menos, o Ibrahim... e da nossa classe tinha um operário da Cobrasma, um cara que já era chefe de seção da Cobrasma, com 30 anos de idade. Toda sala de aula, os 44, 45, tinha 3 ou 4 militares. Segundo Sargento, primeiro Sargento, de vez em quando um Sargento da Polícia Militar. (...). Para estudar... Nem era infiltrado, porque não era ditadura ainda, foi antes do golpe.

Então, numa mesma classe, você tinha o molequinho, o barbeiro que já era um adulto, um alfaiate, um cara que era chefe de seção na Cobrasma, um outro que era Sargento, um outro que era Investigador de polícia, tudo isso era funções que só exigiam o curso primário. Então a classe era uma miscelânea. Em função disso, nós passamos por um processo de politização rápido, porque os adultos levavam para a sala de aula as discussões de adultos: as discussões que se travavam nos sindicatos, as discussões acerca das reformas de base do governo João Goulart. A classe se organizava, se polarizava, desde a eleição para representante de classes, até a eleição do grêmio, era extremamente politizado, e esses caras entravam... É isso que faz, que cria esse fenômeno do operário-estudante. Pode ser que isso existisse em outros lugares e certamente existia em Contagem, mas não era uma coisa comum. 

Então, o movimento autonomista, ele repercutia direto dentro do colégio. A molecadinha acabava entrando. Bom, meu pai por exemplo, era do Não. O Não era contra a autonomia. E não houve nenhuma outra razão... Quer dizer, 10, 12 anos, 15 anos antes, ele tinha vindo para Osasco porque Osasco era capital. Tinha mudado do interior para a capital, agora: 'Assim? A cidade que eu vim morar vira interior?'. Era só por essa razão. Achava... Como ele também era um cara que tinha uma tradição, uma raiz mais popular, achava que os dentistas, contadores do centro, queriam dirigir a cidade. Queriam ser os manda-chuvas locais. E dizia: 'Esses caras que se danem! Vão querer ser em cima de mim? Então é melhor o Não'. [Era] descendente de espanhóis etc... Tava passando um dia pelo Largo de Osasco, tinha um coreto, cheio de gente lá em cima, convocando o pessoal para ir até o Museu do Ipiranga, buscar a tocha. Ai seu subi no caminhão e fui junto. O Museu do Ipiranga acendeu uma tocha, trouxemos, ela ficou acesa aqui no Largo de Osasco. No caminho, esse caminhão que a gente foi em cima, passou pela, enfrente a cada do prefeito, na Prestes Maia... A molecada, mais do que depressa, jogando pedra na casa do prefeito... Ai, chegar em casa, como é que eu ia falar para o meu pai, que era do Não, que votava no não, que achava que o pessoal do sim era corrupto, que eu tinha participado de uma manifestação... acabou sendo um segredo... Tudo isso percorria a cidade. Só te dei um clima de como era esse negócio de operário-estudante... Também, você completava quatorze anos, você ia para fábrica. A família te mandava... Enfim, você tinha que trabalhar, ia ser office-boy e tal... Então você convivia com esses caras mais adultos no trabalho e na escola. Saia também, a cidade toda, ela convergia para essa região central, na Rua Antonio Agu. E tinha alguns bares em que os estudantes paravam, e que os sindicalistas também. Então você se encontrava todo dia, todo dia. Claro que os que tinham quatorze anos, como era o meu caso, ah, não tinha dinheiro né... ganhava meio salário mínimo, pouco, era meio salário mínimo. Era menos, ganhava meio salário mínimo. Eles já ganhavam pelo menos o dobro, que já tinha dezoito anos. Mas em geral ganhavam mais. Então, eles paravam, conversavam um pouco e iam embora. De vez em quando, filava uma cerveja, um guaraná, uma bicadinha na caipirinha... A molecada que só enchia o saco dos mais velhos. 

O pessoal do Partidão, o Cleitom, tinham passado pela Cobrasma, estavam dentro da mesma sala de aula... Nesses bares que você freqüentava, os pequenos grupos de teatro que havia, então você tinha essa interação... Até a geografia da cidade te forçava a isso. Porque a geografia da cidade jogava todo mundo para a região central, em volta das fábricas, os colégios eram centrais, poucos colégios. Então o pessoal da periferia vinham para o centro. Havia seis no total... O principal deles era o CENEART, era o ponto de referência, era o maior... O Ceneart foi grande. A noite tinha 1.500. Tinha três períodos, devia ter 4 ou 5.000 no total, de ginásio para cima. Ginásio: Clássico (que era um curso colegial voltado para humanidades), o Científico (voltado para a área de ciências que tinha duas subdivisões. Duas partes: uma voltada para exatas. A outra, voltada pra ciências da natureza, ciências médicas, biologia. E um terceiro que era o Normal, para formação de professoras primárias. E era imenso, quer dizer, os três níveis... E era o padrão de qualidade. Quem estudava no Ceneart entrava na universidade. Quer dizer, entrava... Tinha chance de entrar. Quem vinha de colégio particular estava ferrado, na melhor das hipótese ia para o Mackenzie, que era particular na época. Era e é particular. 

Então, eram dois símbolos de desejo, um que era trabalhar na Cobrasma, o outro, entrar no Ceneart. Dava prestígio na cidade. Isso rendia mais namoradinhas, rendia mais admiração, que dizer: 'fulano é inteligente, está no Ceneart'. 'Trabalha na Cobrasma'. 'Pode não ganhar bem office-boy, mas vai ganhar, tem futuro!'. E dentro do Ceneart, numa mesma sala de aula, estavam caras que eram: o Sargento, o Investigador de polícia, o funcionário público e o molequinho. era quem tinha passado no exame de admissão. Que era uma espécie de processo de seleção de uma elitizinha local. Bom, ali passavam todos os debates, mesmo antes da ditadura. A gente tem uma.... Se torna adulto, precocemente. Entrar no colégio era se tornar adulto antes da hora, claro que você continuava sendo moleque, não deixava de ser, mas acabava participando dos assuntos adultos. 

Então, eu em relação ao Partidão, achava que o partidão era burro, porque eles eram muito chatos. Todas as questões, eles vinham com a história do imperialismo. Falava: 'Não é possível que o imperialismo explique tudo'. Na primeira vez você achava fascinante, na segunda você fala: 'Pô, esse cara está se repetindo!'. Na terceira: "É um chato! Imperialismo explica tudo'. Isso em relação ao Cleitom, que tinha uns sete ou oito anos a mais do que eu. Em relação ao Miranda, que tinha uns 10 ou 12 a mais, que vinha para Osasco como Cabo do exército, engajado... Porque ai deixou, quando saiu do exército, foi terminar o colégio, o Ginásio, no Ceneart. Foi trabalhar na Cobrasma (...) o Miranda é esse cara que eu falei, que depois acabou tendo uma relação com o Moniz Bandeira... e que é o autor do Obscuros heróis de Capricórnio, hoje ele esta com 76 anos de idade, ele foi professor da USP. Aliás, o Obscuros heróis... é a tese dele, que tem tudo menos pesquisa, ele fez uma ficção, fez uma ficção... Até para não brigar comigo, ele foi altamente elogioso... O que ele colocou na minha boca não tem nada haver com o que eu disse. Mas não foi ele que fez a entrevista, ele mandou os orientandos dele fazerem as entrevistas (...).

Mas, em fim, era a mesma classe. e esses caras sempre com a explicação do imperialismo. E quando chega o momento... termina a terceira série... foi ai que o Cenearte mudou para lá em baixo, o Cleiton foi reprovado e jubilado: 'ah, comunista é burro, eles só falam as mesmas coisas'. Então a imagem que eu tinha do comunista, era de um cara mais tapadão... mais com uma inteligência de concreto, quando move alguma coisa, é aquele barulho de pedra... Mas a ditadura foi se aprofundando, eu nas forças armadas, a disciplina, bronqueado com os caras, e nessa época mesmo, resolvi ler o Marx. No Curso clássico, para combater o pessoal do Partidão: 'Tenho que conhecer esse tal de Marx porque esse cara fala... Então combater com conhecimento de causa'. Fui ler o Manifesto Comunista, Salário, preço e lucro, e o cara [Marx] me ganhou, o cara me ganhou, era de uma lógica, uma coerência, esse negócio de apontar para o futuro. Falei: 'Pô, mas o problema não é o Marx, o problema são esses cara que se dizem marxistas'. Então eu comecei a brigar com os caras do Partidão dizendo que eles não entendiam o Marx. Acabou sendo uma briga de primos.

E isso acontecia também com outras pessoas. Tá certo... Com outras pessoas, e a gente acabou fazendo esses encontros culturais, esses grupos que se formaram, então a gente começou a discutir a idéia da revolução. E nessa coisa da revolução o Partidão entrava. Inclusive porque o Partidão não tinha feito a resistência ao golpe. O Partidão tinha sido conivente, com a Via pacífica, mesmo depois do golpe, a gente propondo alguma forma de radicalização, e o Partidão sempre falando em nome da moderação. 'Pô moderação é a puta que pariu! O negócio é revolução! Fora disso é compromisso! Como é que vocês se curvam?'. Bom, então, nesse fermento cultural, que de repente, em 1966, presidente da associação do Curso clássico, recém saído do quartel, falei: 'Sou um cara de esquerda! Aliás, nós é que somos de esquerda. Esses caras não são. Na verdade eles só dizem que são de esquerda, eles são é de direita. Eles estão afinados com o regime'. 

E isso acontece com um monte de gente. O Barretão, por exemplo, dentro do quartel, nós não convidamos o Barretão para esse grupo que ia mudar de lado. Para a gente o Barretão era caxias, caxias é o cara que é o certinho, concorre com o Duque, na linguagem... Porque o soldado que se apresentasse totalmente alinhado, a farda engomada, muitíssimo bem passada, o cabelo cortado, cortado zero, barba bem feita, aquele coturno reluzente, era premiado com menção no boletim, no boletim interno do exército e dispensado do serviço. O Barreto que vinha, vinha, porque ele era convocado para o serviço, vinha dar plantão, trabalhar de guarda, sentinela... Todo dia que ele era convocado... era bateria do lado da minha, era a bateria mais caxias, a primeira bateria. Eu estava na quarta, que eram baterias vizinhas, aquela bateria era caxias, bateria certinha. E o Barreto, nessa companhia, sempre era dispensado, de tão alinhado que ele entrava. Na verdade ele tinha um projeto. Ele tinha recém chegado do interior da Bahia, tinha dificuldade enorme para conseguir emprego, para sobreviver, quando foi fazer o serviço militar, tinha visto isso como uma oportunidade de profissionalização, tinha o projeto de se incorporar ao exército, se engajar, que era a linguagem... E fez o possível para isso, o que ele gastou de goma e de graxa no sapato... Só que quando terminou o tempo, ele pediu para se engajar e não foi aceito porque era nordestino. Sentiu na pele a questão da discriminação dentro do exército. E, eu já era um relaxado, queria me rebelar, em fim... Mas ai, dentro do Ceneart, após o serviço militar, a gente acaba se entendendo. Ele foi meu vice-presidente na associação do Curso clássico, na Chapa. 

A partir desses movimentos, dessas passeatas, tal, nós partimos para duas coisas: uma delas, organizar, re-organizar a UEO com o nome de CEO - Círculo de Estudantes de Osasco - em 1966. Em 1966 eu tinha saído da Cobrasma, estava fazendo cursinho, e acabei entrando, na primeira tentativa, em filosofia na Maria Antônia. O Barreto fez no ano seguinte, o vestibular, também entrou em ciências sociais. Uma coisa que o pessoal não fala muito, como se você ter sido estudante da USP pegasse mal. Pra um cara que tenha... operário que dirigiu a greve da Cobrasma... Mas o Barreto entrou em ciências sociais, começou a fazer. Não chegou a passar para o segundo ano porque no meio teve uma greve e ele se afastou. Mas quando houve a greve ele era estudante de ciências sociais... 

Em fim... eu entrei um ano antes que ele, então em 1966... ah não... ele era o segundo vice-presidente, o primeiro vice-presidente era o Geraldo nascimento. Ai o Geraldo Nascimento assumiu, eu entrei na USP, em fim... Tinha saído da Cobrasma um pouco antes, mas logo depois. Entre esses movimento e o vestibular, haveria eleições nacionais, para eleger Senadores, Deputados, Prefeitos, Vereadores de Osasco. Ai nós fomos procurados pelo Guaçu Piteri, queria nosso apoio, ele era do MDB. E havia três candidatos do MDB, havia três candidatos do MDB, sub-legenda, e três da ARENA. Então... a UNE defendia o voto nulo, nós, o grupo de Osasco aqui, que vinha da passeata...que começava a preparar a participação da eleição do sindicato dos metalúrgicos, que tinha o Ibrahim e o Roque na comissão de fábrica da Cobrasma, o Ibrahim era o presidente... Era o presidente por uma razão... a mais comezinha possível... O Ibrahim fazia o Curso científico, ele era da mesma turma que eu: eu primeiro Clássico e ele primeiro Científico, eu no segundo Clássico, ele no segundo Científico, terceiro e terceiro. terminamos juntos. E ele estava fazendo o Científico... Os outros membros, o Groff, etc, eram todos operários da antiga, a maioria deles não tinha acabado nem o primário. Um ou outro excepcionalmente tinha terminado o curso primário, os quatro primeiros anos. Então, o Ibrahim tinha sido eleito pelo controle de qualidade, estava fazendo já o primeiro ou segundo Científico, então ele foi escolhido como presidente porque era o que tinha maior escolaridade, o cara mais capaz de escrever a Ata. Foi essa razão... Claro que a liderança vem depois, tá certo? A liderança vem depois. Num primeiro momento, se reúnem os operários, simples, quer dizer... aquela coisa, meio que caiu do céu, proposta pelo patrão... Então escolhe um cara com maior escolaridade. 

Essa comissão de fábrica com o Ibrahim, foi a primeira?

Foi a primeira [em 1965]. E o Roque participou dela, o Roque foi secretário porque estava fazendo Ginásio, Roque Aparecido da Silva. (...).

Então, em 1966 o Guaçu nos procura, a UNE propõem o voto nulo. Então, esse grupo, que se encontrava e tal, que depois acabou ficando conhecido como Grupo de Osasco, que era essa molecada... Adota uma posição hibrida. Nós decidimos anular o voto nas eleições nacionais, para Deputado, Senador... Mas votar na eleição local, e mais do que isso, decidimos lançar três candidatos a vereador e apoiar. Nesse acordo implicava.. Esse acordo com essa fração do MDB, na época havia comícios, implicava subir em palanque, falar, no primeiro comício quem falou foi eu... no chamado Jardim d´Abril. Os candidatos eram três: Pedro Proscurcin, que era do controle de qualidade, junto com o Ibrahim na Cobrasma, que era um cara que tinha sido do Partidão, parece que depois voltou a ser de novo, na época estava rompido com o Partidão. Era um cara 4 ou 5 anos a mais que a gente, só que mais equilibrado. O outro que era um motorista de praça, chamado Lucídio Vieira dos Santos. E o terceiro, um bancário, chamado Saburo Matsubara, o Saburo, hoje é dono de uma rede enorme de hotéis, chamada Hotéis Matsubara, dono de alguns Motéis e dono de uma Faculdade aqui na Fernão Dias. O Lucídio se internou pelo interior. Depois da greve, quando terminou o mandato, o Pedro Proscurcin, perseguido pela polícia, depois houve as prisões do Partidão, acabou se mandando, foi trabalhar na Volkswagen no ABC e ficou no ABC. Mas os três se elegeram. Então nós elegemos três vereadores. E tinha os grêmios nos colégio, e o CEO, a partir do CEO organizamos grêmios em todos os colégios e em 1967, encabeçamos a Chapa Verde do Sindicato dos Metalúrgicos e ganhamos o Sindicato dos Metalúrgicos contra os pelegos, contra o Henos Amorina... Contra o Henos sobretudo.

Mas ai, o seguinte, o que que nós tínhamos, o grupo de Osasco, três vereadores. Elegeram os três, o Sabura acabou virando um pelego... acabou se enturmando, fazendo corrupção, usando o mandato para ganhar dinheiro. Os outros dois permaneceram mais ou menos fiéis a gente. Freqüentavam os movimentos estudantis... Ai, começo de 1967: 'Vamos montar uma chapa!'. Só que de concreto, dentro das fábricas, nós tínhamos um trabalho dentro da Cobrasma, o Ibrahim tinha sido o presidente, estava terminando o mandato da comissão... era de dois anos [o mandato]. O Ibrahim estava terminando o mandato, que foi de 1965 a 1966, até esse comecinho de 1967. Em outras fábricas, nós tínhamos gente, que você tinha conseguido, ou nos colégios, ou em conseqüência do trabalho na Cobrasma, mas era um trabalho menor...

Além dessa comissão de fábrica da Cobrasma, havia outras comissões?

Não. Só Cobrasma.

Nem clandestina?

Não. Só depois da Cobrasma. Depois que nós chegamos ao sindicato, então, a partir do sindicato, tentamos organizar comissões de fábrica em outros lugares. Acabamos organizando na Lonaflex, montando um embrião na Brown Boveri, mas a partir do sindicato. A Comissão da Cobrasma veio debaixo para cima e do patrão para baixo. As outra vieram a partir do sindicato, a partir da experiência da Cobrama, até ai não existia. Você tinha pessoas isoladas que tinham saído da Cobrasma, na Lonaflex tinha o Neto. Aqui na Brown Boveri tinha o Tigrão [Octaviano], que era da Frente Nacional do Trabalho, Octaviano... Bom, mas em fim, tinha só Cobrasma. A Frente Nacional do Trabalho tinha em outros lugares, a Frente participava da Chapa do Henos. E participou de novo depois. Ai nós fizemos uma proposta para a Frente. ela tinha uma simpatia [com o Henos], mas não tinha uma iniciativa de se articular, mas estava fechando com a outra Chapa, tinham gente na diretoria anterior, e acabaram entrando depois. Depois que nós fomos caçados eles acabaram voltando a participar com o Henos. O que aconteceu foi o seguinte, eles participaram da direção do Henos [1965-1966], foi vice-presidente que era deles. Depois, o próprio José Pedro, foi vice-presidente do Henos também.

Agora nós decidimos: "vamos fazer, vamos montar uma Chapa'. Então como é que a gente faz para ganhar, a partir disso. Então reunimos com a frente, propusemos uma coalizão, e o Ibrahim ofereceu o seguinte: 'todos os cargos para a Frente, exceto um; a presidência'. Então, a Frente vai tomar o sindicato, só não vai ter e presidência. Só fechamos esse cargo. E a Frente topou. E o que era a Chapa Verde? era uma Chapa em que nós tínhamos a presidência, que era o Ibrahim. quem que éramos nós, o Grupo de Osasco, também não era um grupo organizado, a gente não tinha uma experiência de centralismo democrático.

Mas tinha militantes de correntes, do PCB e outras correntes que se desprenderam?

Poucos. O Pedro Proscurcin, t inha o Neto (...), Manoel Dias do Nascimento.. O Neto foi o segundo orador, ele e o Barreto, na Praça da Sé. Hoje ele era presidente do Sindicato... Foi da VPR também... Também ficou preso vários anos... ficou exilado. Ele era o cara que dirigia a comissão de fábrica clandestina da Lonaflex. Que é a segunda fábrica que foi ocupada [em 1968].

Todos nós já éramos [da VPR], quem entrou na véspera [da greve da Cobrasma] foi o Neto, nem sei se ele lembra... O Neto entrou pela minha mão. E o Ibrahim entrou 15 dias depois. O Ibrahim estava guardado na casa do Fábio Munhoz, que era trotskista. 

Então em janeiro-fevereiro estavam montando essa Chapa?

Fevereiro. Então a gente monta a Chapa, propomos a aliança com a Frente, eles tinham todos os cargos. Ninguém entrou na Chapa, ninguém, não entrou Neto, não entrou o Roque, ninguém. E eu nem poderia porque eu não estava mais na base. Não entrou o Neto... A Chapa todinha era da Frente, esse era o acordo. E, bom, fazemos a campanha, vamos pro pau, e ganhamos a eleição, desse jeito que eu te falei. Acabamos assumindo a direção. Só que nós éramos minoria na diretoria. Um dos principais dirigentes da Frente, que era o Albertino Oliva, foi nomeado secretário do negócios jurídicos da prefeitura, foi integrar o segundo escalão do governo do Guaçu. Foi secretário municipal, em 1967, em 1966, 1967 quando o Guaçu tomou posse. O Guaçu depois, inclusive nomeia, abre um monte de cargos para que nós indicássemos. O Graçu era um janista de esquerda... Tem um livro escrito por ele, grande, de memórias. que ele também fala dessas coisas e tal... (...). O Albertino foi secretário jurídico dele. Então a gente estava no sindicato, mas meio ilhados, você está na presidência... Osasco acabou tendo um papel importante, um papel central na organização do MIA - Movimento Inter-sindical Ani-arrocho. (...).

Em todos os lugares onde o Ibrahim chegava, era o Ibrahim, quer dizer, era recebido com festa cada vez maior, porque Osasco passou a ser um símbolo. Era o único lugar em que a Oposição sindical estava no poder. Os demais sindicatos que integravam o MIA, eram descontentes, dissonantes com o Joaquinzão, com o Metalúrgicos de São Paulo, mas não chegavam a ser uma oposição. Os bancários, por exemplo, estava o Brandão, que era do Partidão, inclusive chegou a ser Deputado do Partidão, mas era a própria moderação. (...). A gente acaba vocalizando mais as oposições. Então, as oposições, cada vez mais, passam a vir a Osasco. Osasco vai se transformando em uma Mecca das oposições sindicais. (...). De outro lado, o MIA também tinha uma relação com o movimento sindical, com o Joaquinzão, etc. Então o MIA radicalizava, dentro do MIA a radicalização era puxada por Osasco. Osasco aglutinava as oposições. Mas o MIA também dialogava com o Joaquinzão, com a pelegada. Então, a proposta do Primeiro de Maio de 1968... Bom, o que aconteceu em novembro [de 1967], a proposta aprovada pelo MIA era de 35% de aumento ou greve. Houve um aumento de 2 ou 3% dentro do arrocho, e a greve não aconteceu porque não havia organização. Sofre uma frustração generalizada. 

Bom, nós corríamos o risco de nos isolar dentro da diretoria. Então desde o primeiro dia da gestão, nós criamos um negócio chamado Vanguarda de Fábrica. Essa Vanguarda de Fábrica, era uma espécie de Grupo de Frente, politizado, que era o grupo que liderava os esforço para construção de comissões de fábrica, etc, e que eram operários que se destacavam dentro dos movimentos em cada seção, com que a gente fazia um trabalho político mais aprofundado. Ou seja, dentro da fábrica... você politizava... 

Tem um cara, também não sei se ele se lembra. ele era da diretoria dos Metalúrgicos, acabou virando pelego, o Lacerda. Ele está ainda na diretoria, acho que está aposentado hoje. O Lacerda era da Brown Boveri, um trabalho na Brown Boveri. Você forjava algumas lideranças, quatro ou cindo, pegava esses quatro ou cinco, marcava reuniões clandestinas no bairro, e esse pessoal recebia um curso de formação rápida em marxismo. Então, um curso muito rápido com base no Manifesto comunista e Salário, preço e lucro, para explicar o que era mais-valia e revolução e ditadura do proletariado. Quem dava esse curso éramos eu e o Barreto. Também por critério escolaridade, não por sabedoria. Então demos trocilhões de cursos, trocilhões. Então o pessoal da Vanguarda de Fábrica era esse pessoal que tinha uma atuação destacada dentro da fábrica, tinha passado por esse curso nosso de introdução à política. era um pessoal que tinha um certo preconceito contra a esquerda organizada, induzido por nós. Sobretudo o PC, o PC era um [preconceito] fundamentado, o resto não chegava a ser tão fundamentado. O resto advinha mais da minha experiência dentro do movimento estudantil... Porque eu comecei a fazer filosofia em 1967, acabei sendo candidato do Centro de Filosofia numa Chapa com a POLOP, eu não era da POLOP, o presidente era o, um economista da Globo hoje, Carlos Alberto Sardenberg, ele era da POLOP, foi presidente da Chapa. Perdemos para a "Chapa dissidência" do Benetazzo que morreu depois, virou para a ALN e acabou morrendo. 

Bom, então eu acompanhava o movimento estudantil universitário, e ficava pessimamente impressionado com as assembléias estudantis, a técnica das 'Questões de ordem', 'Um aparte'. Aquelas reuniões que não terminavam nunca. As manobras para esperar o esvaziamento. Mas esperava o esvaziamento para decidir, ai o resto não queria acompanhar, é era questão de ordem de outra natureza... Ai eu trazia isso para Osasco, para a nossa fermentação cultural aqui, e para os cursos que eu dava, para dizer: 'o movimento estudantil, é a pequena burguesia, olha como é que a pequena burguesia age, com as questões de ordem, aparte, enrolação, manobra, é um espaço para o individualismo, Zé Dirceu, Zé Arantes, todos passavam por essa formação. Então a Vanguarda de Fábrica, eram aproximadamente 700 operários, a partir de 1967, em 1968 estava chegando a 700 operário. Isso, algumas dezenas de cursos depois. O Ibrahim, quando ficava em minoria na diretoria, e vivia ficando em minoria, então nós mobilizávamos a Vanguarda de Fábrica.

O Ibrahim chegou a militar no PC?

Não. Nunca foi. Nunca esteve. Ele tinha relação. Na verdade, a única militância que o Ibrahim teve anterior [a 1968], foi no Grupo do Onze, que ele nem entendia muito bem o que era, até 1964, do Brizola. Tinha um Grupo de Onze aqui, e ele estava na Cobrasma, participou lá sem saber muito bem. Antes disso também, ele recebia o jornalzinho da POLOP - Política Operária, mas partidão ele nunca foi. Eu também nunca fui do Partidão, aliás eu me formei politicamente contra o Partidão, na crítica ao Partidão. O Ibrahim tinha uma militância que era um pouco anterior, em 1964 eu não tinha nenhuma participação, o Ibrahim começava a ter, só que no Grupo do Onze, se ele foi alguma coisa foi Brizolista, mas também o Grupo dos Onze não durou. [O Ibrahim] não chegou a participar do MNR do Brizola. Teve esse flerte com a POLOP que ele também não entendia, era moleque, e moleque da periferia. 

Então, nós aqui, o que fazíamos, quando o Ibrahim se isolava na diretoria, você convocava assembléia. Como as assembléias tem os prazos estatutários. Você fazia um direção de massa. Então com isso, nós acabamos dando a direção do sindicato, um caráter de assembleísmo, que era um processo de radicalização constante das massas, se dava um impasse na diretoria, chamava a assembléia, só que a assembléia, o regimento do estatuto do sindicato estabelece prazo, tem que publicar, leva uma semana, dez dias... Ai então, nesse meio tempo, a gente chamava a Vanguarda de Fábrica... Ai os 23 (se eu não me engano era esse o número de diretores), 24 eu acho, da Frente [Nacional do Trabalho]... eram cercado pelos 700. Você chamava para o dia seguinte uma reunião que apareciam 300, parecia uma assembléia. E esses 300 saíam para as fábricas convocando a assembléia, a assembléia era nossa. (...). A Vanguarda de Fábrica tinha 700, a Vanguarda estudantil tinha 250, 300. Mil pessoas na cidade. 

Pessoas de variadas corrente?

Não. Pessoal que seguia nossa orientação, pessoal que seguia nossa liderança. Não tinha partido, nós éramos independentes. Então, isso também dava uma certa unidade para a gente. 

Você não estava em nenhuma entidade sindical?

Não. Nesse período eu já... estava fazendo filosofia na USP, Osasco era meu espaço de militância. Além dessa militância no sindicato, nós tínhamos Sociedade amigos de bairro, utilizávamos o espaço que nós tínhamos junto a prefeitura para mobilizar os movimentos de bairro, por ônibus, por creche, escola. Usávamos também o mandato dos vereadores para organizar por bairro... nossa atuação... Nós dominávamos o movimento estudantil, o Sindicato, nos tínhamos o presidente, e a Vanguarda de Fábrica, a partir dos dois nós controlávamos, nós deixamos a Frente [Nacional] refém. Tanto é que nós começamos a preparar a greve sem que a Frente soubesse, com alguns dirigentes da Frente contra, como o João Candido... (...). Mas acabou sendo depois isso, porque eles não sabiam. Nós começamos a preparar a greve como uma ação militar, preparando nos mínimos detalhes: a que horas aconteceria, o que iria acontecer em cada lugar, combinar... E a Frente não sabia. Começamos a preparar a greve na Vanguarda. Para a Frente, nós jogávamos o mesmo que a gente jogava para a massa, que era a propaganda da greve. Que era recuperando a idéia da campanha anterior, salarial anterior, do dissídio: '35% ou greve!'. E era isso, quer dizer, então fazíamos o chamado para a greve no jornal do sindicato, em panfletos à parte que nós fazíamos, nos discursos do Ibrahim... O pessoal da Frente se entusiasmava...

Você escrevia em conjunto os discursos do Ibrahim?

Os discursos do Ibrahim não. Mas os panfletos, basicamente, eu escrevi todos, pelo menos... Eu era o redator... Na greve também, acabei fazendo a imprensa da greve, o balanço da greve, que propõe uma 'greve de grevilha' em continuação à greve, que é assinado... O Ibrahim é que estava perdido, nós não sabíamos aonde o Ibrahim estava. Porque o Ibrahim só participou do primeiro meio dia da greve. Depois disso o Ibrahim sumiu. O Fábio Munhoz pegou o Ibrahim na saída da Cobrasma, depois da, única, assembléia e levou para uma chácara. E o Ibrahim ficou isolado... Nós acabamos dirigindo, sem estar o sindicato, sem nada, a Frente não tinha convicção, não sabia, não tinha experiência...

A Frente participou do MIA?

Ela ia. Em algumas, até pessoas da Frente falaram. Agora, as posições defendidas no MIA, inclusive pela Frente, não eram as da Frente, eram as nossas. Quer dizer, era a questão da hegemonia. E a nossa, era uma posição da radicalização, quase porra-louca. 

Então, nesse período, de 1967, o que teve de mobilização?

A Vanguarda, a formação de sociedade amigos de bairro, a atuação dentro da câmara com os três vereadores, dentro dos colégios...

E o primeiro de maio de 1968...

O primeiro foi dentro do MIA. O MIA aconteceu o seguinte, junto com a direção dos sindicatos, do movimento sindical, foi marcado um ato, que era o primeiro de maio da Praça da Sé com a presença do Abreu Sodré. 

Então vocês conseguiram fazer mais uma assembléia do MIA em 1968?

Mas, ai é a direção do MIA. Quem convida é o movimento sindical. As direções sindicais continuam a se encontrar, o Ibrahim continua. Do MIA não, do MIA acho que foi janeiro a ultima, janeiro ou fevereiro, em Osasco... Foi uma das ultimas, um pouco antes da greve da Barreto Keller.

Então aquelas assembléias de Campinas, Sorocaba, Guarulhos discutiam mais a questão do arrocho?

A questão do arrocho. O que o MIA faz é marcar um posição forte contra o arrocho. O MIA cria a palavra arrocho para descrever uma situação. 

Quando começa a discutir o primeiro de maio, já pe a partir de fevereiro de 1968?

Já é fevereiro. Começa a preparar. 

Essa assembléia do MIA em janeiro de 1968 em Osasco, tinham quantas pessoas?

Encheu. Encheu o sindicato, ficou muita agente do lado de fora. Umas duas mil. Ali dentro cabia umas 900 pessoas, apertadas, no salão. Não é despropositado falar em 2000. Sempre há um certo exagero, mas acho que está correto. 

Mas, nisso também acontece... o... movimento estudantil. Em março foi morto o Edson Luís, ai, o movimento estudantil aqui, que tinha o CEO, etc.. programa e faz duas passeatas. Faz uma primeira passeata dois dias depois aqui em Osasco (...), a primeira teve 2.000, que foi preparatória para a do dia seguinte. No dia seguinte fizemos uma outra: 5.000, que foi uma passeata ruidosissima. Mas, aberta, com fotografia do Ho Chi Minh, bandeiras de Cuba, fotos do Che, que tinha morrido seis meses antes, sete meses antes, e... radicalizadissima... No meio, o exército tentou infiltrar uns capitães, o pessoal prendia os capitães, tomaram os documentos, levaram o maior cacete. No fianal da passeata, de repente, vinham lá os caras me entregar um 38 do capitão, que eles tomaram. 

Os estudantes descobriram que tinha gente infiltrada e desarmava?

Os estudantes... Levava o cara para o meio do matinho, tinha vários terrenos baldios no caminho, ai 20, 30, levavam o cara para o meio do mato, davam-lhe um cacete, tomava as armas do cara, documento, dava um pontapé na bunda...

Nessas passeatas só duas pessoas falavam, que era para não queimar o restante, que éramos eu e o Roque, em todos os lugares. Era... fazendo os discursos agitadíssimos. chegava no final... você nem tinham mais o que dizer de novo, já tinha esgotado o seu repertório. 

Mas vocês ainda eram independentes, você e o Roque?

Independentes. Todos independentes. Ai a gente já tinha contato, porque acontece o seguinte, final de 1967, mais ou menos, a gente tinha tanto curso para dar, no movimento estudantil a gente era mais relaxado, os cursos tinham 30, 40, enchia uma sala do CEO... Mas as Vanguardas de Fábrica era rigoroso, eram quatro ou cinco [operários] não tinha mais do que isso. Primeira reunião todo mundo já adotava nome de guerra, vamos esquecer esse endereço onde a gente está hoje, ninguém quer saber o nome da mulher de ninguém, de filho, em fim, era uma aula de clandestinidade. Embora, fossemos todos independentes. Mas eram tantos grupos que a gente não dava conta. Quer dizer, você tinha dois, três grupos por dia, a semana inteira, de segunda a segunda, e só eu e o Barreto... Então, nós começamos a usar pessoas de São Paulo, das organizações, que eram pessoas que você conhecia no movimento estudantil. Aquele que você achava mais interessante, então, eu por exemplo convidei o Ottaviano del Fiori, a Betona, que eram da Quarta Internacional, o Walter Paixão... (...). Então você trazia esse pessoal da Dissidência, da AP, e confiava grupos, para que eles dessem esses cursos. Você passava mais ou menos o que a gente pretendia, e entregava os grupos na mãos, mas a, o pessoal dos próprios grupos, que acompanhvam a nossa liderança, falavam: 'Pô, o estudante que vocês arrumaram lá, pra dar curso, tá dizendo que vocês são porra-louca, que vocês não sabem como fazer...'. Ai o cara vinha lá com as palavras de ordem da AP: 'O povo na rua derruba a ditadura, expulsa o imperialismo'.... 

'Que é isso cara, é arrocho ou greve!'. 

Mas o cara não falou isso... Explicou o que era mais-valia, não?! Então cancela aquele grupo. Isso acabou reforçando o nosso discurso obreirista. Porque o pessoal vinha para cá, claro, eles queriam ganhar gente, queriam ganhar pessoas. Ai você entregava um grupo para o cara dar uma aula de marxismo... Então isso acabou reforçando o nosso obreirismo, foi depurando isso [isolando as correntes]. Já não entregava mais grupos... O único grupo que não fez um trabalho contra, que conservou a nossa simpatia, foi a POLOP, a cisão da POLOP, os dissidentes da POLOP, que viriam a formar a VPR. Até porque eles eram foquistas. Eles eram Debreistas, então eles não tinha uma posição para o movimento operário. Então, eles estavam aqui para ajudar, já que Osasco estava havendo uma radicalização, mas eles não tinham uma alternativa, então eles não fizeram um trabalho deletério junto aos quadros que a gente confiava a eles. E acabaram ganhando a nossa confiança, foram se aproximando... Nos outros grupos a gente deu uma gelada. 

Quando a greve chegava perto, todo mundo querendo fazer panfletagem própria, na porta de fábrica, etc, aquele desespero, a corrida às massas né... E a gente teve que criar uma linguagem... Teve que criar não... acabou criando uma linguagem própria. Os nossos panfleto eram panfletos escritos em um tom épico, sabe, romântico, a gente não terminava nenhum panfleto com palavra de ordem, esse negócio de povo na luta ou povo organizado, aquelas diferenças entre as organizações. No final até passamos a usar cor, imprimir papel em cor, papel colorido, espaço entre as letras. Os trotskistas faziam textos quilométricos, escrevia um lado, depois continuava do outro, panfleto em três páginas... (Os nossos nunca passavam de meia [página]). Todos terminando com palavra de ordem, espaço um... Nós escrevíamos com espaço 2, uma coisa legível, tamanho de letra maior, não muito maior, porque era máquina de escrever, era limitado, embora o sindicato tivesse máquina elétrica. Mas era na linguagem, quer dizer, então a gente estabeleceu formas de comunicação. Ai inventamos as terezas, é pendurar, colocar nos muros, na entrada de fábrica, e o pessoal sabia quais eram os nossos e liam os nossos. 

Nisso, o pessoal da POLOP acaba ajudando, o Dias, o Pio, a Ieda, então eles vão se aproximando, ganhando, o nosso, o grupo de Osasco, por outro lado, não era um grupo leninista, não tinha esse negócio de maioria, minoria, direção... Só havia direção moral e intelectual, não a direção orgânica.

Mas era um grupo de quantas pessoas, umas 20?

Esse núcleo? Era maior. É que ele era, como era um grupo espontâneo, ele era cheio de concêntricos. Então ele tinha um núcleo, núcleo, que se reunia para as coisas mais importantes, que eram 7 ou 8: era o Roque, o Ibrahim, o Pedro Proscursin, eu [Espinosa], as vezes o Davi Gronga, o Natael, o Neto (sempre), esse era o núcleo, um núcleo moral, não era um núcleo orgânico, digamos, eleito por ninguém, se perguntase para os outros se nós dirigiamos, os outros até ficaraim ofendidos. E, em torno desses, de cada um, havia outros, que também participavam em graus diferenciados, mas era um grupo que fazia tudo. Nós organizavamos o bailinho para arrecadaçãode fundos e participação, o pessoal tinha que se divertir também, salões de artes plasticas frequentes, frequentes, Waldomiro de Deus por exemplo, apareceu nessa época expondo os quadros, grupos de teatro, jornaizinhos, trabalho em periferia, festivais de música. Tinha festival de música com platéia diária, durava quinze dias, aquele sistema de seleção, torcidas organizadas, etc... com 1.500 pessoas assistindo todo dia, todo dia, aqui em Osasco, festival de musica popular de Osasco. Junto com isso a mobilização sindical, as passeatas, o movimento estudantil, e como a greve foi preparada nos mínimos detalhes, a nossa maior preocupação é que a greve ia acontecer... estava a Maria Antônia estava ocupada, desde abril mais ou menos, que a greve ia acontecer no recesso do movimento estudantil... Então nós bolamos um Curso de recuperação estudantil, com alunos de todos os colégios, e com professores que eram militantes do movimento estudantil que eu recrutava na filosofia, física, nessa época, ainda pertencia a filosofia, matemática ainda não era um estudo independente, biologia, psicologia, tudo isso ainda integrava a Maria Antônia, se bem que nem todos estivesse na Maria Antônia. Então, com estudantes de todas as tendências, trotskistas, stalinistas, o MCI, de todas elas, todos voluntários. Nós montamos a reprodução de um curso ginasial com todas as matérias, Curso clássico, Científico e Normal, todas as matérias. Conseguimos junto a prefeitura, um colégio, que era um colégio, municipal, que era um colégio de madeira que chamava Colégio Osasco, Osasco? Não lembro o nome do colégio... perto da Igreja... 

Dia primeiro de julho [de 1968] começou: Curso de recuperação escolar, 700 inscritos... alunos... E ali tinha excelentes... até hoje encontro pessoas que se lembram desse curso, falam: 'Pô, eu nunca aprendi tanta matemática quanto naquele curso que vocês organizaram, outros filosofia, em fim... Começou no dia 1º, a greve foi no dia 16 de julho. Bom, começou uma repressão desbragada, uns que davam aula tiveram que sumir, Waldir gordinho...Waldir Ferreira... O curso começou dezesseis dias antes. A gente sabia que a greve ia ser no dia 16. Estava programado. Era complicado, você não tinha mimeografo, tinha que...

O João Joaquim disse que na Cobrasma eram cerca de 100 pessoas que sabiam da greve...

O João Joaquim... A Frente [Nacional do Trabalho] tinha mô bronca do João Joaquim, porque o João Joaquim era uma cara da Frente, mas que acompanhava o nosso grupo. Era tido como infiltrado, ele era o cara que ia conosco. Era lá da Cobrasma o João Joaquim, ele era apontador de produção na Cobrasma, trabalhei junto com ele lá. E o pessoal mais velho da Frente, o próprio Groff, o Groff, o Zé Cândido, eles achavam o João Joaquim meio que uma infiltração dentro da Frente. Estou te falando isso porque acho que ninguém vai te falar...

Mas é um Curso que foi uma parte importante na greve, uma coisa completamente paralela, o que dá uma dimensão do trabalho que a gente fazia na cidade. Na verdade, o grupo de Osasco, era muito mais uma coisa anarquista. Nós éramos anárquicos, quer dizer, tudo valia. E como esse negócio que eu te falei da greve por causa do uniforme, do boicote do uniforme, um dia vestido de noiva, outro dia de traje de gala, que usava em festa de formatura.. E fizemos uma greve... Também não era só metalúrgicos, a greve dos metalúrgicos teve uma participação importante das moças da Granada que eram do setor químico, que participaram da ocupação do sindicato dos metalúrgicos, cozinhavam e faziam o trabalho de enfermagem durante a greve, e eram químicas. 

E qual foi a importância daquele primeiro de maio nessa organização?

É que são dois eventos diferentes. Mas os dois são preparados. O 1º

de maio também teve esse negócio de uma preparação, de núcleos, que estão um dentro do outro, em que cada núcleo mais fechado você tem uma coisa mais radicalizada. Então,o primeiro de maio foi preparado pelo conjunto do movimento sindical, incluía os pelegos, Joaquinzão, os pelegões tradicionais. E o MIA participava disso. Dentro desse movimento, do movimento sindical, foi negociado, que falaria, quantos falariam, falariam dois ou três do MIA. Um dos que falaria pelo MIA seria o Ibrahim. Foi negociada a ordem da... Isso no movimento sindical geral. O MIA, além dessa participação geral, se reunia à parte. Então o MIA falava da radicalização dentro da... depois de começada a manifestação. Algumas pessoas do MIA, sabiam da ocupação [do palanque], agora dento MIA, o pessoal de Osasco, o grupo de Osasco se preparou taticamente, para a ocupação, para tomar o palanque. Então, esse grupo Dory, Dory depois integrou a ALN e morreu lá em Presidente Altino. Estava... A casa dele foi cercada, ele tentou fugir pelo telhado, foi abatido, caiu do telhado no quintal, morto. O Dory era da construção civil em São Paulo. 

O Dory conseguiu porretes, esse porretes serviram para... você colocava cartazes. Na hora você tirava o cartaz, tinha um puta de um porrete com prego na ponta. Ele também conseguiu umas duzentas barras de fio de telefone, que você dobre e é um cassetete. Então, Osasco, nós preparamos o seguinte, Osasco mandou, se eu não me engano, 9 ou 19 ônibus, que foram para a praça das bandeiras, o pessoal concentrou lá. As lideranças, para as lideranças não tinha ônibus, foi todo mundo de trem. Eu por exemplo, fui com uma barra de fio amarrada aqui na cinta, chegar na hora e tirar. Vamos até a Praça Júlio Prestes. Ai fomos a pé, até a Praça da bandeiras. Lá juntamos, então, de Osasco tinha entre 900 e 1000 pessoas. Tinham outras pessoas de osasco que foram soltas. E esses 1000 de Osasco, é a Vanguarda de Fábrica e a Vanguarda estudantil, ou seja, era o pessoal nosso. Bom, pra você ter uma idéia disso, só para a VPR foram 80 quadros de Osasco. Osasco dobrou o número da VPR. Osasco deu expressão a VPR. 

E foram ganhos nesse meio tempo, de fevereiro até a greve?

Não, não, não. Depois, Todo mundo foi depois, ninguém foi antes do 1º de maio. Os únicos que no primeiro de maio, os únicos que já estavam no primeiro de maio, eu acho que era o Roque e o Barreto, só. Só os dois. Foram os primeiros a serem ganhos. Porque nós éramos um grupo anarquista. Então fizeram a cabeça do Roque, ganharam o Roque, ai fizeram a cabeça do Barreto, levaram o Barreto, e eu acabei entrando bem depois da greve, depois do primeiro de maio. E quando eu fui ganho pelo Admir, que era o Dias, em uma reunião lá casa da Jandira, que era mãe da Aninha, que era mulher do Roque, lá em Presidente Altino também, ela morava... Nessa reunião que eu fui ganho, eu soube que a Organização que estava tentando me recrutar, tinha preparado um esquema especial para o primeiro de maio. A Praça da Sé era um pouco menor do que é hoje, tinha mais uns sobradinhos num canto, uns prédios... E um desses prédios, tinha sido montado um ninho de metralhadora pelo pessoal armado. Se a repressão viesse, eles dariam um combate a repressão. Não houve repressão, o Abreu Sodré teve o bom senso de evitar isso, bom...

Mas, vocês estavam em número muito grande, não ia ser uma boa reprimir...

Não. Ia ser uma loucura. E o pessoal ia reagir a bala. E eles [a repressão] ia agir como? A bala. Morreriam dezenas de pessoas ali, ou até mais. Mas enfim, tinha, nós não sabíamos disso, na preparação. Isso foi uma iniciativa independente, dos quadros militares do que seria a VPR. 

Mas a VPR era pequena ainda nesse 1º de maio?

Era pequena. VPR devia ter uns 60 militantes. 

E estavam todos lá na praça?

Ah, sim. Não, a esquerda estava lá. O Marighela foi lá, o Jacob Gorender foi lá...

E o Lamarca era mesmo um dos chefes da segurança pela ditadura?

Não. O Lamarca é uma outra história que eu também sou a fonte por outras razões, porque depois acabei sendo amigo do Lamarca. O Lamarca estava no 4º RI [regimento da Infantaria]... Eu sou a fonte disso, porque ele morreu. Isso é uma coisa que ele me contou e eu passei para frente. O Lamarca era um oficial destacado, era um Capitão. (...). Mas, em fim, depois eu fiquei sabendo por ele, era um período em que havia uma entressafra de soldados da 7ª Companhia de Guardas. A 7ª Companhia de guardas era encarregada do policiamento do QG - Quartel General -, e reveza isso com a APE, era uma entressafra, os soldados antigo tinham dado baixa, e os novos ainda eram inexperientes. Então, nesse período, que estava dando guarda no QG eram os soldados do 4º RI, que não é a função deles normalmente. Então como o SNI tinha informado que haveria o primeiro de maio, que seria perigoso, que podia ser que a repressão da polícia paulista não desse conta, então, o exército botou um grupo de prontidão no QG. O Lamarca era o campeão de tiro, era tido como um Capitão CDF, caxias, então o Comandante do RI nomeou o Lamarca para comandar esse negócio. Então, foi a Companhia do Lamarca que foi deslocada para o QG e ficou à disposição, se a polícia de são Paulo chamasse, a primeira tropa do exército que entraria, seria esse grupo do Lamarca. 

Só que o Lamarca tinha, dentro da Companhia, um trabalho político. Com sete ou oito soldados, mais alguns Sargentos, etc, uma parte deles, acabaram depois desertando com as armas. E ele preparou os caras: 'oh, ninguém vai bater em pai de ninguém aqui, ninguém aqui vai bater em trabalhador", preparou o pessoal: "Vocês vai seguir o que eu, que sou o Comandante, mandar, está certo?'. E ele me disse que se eles fossem chamados, na hora de fazer a repressão, mudariam de lado. Na verdade, aconteceria outra coisa, tá certo? Teria um fogo cruzado nosso. O nosso pessoal que estava no alto dos prédios, com a força comandada pelo Lamarca. Um não está sabendo do outro. e acaba... em fim, nem sei como seria isso...

Bom, então estava esse pessoal em cima do prédio, o Lamarca no Quartel, Osasco, 900 a 1000 se concentram na Praça da Bandeira, vamos em passeata na Praça da Sé... Praça da Sé o pessoal estava se concentrando, estava ali... aquele clima no ar. Quando chega esse grupo de Osasco, com poucas pessoas da frente [Nacional do Trabalho], eu até acho que o João Joaquim devia estar nesse grupo. Quando esse grupo chega, e entra na Praça da Sé: '35% ou greve!', 'greve já!', com cartazes, agitando... Quer dizer, aquilo pega fogo, certo... O pessoal fala em 12 mil, não cabia isso. Praça da Sé... no máximo cinco ou seis mil. Metade do que falam. Hoje é maior, hoje caberia. Hoje cabe até uns 40, 50 mil. Mas na época não cabia isso. Mas era bastante. E também não estavam todos ali, estavam nas imediações, chegando... Mas ali dentro uns 5 ou 6 mil... E quando Osasco chega, mil entram no meio de 5 mil, quer dizer... é uma alavanca né... Aquele negócio se levanta, e o pessoal de Osasco vai, atravessa e cerca o palanque. Ai você começa a dizer: 'Vamos tomar o palanque!'. O plano era tomar o palanque quando o Ibrahim falasse, ou, se não desse nesse momento, quando o Abreu Sodré falasse. O Abreu Sodré não podia falar, esse era o plano, mas nem sempre acontece como você quer. Primeira coisa, o Ibrahim não chegou a Praça da Sé. O Ibrahim não participou. 

Por que?

Bom, o primeiro de maio rendeu uma intervenção no sindicato dos metalúrgicos...

Mas ele não chegou porque ele se atrasou ou porque ele decidiu não ir mesmo? 

Ele disse o seguinte, que o irmão dele não achou a Praça da Sé. Ele foi com o irmão. o irmão dele achou que ele não devia ir de trem e nem com o ônibus, devia ir de carro, e o irmão o levaria, e que o irmão dele se perdeu no caminho e não chegou. O fato é que o Ibrahim não chegou a Praça da Sé. Então, não haveria o discurso do Ibrahim.

Então, quer dizer que não foi proposital o grupo de Osasco esconder o Ibrahim?

Não, não [ênfase]. Quem falar isso está mentindo, quem falar isso está mentindo. Foi uma decisão pessoal dele. Que ele depois delegou para o irmão. Disse que o irmão dele não achou a Praça da Sé. Que era uma desculpa das mais esfarrapadas, que não fazia o menor sentido. Na verdade, eu acho que o Ibrahim fez uma avaliação, ele acho que seria uma porra-louquisse ele liderar a tomada do palanque. Que ele sairia de lá preso ou morto. E se não acontecesse um coisa ou a outra, ele estaria destituído do sindicato. E como nós já vínhamos preparando a alguns meses a greve, ele achava, o que eu acho até acertadamente, que a destituição dele da presidência, inviabilizaria a greve. Então, eu acho que é isso. Anos depois, eu falei isso para ele: 'não foi isso?, cá entre nós, não achar a Praça da sé, isso é desculpa esfarrapada'. Ele falou 'É mais ou menos por ai. Tanto uma coisa quanto outra, eu também estava pensando isso, mas na verdade meu irmão não achou mesmo'. Mas ai eu falei: 'E você não fez a menor questão de ajudar ele achar a Praça da Sé, não podia abrir o vidro e perduntar: oh onde é a Praça da Sé? Qualquer criancinha te falaria'. Mas em fim. Mas eu acho que foi uma decisão dele, aquelas decisões difíceis de um cara dizer que fez, e principalmente porque depois disso ele passa a ser cultuado, é o lider das massas operárias, o lider da principal manifestação de primeiro de maio, que lavou a alma da classe trabalhadora, que foi uma bofetada no meio da cara da ditadura, então porra, o cara vai dizer 'eu não fui'. Então criou aquela situação. Mesmo porque o sindicato foi caçado, o sindicato sofreu uma intervenção que durou 15 dias, e 15 dias depois ele voltou a... ele e a chapa dele voltou... Muita gente da Frente, o Zé Cândido, etc., torcia para que o Ibrahim não voltasse. Inclusive chegaram a conversar com o General Silvio Gaya, que era o delegado do trabalho em São Paulo, para que o Ibrahim fosse afastado... 'Bom vai sobrar para a gente né'. Mas, 15 dias eles ficaram fora, mas era um intervenção voltada contra o Ibrahim... (...).

E ai também, como a chapa era... não havia... na chapa, quem era o presidente, o vice. Essa questão, de que é o presidente, o vice, é uma questão interna da chapa. Você até coloca na propaganda e tal. Mas não... O regulamento da eleição sindical não exige essa definição. Bom... então foi isso. Mas, agora, na Praça da Sé, também o Abreu Sodré não chegou a falar, tem alguns... Já li em livros assim: 'Quando Abreu Sodré começou a falar...'. Mentira, porque nós não conseguimos controlar também. A idéia era essa, só que o Ibrahim não chegou...

Mas o Abreu Sodré estava em cima do palco na hora?

Estava. Estava no palco, ele o Vandré...

(...)

Ai, o que eu me lembro, naquele burburinho, falou um sindicalista, falou um outro, acho que nem o Joaquinzão chegou a falar... Mas, ai, de repente, começou aquele mexe, mexe, se entendeu? E começa a balançar o palanque, de repente vem um ... ovos jogados no palanque, que atingem várias pessoas, uma acerta o Abreu Sodré. E eles saem correndo do palanque, eles descem. Atrás tinha a escadaria para a Igreja, que era uma escadaria mais pronunciada do que hoje. (...). Antes era maior... Mas, ai, sobem todos correndo e entram... O Vandré estava no palanque... Ai, eles descendo do palanque, uma outra turma sobe... E de repente, quem está com o microfone na mão: José Campos Barreto, não estava no plano. Ai o Barreto faz ali o discurso agitado, chamando para a greve, falando da ditadura, quer dizer, faz o discurso da cultura VPR, em que ele já estava, passa a palavra para o Neto, e fala mais um cara que é do ABC... falam uns três. Ai eles convocam para a passeata, quem também não estava prevista, até a Praça da República. Ai sai a passeata, na hora nós não tínhamos organizado uma segurança, quem estava na passeata, uma segurança mais ou menos organizada, era p José Dirceu da UEE, ai o pessoal da UEE começa a fazer a segurança da passeata, com uma posição, que era a posição da dissidência do partidão. Então, são eles que impedem que o CitiBank seja completamente quebrado, um cara que estava no meio da massa, eu conheci esse cara depois, o Barbosa, o Jessé, esse cara acabou quebrando o vidro do Citibank. Mas ai, os seguranças do José Dirceu impediram. Mas à frente nós passamos pela concentração da Guarda Marítima, a Guarda marítima era a elite da Força Pública, ai eles impedem... Apesar disso, alguns dos porretes que sobraram, nós jogamos na Guarda Marítima, provocando a Guarda Marítima. Mas eles tinham ordem de não intervir (..), devia ser uns 120 ou 240 mais [na guarda marítima] no começo, depois tinha mais se fosse preciso, claro, é o estado né... Mas eles não reagiram a nossa provocação. 

A turma do Zé Dirceu, também, fazendo a segurança impediu que a gente se aproximasse mais. Mas a marcha continuou. Na Praça da República tinha um Coreto. Ai o Barreto sobe, na Praça da República, no Coreto, e o Barreto faz o discurso... Ai, esse discurso do Barreto, já é chamando para a revolução, para a derrubada armada da ditadura, chamando para a guerrilha no campo e na cidade, em fim. Um discurso que não estava nos planos, tá certo, não estava planejado. O plano era outro, era tomar o palanque na hora que o Ibrahim falasse, talvez fazer uma pequena marcha pelo centro, no caso, era feriado, não estava tudo cheio de gente, mas em fim, foi isso que aconteceu no Primeiro de Maio. 

Quer dizer, foi um primeiro de maio emblemático, que rendeu cassação, cassação não... a suspensão do mandato da diretoria por quinze dias. Mas com isso, o clima para a greve fica pronto, tá certo, o clima para a greve fica pronto. E a campanha, o que falta é só ultimar os preparativos. O panfleto sobre o primeiro dia da greve, que era um panfleto descritivo, quer dizer, começava com o seguinte: 'Hoje as oito da manhã, o apito da fábrica da Cobrasma'... Conforme os planos, não tinha acontecido [a greve ainda], a gente mandava rodar no mimeografo, precisa dizer que tinha muita relação muito positiva com os trotskistas... Quem roda é a UEE, José Dirceu, a gente conversa com o Zé Dirceu, só que eles precisavam de quatro dias para rodar. Então, quatro dias antes, o panfleto que circularia no dia 16 de julho, já estava escrito, estava sendo rodado. Descrevendo, nesse estilo dos nossos textos: 'Hoje, o apito da fábrica tocou fora de hora, eram oito e quinze da manhã (...), não era festa, não era nada, era greve. A greve contra o arrocho. A greve pela dignidade dos trabalhadores. A greve (...)'.

Foi rodado, quer dizer... Estava sendo rodado enquanto a gente fazia... ultimávamos... E, o começo da greve, foi exatamente como nós prevíamos. Na Cobrasma, ai começaria pela limpeza e acabamento...

A greve de Contagem impactou aqui em Osasco?

Muito, muito. Houve dois impactos: o mais importante deles foi o de Contagem. Todos os nossos cálculos eram baseados em Contagem. Em Contagem, levou 10 dias para que a repressão fosse ativada, houve 10 dias de tentativa de negociação. Então a gente também achava que eles iam tentar negociar. Em Contagem, a diretoria do sindicato disse que foi pega de surpresa e que a greve era espontânea. Nós também planejamos isso, o sindicato ia fazer de conta que não sabia de nada. O Ibrahim ia se oferecer como mediador, se ofereceu como mediador. Então, o plano todo baseado em Contagem. No primeiro dia foi certinho, as 8:15 da manhã, 8:20, tocou o apito, começou na limpeza e acabamento, foi tomado o refeitório, foi organizado, o Barreto assumiu a liderança, foi para a porta, montamos guardas na portaria. Eu estava do lado de fora, ai eu já estava na VPR, a VPR alugou dois aparelhos: um aparelho aqui na Vila Iara, um quilômetro acima daqui [região próxima ao centro de Osasco], onde funcionaria a imprensa, tinha lá mimeografo, em fim... a imprensa. Três aparelhos foram alugados...

A VPR já tinha um grande número de militantes em Osasco?

Ah sim. Só o Ibrahim não tinha entrado, o Neto entrou na véspera... Ai já tínhamos entrado em uns 40 mais ou menos. As principais lideranças já estavam todas na VPR.

Era em Osasco que estava o maior núcleo da VPR?

Ah sim. O maior núcleo. E da VAR-Palmares também. Sempre foi. Claro, a VAR-Palmares depois, é uma organização bem maior, nacional. Mas Osasco sempre foi muito expressivo.

A VAR-Palmares tinha quantos militantes aqui em Osasco?

Os 80 ficaram. O único que não foi para a VAR-Palmares foi o Neto. O Neto ficou na VPR. 

Então tinha uns 80 na VAR-Palmares e mais uns 40 na VPR?

Não. A VAR-Palmares é o resultado da VPR. Quando a VPR fundiu com a COLINA, surgiu a VAR-Palmares. Deixou de existir a VPR. Depois, houve um racha dentro da VAR-Palmares, esse racha adotou o nome de VPR, o mesmo nome, que eu, para clareza, chamei de VPR II. Dos 80 de Osasco, cerca de 80, um foi para a VPR II, que é o neto. Os outros todos ficaram na VAR-Palmares, muitos já estavam presos, em fim, mas ficaram na VAR-Palmares. (...). Então, a VPR tinha esse aparelho na Vila Iara, um outro aparelho na Vila Iolanda, que era para funcionar como enfermaria, você levaria pessoas para serem... que fossem feridas, para serem cuidadas, tinha médicos da VPR, o Pio, que era médico. E um outro aparelho no São Francisco, São Francisco pertence a... São Francisco não... Jaguaré... Jaguaré já não pertence a Osasco, pertence à São Paulo, que era um aparelho de retaguarda, se precisasse esconder alguém, etc. Bom, esses três aparelhos aconteceu o seguinte, nos confrontos da Cobrasma, machucaram algumas pessoas, uma delas foi o próprio Natael, foi levado para o Vila Iolanda. O nosso aparelho aqui, de imprensa, puts, nós desconfiamos que ele tinha caído, porque era uma circulação... entra papel, sai papel, gente, e começou a greve, e, puta, todo mundo olhando, puta, vai cair esse aparelho de uma hora para outra. Ai resolvemos desativar. Fomos lá para o Jaguaré. Ai ficamos no Jaguaré. E a greve, depois de ocupada [a Cobrasma], estava dentro dos planos, o Ibrahim se ofereceu para a delegacia do trabalho como intermediador, como mediador, foi junto com o delegado do trabalho, com os donos da Cobrasma, chamaram uma assembléia no meio da...

Essa assembléia foi às 10 da manhã? 

Depois... Meio-dia, que durou até umas três da tarde, quatro. Ai, bom, não houve acordo, porque não era para haver mesmo, tá certo?! O Ibrahim fez o papel, difícil, de ator, ficar fazendo de conta no meio. Não podia sair com esquema, o carro do sindicato saiu, aparece. Saiu a pé pela rua da estação, foi quando ele foi localizado pelo pessoal do Fábio Munhoz, trotskista, do primeiro de maio, e sumiu. Bom, à noite vem a repressão. Além da Cobrasma, foi ocupada também a Lonaflex. Estava previsto que no dia seguinte, seria ocupada a Brown Boveri. (...). Isso deveria acontecer só no dia seguinte. Nos outros lugares haveriam paralisações, por exemplo, a Barreto Keller, que era o segundo fato que eu esqueci de te falar:

O primeiro impacto foi o de Contagem. O segundo foi uma greve espontânea que aconteceu na Barreto Keller. De repente, como fruto da nossa agitação, o pessoal da Barreto Keller se avançou e fez uma greve em abril, na mesma época que Contagem. E acabaram se incorporando, entraram todos no grupo, na Vanguarda, e houve um acordo intermediário para esperar a outra greve, a greve de verdade. 

Então [durante a greve da Cobrasma] nós iríamos para a porta, e disseram que não tinham condições de parar sozinho, e então nós tivemos que ir até a porta, e montamos um piquete na porta. Só que além da Barreto Keller, na hora do almoço, além da Barreto Keller, as moças, químicas, da granada, também entraram. Fomos em passeata até o centro de Osasco. Houve também passeata da Brás-eixos, que era em frente a Cobrasma, [foram] até o sindicato. Então ninguém ficava desativado, desmobilizado, não eram como as minhas [greves da adolescência], que eu voltava para casa de bicicleta, botava um calção e saiu procurando um campo. Bom, e ai foi. algumas fábrica não pararam no primeiro dia, a Brown Boveri, por exemplo, só pararam no segundo [dia], a Brás-eixos também, só parou no segundo, o [Joaquim] Miranda trabalhava na Brás-eixos.

Mas ai, no primeiro dia, 8:00 da noite, a repressão baixa na Lonaflex, cercam a Lonaflex, fica aqui em cima [faz um gesto]...

E na Cobrasma eles ainda estavam negociando?

Na Cobrasma nem estava negociando, já tinha interrompido. Na Cobrasma, o pessoal [da negociação] foi embora, foi servido o jantar, em fim, foi reforçada a guarda para a noite... 

Ai a cavalaria, PM, veio aqui para a Lonafex. Fechou, intimou... O Neto, avaliou de dentro que não haveria condições de resistência, resolveram sair e ir para o sindicato. Foi o que aconteceu... Saíram na hora, no dia seguinte alguns foram para o sindicato. A dominada a situação aqui [na Lonaflex] eles rumaram para a Cobrasma. Ai com força total contra a Cobrasma. Na porta da Cobrasma teve aquele lance, que o filme até mostra, tem também um CD feito pelo sindicato (...). A Cobrasma é desocupada na porrada. Lá pelas dez da noite, nove e meia, dez da noite, a cavalaria irrompe portões a dentro. 

O pessoal da Lonaflex vai para a frente da Cobrasma?

Não, não. A Lonaflex desocupou, a maior parte foi para casa. As lideranças foram para o sindicato. No dia seguinte, uma parte da massa da Lonaflex, ao invés de ir para a Lonafex, foi para o sindicato.

[na Cobrasma], a repressão vai das 9 e meia, 10 da noite até umas 4:00 da manhã, para desocupar a Cobrasma. Ai tem porrada, um monte de gente é presa. São presos 400 dentro da Cobrasma. São colocados lá na frente, aquela fotografia, que tem um cara na primeira fila, aquele cara é o Natael, que está com as mãos na cabeça. Está no Paraná hoje. era da VPR, VAR-Palmares, foi preso depois, respondeu a processo, o advogado dele, aliás, foi o mesmo que o meu e o da Dilma, do Amazonas (...). Então, prendem 400 ali, os 400 são levados para o DOPS. Dos 400 não foram todos, uns 200 foram levados para o DOPS, foram soltos em 1 ou 2 dias, foram soltos. 

No dia seguinte, nós marcamos uma assembléia na Igreja, dia 17, na Igreja Matriz de Santo Antônio, ai no meio da assembléia, irrompe a polícia. Um padre entregou. Ai nós conseguimos marcar uma outra assembléia no outro dia... Bom, acontece a mesma coisa...

E nesse primeiro dia, na assembléia na Igreja, tem prisões?

Já. Todas elas tem prisões. No [dia] 18 também tem prisões. E com isso, o movimento fica acéfalo, o sindicato desaparece. Então, nós, a partir desses aparelhos da VPR, assumimos o comando. O Ibrahim sumido, Barreto preso na polícia federal, por ter liderado a ocupação da Cobrasma, o sindicato, os sindicalistas sumiram, todos. Também ninguém queria assumir, porque a Frente [Nacional do Trabalho] não ia querer se queimar. Então nós acabamos meio que assumindo, a VPR, mais os quadros mais destacados da vanguarda, aqueles que você encontrava. E você encontrava esse pessoal como, na rua, você entendeu?! Ia para a rua tentar achar gente, localizar, 'vamos montar um piquete', para ir a um lugar a outro, começamos a inventar coisas... fazer piquete, por exemplo, em um aponte que havia no Piratininga, para que o pessoal que vinha do bairro do Piratininga não chegasse. Montava piquete para as ruas... As ruas todas ocupadas pela polícia, cada esquina dois soldados armados, tal. Então você passava escondido no carro. Escondido no carro, cheio de boné, em fim, disfarçado. Ia lá para um bairro de periferia, onde passava muito ônibus, ai você colocava o carro atravessado na rua, ia parando os ônibus, entrava dentro dos ônibus, fazia discurso, pedia para o pessoal descer, para o motorista ajudar, engarrafava o trânsito. Então não ia, os trabalhadores daquele bairro, trabalha naquele dia.

Ai, nesse meio, nós fazemos, no aparelho do Jaguaré, um panfleto, um balanço da greve, que é assinado pelo Ibrahim que estava sumido, pelo Barreto que estava preso. Assinatura dos dois. E propondo a continuidade da greve como 'greve de grevilha', mas não tinha jeito, foi se esvaziando, se esvaziando, e em 10 dias todo mundo já tinha voltado. Apesar disso, houve aumentos, os patrões perceberam que o clima não estava favorável e houve aumentos, mas também houve repressões. A Brás-eixos, por exemplo, eles construíram uma espécie de cerca entre as seções, para impedir a circulação, a partir daí. Intervenção no sindicato, nomearam interventor, demissões em massa. 

Nesse meio tempo, caí um cara chamado Joel Clemens, esse cara era da AP [Ação Popular], nesse meio tempo não, depois. Em janeiro [de 1969] tem prisões da VPR, ai é VPR já, passa a se chamar VPR em dezembro. (...). Em fevereiro caiu um cara da AP, aqui em Osasco, que era um pastor, Chamado Joel Clemens, era um belga, e esse cara caiu com um caderno com atas de várias reuniões. Ele tinha participado de algumas reuniões da Vanguarda Operária de Osasco. Então ele colocava titulo: 'Reunião da Vanguarda, dia tal'. Só que tinha sido presa a VPR. Ai 'Vanguarda do dia tal, José Cupertino de Novaes, o Groff, não sei quem... não sei quem'. Ai os caras saem prendendo, prendem 60. São levados para o DOPS, inclusive são torturados. Um desses 60 é o próprio Albertino. Só que eles estavam imaginando que era a Vanguarda Popular Revolucionária. 

Então os militares já estavam torturando em 1968?

Já, Já. O Barreto foi torturado. Mas isso [do caderno], foi em 1969, porque a ata que o cara... Nós nem sabíamos que o cara fazia ata, imagina. Não era nossa prática fazer ata da reunião da Vanguarda. Mas as pessoas que ele nomeia na reunião... 'Fulano falou isso, beltrano falou aquilo'... A repressão foi buscar um por um, imaginando que eles fossem da VPR. 

Mas, e se eu te perguntasse, por que não foi vitorioso o movimento de 1968?

Ah, não tinha clima. Não tinha condições objetivas. Bom o plano da greve, além de... Até a.. essa reunião que eu te falei, na Cobrasma, até ai foi conforme o planejado. Depois disso, a repressão não fez mais a parte dela [risos], ela tinha que esperar pelo menos mais uma semana. Mas ai, nos nossos acertos, seria ocupada no dia seguinte a Brown Boveri, o que não aconteceu, a greve se ampliaria, três ou quatro dia depois, Guarulhos entraria em greve em solidariedade. Se Guarulhos conseguisse entrar, uma parte dos metalúrgicos do ABC também pararia. A greve, depois chegaria a Santos. Chegaria ao Rio de Janeiro, depois do Rio chegaria a Contagem de novo. Então, o plano, era que a greve de Osasco se transformasse, que Osasco fosse o estopim de uma greve geral. Como a repressão não fez a parte dela conforme o planejado [risos], não esperou o tempo que nós precisávamos, então tudo isso foi abortado. Bom, porque que não deu certo, porque as condições objetivas não estavam favoráveis para a gente. 

Então não é porque foi feita por um pequeno grupo? Porque 100 pessoas apenas sabia da greve?

Olha, é uma interpretação possível. Uma interpretação possível. Mas eu acho que não. Porque saber da greve, todo mundo sabia, todo mundo tinha sido atingido pela propaganda. (....). Um pouco mais, era umas 400 que sabia. O que umas 400 pessoas sabia mais detalhadamente era dos planos. Estavam inseridas nos planos. Agora, debaixo da ditadura, de um policiamento intenso e ostensivo, a greve só aconteceu porque foi preparada clandestinamente. Se você fosse decidir em assembléia o dia, o local, quem ia desligar a máquina tal, não teria acontecido. Ela só aconteceu porque foi organizada clandestinamente e a maior parte dos planos não era de conhecimento da repressão. Porque foi preparada em planos distantes. Cada um desses 400 sabia o que ele ia fazer, mas não sabia o que os outros fariam. Se de repente um entregou, foi um pedaço que caiu, mas a maior parte foi preservada. Agora, só tinha como... Como é que você faz uma preparação detalhada, técnica, debaixo de uma ditadura, aliás, mesmo na democracia, imagina se o movimento do Passe Livre conta qual vai ser o trajeto, acabou o movimento.

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Dois relâmpagos na noite do arrocho
Retirado do site: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
 
A.R. Espinosa


As greves operarias de Osasco e Contagem em 1968 foram apenas dois breves e

intensos relâmpagos. Não bastaram para trazer a classe operária à luz do dia da luta política. Depois do breve (brilho) seus lampejos apagaram-se na longa noite de 14 anos (1964-1978) em que o movimento operário se viu reduzido a resistências individuais ou moleculares. A importância dessas greves, entretanto, não foi obscurecida pelos dez anos que se seguiram. As bandeiras da contratação coletiva do trabalho, dos reajustes trimestrais do salário e do desatrelamento da estrutura sindical voltam hoje a tremular, orientando a luta de milhares de trabalhadores. Nas secções de fábricas, agências de banco e até nos escritórios volta a correr uma expressão que sensibiliza um número crescente de trabalhadores: a organização de comissões de empresa. Ao mesmo tempo que se torna necessário compreender as leis que regeram a noite - arrocho salarial acompanhado de incapacidade de resistência da classe operaria — torna-se também imperioso saber o que foram exatamente e como ocorreram os relâmpagos - ou seja, como surgiram e se desenvolveram os movimentos de Contagem e Osasco e por que eles não tiveram continuidade.
 Na época, 1968 parecia o ano da grande revanche. Pelas milhares de cabeças que o incendiavam, passava a certeza de que aquele era o ano da lavagem de alma dos movimentos populares derrotados em 1964. E tudo se passava como numa festa, em que

muitos dançavam, mas os músicos e os principais dançarinos eram os estudantes; onde o vinho servido tinha o cheiro e o gosto da rebeldia estudantil. E tudo ocorria também como numa festa com hora certa para terminar: hora essa que não havia sido fixada pelos estudantes e nem eles sabiam qual era, mas que já estava próxima.

Depois da morte de Edson Luís, em março, o movimento estudantil entrara num período de rápido ascenso. Passeata dos cem mil; movimentos de rua nas principais cidades; luta acirrada entre as várias correntes políticas pelo controle da UNE e das UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes); correntes políticas tentando romper o cerco do movimento estudantil e influenciar o desenvolvimento dos movimentos de outras camadas sociais; ocupação de faculdades etc. Esse ascenso refletia-se também no surgimento de inúmeras entidades de profissionais liberais, artistas e intelectuais, que se inspiravam e viviam à sombra do movimento estudantil.

O movimento operário de 1968, certamente, tinha sua dinâmica própria, mas ela se confundiu, foi influenciada pela dinâmica dominante no microcosmo das oposições. As palavras de ordem gritadas pelos operários em 1968 não podiam deixar de misturar-se às vozes que entoavam as canções de Geraldo Vandré. Assim, a greve de Contagem em abril, o 1" de maio de 68 na Praça da Sé, a greve de Osasco em julho vieram a animar e a alimentar a grande esperança da desforra. A segunda greve de Contagem (outubro) ocorreria já numa conjuntura de descenso.


Os estudantes: entre a origem pequeno-burguesa e a vontade de chegar ao proletariado

Entre 1966 e 1968, a história do movimento estudantil, grosso modo, pode ser dividida em dois períodos: o primeiro vai de setembro de 1966 até o final de 1967; o segundo compreende fundamentalmente o ano de 1968. No primeiro momento, expressando à sua maneira a insatisfação generalizada da pequena burguesia, o movimento estudantil lançou suas bases e cresceu. No segundo momento, em face do processo de recuperação da pequena burguesia pelo regime, o movimento estudantil passou a se definir e organizar de 37 forma autónoma, em função de uma dinâmica interna que o fazia privilegiar a necessidade de aliança com uma outra classe social, o proletariado.

1965, 1966 e a primeira metade de 1967 é o tempo em que a pequena burguesia se afastou do regime que havia ajudado a instaurar em 1964. Em 1964, grande parte dessa camada social se manifestara contra o comunismo, clamando pelo golpe de Estado que redimiria a propriedade privada, a ordem, a moralidade e as "tradições ameaçadas".

Depois do golpe, com efeito, essa camada assistiu às investidas do novo regime contra os sindicatos, entidades e outras associações profissionais; acompanhou as intervenções feitas em todos os setores da vida social, com as prisões e cassações políticas e a perda de empregos pelos possíveis opositores, etc. Só que, além disso, o regime também promoveu uma redistribuição da propriedade, que favoreceu os grandes capitais nacionais e multinacionais - a "operação saneadora" do ministro Roberto Campos. Em conseqüência, centenas de pequenas empresas foram obrigadas a cerrar suas portas em 1965 e início de 1966. Para acertar as arestas e inaugurar um novo ciclo de acumulação capitalista também foi necessário reduzir os salários ou rendimentos profissionais das camadas médias. Logo depois do golpe, portanto, setores da pequena burguesia se viam de novo às voltas com risco da pauperizacão. Fato que ilustra isso: a breve crise da indústria automobilística, cujos pátios se encheram de automóveis para os quais não havia compradores. A propósito, a votação obtida pelo MDB nas eleições de 1966, quando ele ainda era tido como co-irmão da ARENA foi bem alta (só superada pela votação de 1974); também foi elevada a quantidade de votos nulos, através da campanha do MCD, promovida pela UNE.

Em 1966, quando voltou à evidência, o movimento estudantil foi entusiasticamente saudado nas ruas. Durante a "setembrada" (passeatas realizadas em setembro de 1966 em São Paulo), dos prédios choviam papéis picados sobre os estudantes. As campanhas em favor dos excedentes (vestibulandos para os quais não havia vagas nas universidades) eram encaradas pela classe média como movimentos seus. E o movimento estudantil crescia rapidamente. Chegou a quase todos os Estados, penetrando nas principais faculdades e se ampliando até a algumas escolas secundárias. A UNE voltou a se fortalecer, embora clandestina, e ressurgiram as UEEs e algumas entidades secundaristas, como a UBES.

Em 1967, completada a "limpeza da área", ou seja, redistribuída a propriedade segundo o modelo de acumulação que asseguraria a retomada e o "milagre", as várias frações e setores da burguesia estavam coesos em torno do regime. Tornava-se então possível reconquistar o apoio da pequena burguesia também porque, em parte, o desenvolvimento seguinte se processaria em cima do "consumismo" dessa camada da população. Fatos que ilustram isso: a criação de consórcios para a venda de automóveis; a política do BNH, para a venda de casas; a politica creditícia e os financiamentos para a venda de todas as modalidades de bens de consumo. Afastado o temor do empobrecimento generalizado a pequena burguesia reapurou os ouvidos para a fraseologia anti-comunista, moralista e "ordeira" do regime. Nesse quadro, a passeata dos cem mil, na Guanabara, não representou mais que o agradecimento final da pequena burguesia, que se despedia daqueles que haviam encarnado suas insatisfações.

A grande imprensa e as "famílias", aos poucos, passaram a ver o movimento estudantil como sinônimo de subversão e de ameaça à ordem. Tendo se aprofundado bastante nas escolas que mobilizara, o movimento deixa de se espraiar, passando a radicalizar apenas com as bases que já tinha. Num ritmo acelerado, os estudantes promovem seguidas manifestações de rua, sucedendo-se os combates com a polícia. Agora já sem as chuvas de papel picado, mas com os resmungos dos "chefes de família" que não mais queriam perder a hora do jantar nas ruas congestionadas.

Isolado da classe que lhe dera sustentação, o movimento estudantil passa a definir-se tendo como referência sua dinâmica interna. Seu móvel passa a ser um outro setor social, o proletariado, mas as organizações políticas que nele atuavam buscam açodadamente o controle das entidades estudantis (em São Paulo chegou a haver duas UEEs). O processo de busca do proletariado, na verdade, vinha desde 1966, mas só em 1968 assumiu formas quase dramáticas. E não só os setores atingidos pelo movimento estudantil ou pelas 38 organizações políticas estudantis seriam marcados por ele.

Frustrado em seu objetivo de conseguir uma vinculação significativa com a classe operária e corroído por suas lutas internas, o movimento estudantil estava historicamente condenado. Seu fim dependeria apesar de outros tantos enfrentamentos com a polícia, com o Congresso de Ibiúna.

A influência estudantil sobre o movimento operário

Nos momentos de extrema desorganização, decorrentes de derrotas profundas ou da inexistência de uma consciência de classe autônoma, a passagem da classe operária a uma atitude combativa depende de acontecimentos exteriores que tenham reflexos imediatos junto a ela. Utilizando uma metáfora: quando adormecida, é necessário algum impulso exterior para que ela acorde, mas é ela quem acorda. O sono não é sinônimo de morte, mas de uma vida sem atuação sobre o exterior. Implica, antes de mais nada, numa ação voltada para o interior, de sobrevivência.

Historicamente, esse "impulso externo" sobre a classe operária têm sido as crises

econômicas e/ou políticas que abalam o sistema de dominação. As próprias crises criam

condições para a movimentação da classe, que reage à depreciação de suas condições de

vida, animando-se ou reanimando-se. Geralmente, contudo, tem sido necessário um outro elemento social para a ativação do proletariado: os protestos das classes médias. Estas, em virtude de sua organização social, intimidade com as "ideias" e o poder, têm condições de se mobilizar muito mais rapidamente. E o fazem sempre que, para elas, é iminente o risco de proletarização. Nesses momentos, a pequena burguesia procura incendiar o ânimo do proletariado por ver nele o aliado ideal para conter seu próprio empobrecimento. Depois, dependendo da duração da crise, do grau de consciência e organização alcançado, o movimento operário pode adquirir força e clareza para caminhar sobre seus próprios pés, inaugurando um processo de construção de sua autonomia política e ideológica.

A animação do movimento operário em 1967/68 foi diretamente influenciada pelo movimento estudantil e pelas organizações políticas estudantis. Mas essa influência teve um peso diferente sobre cada setor ou parte da classe operária, variando segundo o tipo de tradição e organização local e, também, de acordo com o grau de clareza e capacidade das vanguardas locais de receberem influências externas e de dirigirem suas bases.

A própria natureza da influência do movimento estudantil, entretanto, já estava

historicamente marcada e delimitada em função de sua capacidade de sobreviver. O movimento estudantil já perdera suas bases de sustentação social. O regime se fortalecera em virtude da coesão das frações e setores da burguesia e já reconquistara o apoio da pequena burguesia. A questão social - operária, estudantil ou outra - só teria um tratamento: o da força. Para desarticular o movimento estudantil, que começava a adotar formas de luta mais violentas, ou para pôr em prática a política de contenção salarial (peça-chave do "milagre econômico"), o regime não encontraria qualquer obstáculo para lançar mão dos recursos policiais que se fizessem necessários.

Assim, embora o movimento estudantil tenha aberto espaços efetivos para a mobilização operária; apesar de ter ido "cutucar" os operários lá onde eles estavam e de haver obtido respostas, acabou também influindo sobre o isolamento e a radicalização dos setores mais organizados da classe operária (Osasco e Contagem). O movimento operário, dessa forma, não teria tempo para se organizar independentemente, para passar a marchar sobre os próprios pés. O desfecho da greve de Osasco (julho) e da segunda greve de Contagem (outubro) inauguraria o maior período de descenso do movimento operário dos últimos 30 anos.

A desorganização das bases, a intensa vigilância policiais e o domínio aberto dos sindicatos pelo peleguismo seria o tripé determinante da conduta operária nos anos seguintes. Logo após as derrotas, parte dos líderes operários acompanharam os estudantes mais combativos na aventura militarista, por meio de pequenos grupos, pretender derrotar o Estado pela via armada. Do ponto de vista organizativo, essa tentativa desesperada acabaria permitindo ao regime aplicar seu golpe de misericórdia no movimento operário (e 39 também no estudantil).


As condições para a reanimação do movimento estudantil

Em 1967, ou seja, apenas três anos depois do golpe de Estado, os salários reais já haviam caído cerca de 35% (ver, neste caderno, o artigo de Ana Jover sobre a CPI do arrocho). Num espaço de tempo bastante curto, portanto, as condições de vida dos trabalhadores haviam sido rebaixadas a ponto de provocar uma profunda insatisfação. O arrocho salarial não decorria de uma crise no modo de acumulação capitalista, mas, pelo contrário, decorria do novo modo de acumulação. Não refletia por isso, uma crise grave do sistema. Entretanto, a não resistência aberta da classe operária ao arrocho não pode ser explicada apenas em virtude da disposição do regime em impedir qualquer contestação à sua política econômica. Ela se devia principalmente a dois outros fatores: primeiro, a desarticulação das atividades sindicais em 1964; segundo, a profunda desorganização e desmobilização das bases depois do golpe de Estado.

A desarticulação das atividades sindicais em 1964 foi realizada mediante intervenções em centenas de sindicatos, acompanhadas pela prisão ou simples perda de emprego por parte de dirigentes sindicais. A propósito, consta que só em São Paulo mais de mil delegados sindicais perderam seus empregos depois do golpe. Inúmeros líderes operários que não foram presos foram forçados a mudar para outras regiões por não conseguirem emprego em suas cidades. Os interventores nos sindicatos e seus sucessores eleitos em 1965 – eles próprios ou candidatos por eles apoiados - formaram uma nova casta de pelegos caracterizada pela extrema docilidade em relação ao poder e por sua capacidade de desmobilizar as bases (transformaram os sindicatos em órgãos meramente assistencialistas).

Com o golpe de 1964, a classe operária ficou acéfala pois, de fato, antes ela realizava um dos mitos preferidos da burguesia: isto é, tinha "cabeças". A prática pré-64 era essencialmente cupulista (acordos interdireções sindicais) e a "massa" só era mobilizada para reforçar as manobras ou acordos das cúpulas. Sua mobilização era operada principalmente através de piquetes (que reuniam os quadros mais combativos da classe), que não contribuíam para elevar o nível de consciência e organização das bases. A aplicação da legislação anterior a 64, principalmente a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mais a substituição dos antigos dirigentes sindicais, bastou para que o regime desmobilizasse a classe. As leis baixadas pelo governo militar, como a lei 4330 (lei antigreve) e a campanha sistemática de intimidação policial foram suficientes para que as massas, desorganizadas, fossem desmoralizadas e inativadas a ponto de se incapacitarem a resistir à política do arrocho. (A esse respeito, ver neste caderno a mesa redonda realizada com líderes operários paulistas).

Fenômeno ilustrativo da desmobilização e da incapacidade de organizar-se para a luta contra o arrocho são as raras e pequenas greves ocorridas em 1965 e 1966. Sem dúvida, a classe operária estava afetada pelo arrocho, mas as greves travadas nesse período sequer colocavam o fim do arrocho como um de seus móveis: as razões alegadas para sua realização foram atrasos de pagamento, cortes de funcionários (os facões) ou o não cumprimento do dissídio pelos patrões. (Única exceção: a "operação tartaruga", realizada pelos operários da Cobrasma, de Osasco, em fins de 1966; mas Osasco, nessa época, já se distinguia no conjunto da classe operária).

Não bastava, portanto, uma razão suficiente para uma reação da classe operária (condições de vida extremamente deterioradas pelo arrocho), era necessário mais: era preciso que a classe fosse despertada na sua vontade de luta, que ela se sentisse minimamente organizada ou, pelo menos, amparada, para retomar a iniciativa.

O impulso necessário à reanimação do movimento operário veio de fora. Dependendo das condições internas a cada setor da classe, ele teve efeitos peculiares. Em São Paulo, por exemplo, onde o movimento estudantil foi às ruas em 1966, levantando "slogans" que também diziam respeito à classe operária (e onde as organizações políticas de composição estudantil buscavam adesões de operários), desenvolveu-se a oposição sindical, organizando principalmente os quadros operários mais combativos do período pré-64, os "piqueteiros", que, em grande parte, começavam a repudiar a prática não organizativa e 40 não conscientizadora anterior. Atuando dentro de sindicatos com diretorias pelegas ou que se pautavam pelas práticas não mobilizativas (tipo pré-64), as oposições sindicais forçavam as diretorias dos sindicatos a atitudes mais decididas contra o arrocho. Em função de sua atuação, em setembro de 1967 foi formado o MIA (Movimento Intersindical Antiarrocho) que, nos moldes cupulistas anteriores, organizava dirigentes sindicais como José Ibrahim de Osasco; Joaquim Andrade, metalúrgicos de São Paulo; e Frederico Brandão, bancários de São Paulo. Mas a divergência que opunha a prática cupulista e as posições que pleiteavam a

participação intensa e organizada das bases, seis meses depois, provocaria o fim dò MIA. (A respeito, ver neste caderno o depoimento de José Ibrahim e a entrevista de Roque Aparecido da Silva.) Em Minas Gerais, na mesma época, também houve a tentativa de criar um FIA (Frente Intersindical Antiarrocho), que não passou da primeira reunião.

O MIA, contudo, cumpriu um papel: incorporou definitivamente a palavra de ordem "luta contra o arrocho" nas atividades sindicais, mesmo que apenas no jargão vazio dos pelegos.


Atividades sindicais de Contagem sobreviveram ao golpe de 64


Em 1964, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem-Belo Horizonte era Ênio Seabra. Apesar da prática então nacional dos acordos de cúpula e dos pactos intersindicais, a diretoria desse sindicato buscava uma participação maior das bases na vida sindical, de maneira que após o golpe de Estado, sobreviveu na região uma espécie de confiança nas possibilidades de atuação do sindicato.

Além de este fato ter produzido uma diferenciação tênue entre o Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem e os demais, os efeitos do golpe de Estado lá foram menos profundos que em outras regiões. O sindicato sofreu intervenção, tendo Seabra sido substituído pelo pelego Onofre Martins. Mas a maior parte das lideranças sindicais (a exemplo do próprio Seabra) pôde continuar trabalhando e residindo na cidade. Logo após o golpe, as antigas direções sindicais, agora na oposição, voltaram a atuar dentro do sindicato, tentando retomá-lo. Afastadas dos encargos de direção, procuraram criar raízes nas fábricas.

A história do movimento operário de Contagem obedeceu a um fluxo circular entre a tentativa de reconquistar (ou influenciar) o sindicato e a volta às fábricas, com o reforço constante da presença das oposições mais combativas no sindicato e nas fábricas. Em todas as ocasiões, como no dissídio de 1966, a oposição levou propostas às assembléias sindicais e, depois, retornou às fábricas denunciando o peleguismo de Onofre Martins.

Em 1966, já era evidente a presença de organizações políticas nas fábricas de Contagem e na oposição sindical. Um exemplo: na época já circulava regularmente na região o jornal "Piquete", que, em 1968, chegaria a seu número 100. Além do "Piquete" circulavam outros jornais clandestinos, denotando a presença de várias organizações políticas. A ausência de uma hegemonia clara de qualquer delas parece ter contribuído para manterem um relacionamento pouco competitivo e sem grandes atritos na oposição sindical. As sucessivas voltas às fábricas, acrescidas cada vez mais de denúncias contra o sistema e de propaganda sistemática para a politização da classe, contribuíram para o surgimento de novas lideranças dentro das fábricas, que acabaram por organizar grupos de trabalho altamente respeitados pelas bases. Inicialmente, esses grupos tinham pouca ou nenhuma coordenação entre si, mas, a partir deles, depois de novembro de 1967, iriam se desenvolver as "comissões de fábrica".

Outro fato que contribuiu para fortalecer a oposição sindical de Contagem foi a crise particularmente grave que afetou a região a partir do final de 1966 (quando a oposição já dispunha de alguma força), provocando drásticos cortes de pessoal (como na Manesmann, 600 operários despedidos) e atrasos de pagamento (como na Cia. Siderúrgica Nacional de São João Del Rei e Ibirité).

Boa parte das pequenas greves anteriores a 1968 ocorreram em Contagem e Belo Horizonte (tendo afetado inclusive serviços públicos municipais). Sem dúvida, elas foram, em parte, resultado do trabalho de propaganda e organização das bases pelas oposições sindicais.


A Chapa Verde: metade empossada na diretoria, a outra metade devolvida ao trabalho dentro das fábricas pela DRT


Os acontecimentos relacionados às eleições para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de BH-Contagem, em 1967, viriam reforçar ainda mais as lideranças e os grupos de trabalho. Durante a campanha evidenciou-se ainda mais a presença das organizações políticas, todas de composição basicamente estudantil. A campanha da chapa de oposição, a Chapa Verde, colocou no primeiro plano a luta contra o arrocho, mas fez também a propaganda do direito de greve (contra a lei 4330) e da autonomia dos sindicatos em relação ao Estado.

Com a campanha salarial, intensificou-se a ida-vinda sindicato-fábricas, agora integrando os vários grupos de trabalho antes dispersos. Simultaneamente, nos três colégios de Contagem, ressurge o movimento estudantil; brotam sociedades de amigos de bairro; cineclubes; e ganham novo alento as atividades religiosas (assembleias paroquiais). 0 período de campanha coincidiu com algumas pequenas greves em Belo Horizonte e Contagem e a Chapa Verde toma a defesa dos operários (caso da dispensa de 600 empregados da Mannesmann, por exemplo), denunciando a omissão e o comprometimento da diretoria do sindicato.

Durante a campanha, a DRT (através do delegado Onésimo Viana, o mesmo que destituíra Seabra em 1964 e nomeara Onofre Martins interventor) cogitou - e a notícia se espalhou - de impugnar o nome de Ênio Seabra, candidato a presidente do sindicato pela Chapa Verde. A Chapa Azul era encabeçada pelo ex-interventor Onofre Martins e foi derrotada nas eleições de julho de 1968, depois de um mês de acirrada campanha.

Vitoriosa, mas ainda não empossada, a Chapa Verde, por meio do jornal "O Metalúrgico" comemorava a vitória, conclamando os operários a lutarem contra o arrocho salarial, segundo índices "que possam atender o custo de vida". A chapa vitoriosa, contudo, não chegaria a ser empossada inteira: a DRT impugnou os nomes de Ênio Seabra e de dois outros diretores. António Santana, originalmente candidato a bibliotecário pela Chapa Verde, acabou sendo empossado na presidência do sindicato.

A impugnação dos principais nomes da Chapa Verde, por um lado, não impediu a chegada da oposição à diretoria do Sindicato; por outro lado, devolveu ao trabalho de fábrica, junto às bases, as principais lideranças operárias da região. Ao fazer isso, permitiu não só uma dinamização da atividade sindical, - que passou a ser regida por métodos democráticos - mas provocou também uma quase subordinação do sindicato aos grupos de trabalho de fábrica.


O surgimento das comissões de fábrica ou de cinco


A diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, juntamente com a dos bancários de Belo Horizonte, não conseguiu implantar, em setembro de 1967, uma organização tipo MIA em Minas Gerais, a FIA, dadas as divergências com os dirigentes sindicais de outras categorias. Posteriormente, nos primeiros meses de 1968, essas diretorias sindicais tentariam promover a criação de uma outra entidade do mesmo tipo, o CIA (Comité Intersindical Antiarrocho) que teve a mesma sorte do primeiro. Só que o CIA, no dia 28 de março, ou seja, dezenove dias antes da greve de abril, promoveria uma concentração com mais de 2 mil trabalhadores, que certamente contribuiu para propaganda da greve e para que as direções operárias que vinham se agrupando nas comissões de fábrica, desde novembro de 67, acertassem seus "ponteiros".

As comissões de fábrica, também chamadas comissões de cinco, surgiram após o dissídio de novembro de 1967. Em assembléia, os metalúrgicos decidiram ir a dissídio com os patrões, levando a reivindicação de 60% de aumento salarial. Desde 1965, os reajustes salariais passaram a ser fixados pelo governo, por meio de índices de correção baixados todo mês. Em 1967, o índice foi de 17%. Uma vez mais os metalúrgicos de Contagem tinham explorado as possibilidades da atuação sindical. E uma vez mais voltavam para as fábricas frustrados com os resultados. De forma inicialmente espontânea, mas logo a seguir propagandeada pelas organizações de esquerda, começam a surgir as comissões de empresas. Nos panfletos que apareciam nos banheiros das fábricas, nos vestiários e, até, dentro dos capacetes dos operários, todos eram convidados a formar grupos de cinco que se coordenassem entre si para que, brevemente, partissem para a greve.

Em várias fábricas surgiram comissões e elas, em face de toda a luta anteriormente travada, tinham certo grau de representatividade.

Numa das fábricas da região, a Belgo Mineira, as comissões de empresa conseguiram ser mais amplas e ter maior autoridade, inclusive com uma direção horizontal. Havia quase o suficiente para declarar a greve: boletins afixados nos lugares os mais diversos da fábrica começaram a trazer orientações concretas para os operários, informando, inclusive, partes dos planos para tomada da empresa - o que mostra como a greve foi preparada. Faltava apenas uma difusão da expectativa da greve para o conjunto dos operários da região. Sem dúvida, ainda que não planejado com esse objetivo, foi esse o papel desempenhado pela concentração de 28 de março (coincidentemente, o dia da morte do estudante Edson Luís, no Rio), promovida pelo Comitê Intersindical Antiarrocho.


A primeira greve de Contagem: 16 mil participantes


A grande inovação das greves de 1968 foi o fato de elas serem realizadas sem a ação de piquetes, iniciando-se dentro da própria fábrica, em horário de expediente. Outra novidade, criada pelos metalúrgicos de Contagem, mas levada a extremos pelos de Osasco, foi a ocupação da fábrica, com os operários assumindo os postos dos vigilantes, passando a dirigir o refeitório etc.

A greve de Contagem ecolodiu a 16 de abril, na trefilaria da Belgo Mineira (1.200 trabalhadores). Logo depois, os trabalhadores formaram comissões para tomar os portões da fábrica, organizar o refeitório, dialogar com os patrões, enfim, para dirigir a fábrica sob seu poder. Nos próprios pátios eram realizadas as assembléias deliberativas. As turmas de outros turnos, quando chegavam, entravam e aderiam ao movimento. A ocupação da Belgo durou dois dias. Embora os operários tivessem se organizado para enfrentar a repressão, improvisando maçaricos e empilhadeiras como armas, os rumores de intervenção policial violenta os levaram a abandonar a fábrica e a ocupar o sindicato. A partir do terceiro dia, começaram as adesões: SBE, Mannesmann, Belgo de João Monlevade, Acesita, até um total aproximado de 16 mil grevistas.

A reivindicação levantada pelos operários da Belgo logo no primeiro dia, e depois encampada pelos operários de outras fábricas, foi de 25% de aumento salarial. O então ministro do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho, voou para Minas Gerais para negociar com os grevistas. O presidente do sindicato negou que a entidade tivesse promovido ou dirigisse a paralisação (mesmo porque poderia sofrer intervenção da DRT em caso contrário), mas se solidarizava com os grevistas e oferecia o auditório do sindicato para as negociações. No final de abril, o presidente Costa e Silva acabou assinando um decreto de emergência, concedendo 10% de abono salarial, quantia que seria compensada no dissídio de novembro.

O resultado não agradou a grande número de operários, nem à maior parte das organizações políticas, mas acabou representando uma vitória efetiva dos metalúrgicos mineiros (que prometiam voltar à greve para integralizar o aumento). No 1º de maio, a maioria dos trabalhadores ainda continua em greve. As fábricas só voltaram a funcionar normalmente dia 2 de maio.


Osasco: uma experiência antiga de organização nas fábricas


Em todas as greves anteriores a 1964, como as de 1953, 1957 e 1963, os metalúrgicos de Osasco, principalmente os da Cobrasma, tiveram participação destacada. Por volta de 1962 surgira em Osasco a Frente Nacional do Trabalho (organização operários-cristãos agrupados em torno de alguns advogados trabalhistas) que se opunha ao sindicato por este ser dirigido por comunistas e se propunha a realizar um trabalho de denúncia e conscientização dentro das fábricas. Em 1963, vários operários da Braseixos se afastaram do PC e das atividades sindicais por eles consideradas cupulistas, passando a se organizar no que chamavam "comitês clandestinos de fábrica". O objetivo era o de desenvolver sua prática junto a bases. Logo, eles influenciaram um pequeno grupo de operários da Cobrasma que também criaram seu "comitê". Tais comitês, na época, tinham escassa representatividade; constituíam mais grupos de trabalho, que editavam boletins, faziam denúncias e procuravam estudar a história da classe operária e a teoria revolucionária do proletariado. Em 1963 também, a FNT criou na Cobrasma uma espécie de '"comissão, semi-legal" composta por dez operários.

Assim, à época do golpe de 1964, havia em Osasco dois tipos de prática junto à classe operária: a oficial, que girava em torno do sindicato, e uma paralela e ainda pouco expressiva, centrada nas próprias fábricas ("comissão" da FNT e o "comitê"). Com o golpe, a primeira foi inteiramente desarticulada - o que levou de roldão também o "comitê" da Braseixos - mas a segunda praticamente não foi afetada. Para Osasco afluíram operários de outras regiões (onde não conseguiam emprego), que acabaram se vinculando ao nascente "grupo de Osasco" (oriundo fundamentalmente do "comité" da Cobrasma), carreando para ele suas experiências.

A inatividade do sindicato abriria espaços que seriam preenchidos pelas pratica antes marginais. Logo depois do golpe de Estado, com efeito, houve uma paralisação de cinco minutos na Cobrasma (promovida pelo comitê e pela comissão, que estreitavam seu relacionamento) em protesto à morte de um operário num acidente de trabalho. Na prática, ainda que não oficializada, já existia então uma comissão de empresa. Depois dessa demonstração de força, os patrões concordaram em formar uma comissão mista de operários e patrões para resolver os problemas internos. A primeira eleição para a comissão legal de empresa da Cobrasma foi realizada em 1965, tendo sido eleito 38 operários, dois por seção (um efetivo e um suplente). Os integrantes dessa comissão, na maioria, eram membros da FNT. Dentro da comissão legal e junto às bases, cresceria a importância do comitê. Na segunda comissão, eleita em 1966, a maior parte pertencia ou estava sob influência do grupo de Osasco, tendo José Ibrahim sido eleito presidente e Roque Aparecido da Silva secretário da comissão. Os elementos da comissão da Cobrasma passavam, aos poucos, a representar um pólo de aglutinação para todos os operários de Osasco, transmitindo sua experiência a outras fábricas e rearticulando, agora segundo suas concepções de trabalho de base, antigos participantes das atividades sindicais (ver depoimento de José Ibrahim).


O obreirísmo de Osasco e a influência do movimento estudantil


Diferentemente de Contagem (onde as organizações políticas de origem estudantil participavam sem maiores problemas da oposição sindical), em Osasco muito cedo desenvolveu-se um sentimento obreirista, de repulsa às organizações políticas e de

tentativa de independência em relação aos movimentos de estudantes de São Paulo.

As determinantes últimas desse obreirismo talvez sejam o desgosto com a atuação do PC em 1964 e outros fatores sociológicos (Osasco, na periferia de São Paulo, tinha certo bairrismo e, na década de 50, viveu campanha autonomista sob a égide de comerciantes e profissionais liberais locais). Imediatamente, entretanto, foram outras as razões do obreirismo. Em 1967, particularmente depois do início da campanha da Chapa Verde, quase todas as organizações políticas tentaram penetrar em Osasco e lá formar bases. Os integrantes do grupo de Osasco passaram a criticá-las então por não terem qualquer idéia sobre a realidade da classe operária e por terem definidas linhas de atuação que emperravam suas práticas. Mas, a princípio, não se negaram a trabalhar com elas. Confiaram-lhes, inclusive, certos trabalhos como cursos de educação política, impressão de panfletos e jornais. A competição entre elas, entretando, fez com que procurassem ampliar-se em Osasco de qualquer forma, seja adulterando panfletos (colocação de palavras de ordem próprias), seja tentando afastar operários (notadamente os que recebiam cursos) do grupo e do trabalho de Osasco. Por outro lado, o contacto de alguns membros do grupo de Osasco com a universidade contribuiu para o obreirismo; lá, eles passaram a ter uma visão extremamente negativa das organizações políticas que atuavam no movimento estudantil.

Apesar do obreirismo que permeava o grupo de Osasco, passando pelos trabalhos desenvolvidos nas fábricas, sindicato, escolas ou bairros, a influência do movimento estudantil universitário sobre Osasco foi extremamente forte, talvez até maior do que em Contagem (até abril de 68). A negação enfática de práticas pejorativamente classificadas como pequeno-burguesas acabou constituindo a condição mais favorável para uma influência mais profunda e duradoura do movimento estudantil sobre o operário. O conduto maior para essa influência foram os estudantes secundaristas de Osasco.

Da mesma forma que em outras cidades e bairros do Grande São Paulo, na década de sessenta, os cursos ginasial, clássico e científico do período noturno eram freqüentados por grande número e jovens operários e trabalhadores de escritório das fábricas. Boa parte dos líderes de Osasco haviam sido (como Ibrahim) ou eram estudantes secundaristas (como Roque A. da Silva, José Campos Barreto e outros). A reorganização do movimento secundarista em Osasco iniciou-se em 1965, mas completou-se em setembro de 1966, logo depois das tentativas feitas em Osasco para promover passeatas de solidariedade aos universitários paulistas.

A maior parte das mobilizações universitárias de São Paulo e outras cidades repercutiam quase imediatamente entre os secundaristas de Osasco. No início de 60 só havia em Osasco uma associação, a do curso (clássico) do maior colégio da região, o CENRART. Depois da setembrada, surgiram grêmios nos seis colégios da região e foi organizada uma entidade municipal de estudantes, o CEO (Círculo Estudantil Osasquense). José Barreto seria um dos presidentes dessa entidade. Roque A. da Silva, alem de pertencer à Comissão da Cobrasma e ao sindicato, integrou também a diretoria do CEO e da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundários). As tentativas dos secundaristas de Osasco de reproduzir as manifestações dos estudantes de outras cidades constituíram, assim, o conduto mais eficaz da política estudantil para a operária. Um dado que ilustra isso: em abril de 1968, quando ocorriam passeatas em várias capitais brasileiras como protesto á morte de Edson Luís, em Osasco houve duas passeatas de estudantes, operários (estes minoritários) e operários estudantes, com 2.500 e 3.000 participantes; na segunda, principalmente, foram agitadas questões operárias, tendo o desfile sido aberto com uma bandeira do Vietcong.


Grupo de Osasco: relações informais na base de uma vanguarda local


A expressão "grupo de Osasco" foi apenas uma forma posteriormente criada para designar o conjunto de operários, operários - estudantes e estudantes que viviam em Osasco e atuavam nos movimentos locais. As relações que uniam o grupo eram informais, ou seja, ele não tinha caráter partidário. Um conjunto de concepções vagas, entretanto, dava-lhe certa unidade: defesa do socialismo, recusa das práticas conciliatórias de classe e privilegiamento da participação e ação das bases. Ainda que com visões ligeiramente diferentes, todos os membros do grupo defendiam a criação de comissões de empresa (legais ou não) e a participação em todos os instrumentos legais de organização como o Sindicato). Além disso, também havia no grupo uma evidente simpatia pela Revolução Cubana e pela luta armada. Exceto em alguns momentos de maior mobilização quando eram criadas coordenações - o grupo não possuía qualquer direção regular. As reuniões dos seus integrantes eram realizadas nos mais diversos lugares, mas sempre em função do cumprimento de tarefas ligadas à mobilização ou organização para movimentos concretos.

A informalidade do grupo de Osasco decorria de sua própria origem (mais ou menos espontânea, a partir de grupos de amigos) e denotava um caráter quase provinciano que estreitava seus horizontes. A ausência de definições mais gerais confinava o grupo a Osasco. A inexistência de direção regular, praticamente, o impedia de cumprir certas decisões, como o enraizamento do trabalho de fábrica também nos bairros, em estruturas clandestinas. Mas, por outro lado, o grupo tinha extrema agilidade e notória sensibilidade para responder aos problemas imediatos mais intensamente sentidos pelos operários ou estudantes da região. Em espaços curtíssimos de tempo, mobilizava-se para responder (propagandeando ou organizando lutas) às possíveis reivindicações dos operários ou estudantes de Osasco.

A partir de seus núcleos iniciais (comissão da Cobrasma, associação de curso clássico), o grupo ampliou-se significativamente depois da setembrada, quando fundou e passou a dirigir os seis grêmios estudantis locais e o CEO. Em 1966, quando a UNE propunha o voto nulo, o grupo adotou uma posição singular: anular os votos para deputados e senador, mas participar ativamente da campanha eleitoral no âmbito municipal. Apoiou um candidato do MDB à prefeitura, Guaçu Pitteri, e lançou candidato próprio (pela legenda da oposição) a vereador; também fez propaganda de dois outros candidatos a vereador. Todos foram eleitos.

Aproveitando-se de sua presença na Câmara Municipal e relativa influência na Prefeitura, o grupo também tentou participar de sociedades Amigos de Bairro e em campanhas de alfabetização de adultos. (Ver artigo de Diogo Marques neste caderno).

A informalidade do grupo que, por um lado, dava-lhe agilidade e sensibilidade, por outro, além de impedi-lo de espraiar-se a outras cidades e criar outras formas de organização em Osasco, o tornava pouco apto a superar suas limitações. Depois de março de 1968, ou seja, depois das passeatas em protesto à morte de Edson Luís, Osasco entraria no processo de luta ideológica que se travava na esquerda. Também lá, um dos pontos centrais do debate era a questão da tomada do poder pela via armada. Com o debate travado em Osasco, enquanto uma parte do grupo passava a se posicionar em favor da guerrilha rural, os outros membros do grupo foram se retraindo e desmobilizando, números integrantes do grupo foram, um a um, sendo recrutados por uma organização militarista (entre março/abril e agosto/setembro de 1968). A integração individual dos últimos membros do grupo dificultaria que a experiência deste tivesse peso significativo dentro da organização política (que tinha composição basicamente estudantil e só crescia em função da grande impossibilidade histórica do movimento estudantil). Duas foram as razões para que os "osasquenses" fossem integrados por uma determinada corrente militarista: primeira, essa corrente não tinha qualquer definição acerca do movimento operário e, portanto, "não atrapalhava'; segunda, ela lhes parecia séria pelo simples fato de já estar praticando ações armadas, o que a isentaria de um "caráter pequeno-burguês"!


Um primeiro de maio de luta


Em 1967, a partir principalmente da Comissão da Cobrasma, mas com operários de outras fábricas (para onde haviam estendido sua influência), a FNT e o grupo de Osasco organizaram uma chapa para as eleições sindicais. A FNT ficou com a maioria dos cargos, mas o grupo de Osasco teve maior influência na definição do programa. Este colocava claramente a luta contra o arrocho, pelo direito de greve, pela organização de comissões de empresa, pelo reajuste trimestral de salários; também propunha a adoção do sistema de contratação coletiva de trabalho. Até hoje, este foi o programa mais avançado de uma chapa eleita para diretoria sindical.

A chapa da situação (Azul) era encabeçada por Henos Amorina (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco de 1965 a 1967 e de 1969 até hoje). Em quase todas as fábricas, os resultados revelaram um certo equilíbrio entre as duas chapas. A Cobrasma decidiu as eleições em favor da Chapa Verde.

A partir de setembro, o presidente dos metalúrgicos de Osasco, José Ibrahim, participaria das articulações do MIA. Sua atuação dentro dessa entidade cupulista o afastaria ainda mais dos dirigentes pelegos e o aproximaria das oposições sindicais, criando impasses, que poriam por terra o MIA. Era virtude das posições assumidas pela direção metalúrgica de Osasco, o sindicato esteve prestes a sofrer uma intervenção da DRT, tendo Ibrahim sido suspenso do cargo por quinze dias. O principal reflexo do MIA dentro de Osasco foi a ativação da participação das bases na vida sindical: assembleias constantes por fábricas, seções, etc. Como resultado desse trabalho de agitação, começaram a ser criadas comissões de empresa clandestinas em outras fábricas, como a Lonaflex e a Brown Boveri.

Logo após o fracasso do MIA, os dirigentes sindicais paulistas passaram a organizar uma "festa" para o primeiro de maio. A direção metalúrgica de Osasco foi convidada para os preparativos, mas começou a articular-se também com as oposições sindicais, entidades estudantis e organizações políticas armadas para transformar a festa  num dia de luta. Enquanto as direções pelegas convidavam autoridades e artistas para a comemoração do dia do trabalhador, a diretoria dos metalúrgicos de Osasco mobilizavam suas bases, propagandeando duas palavras de ordem: "Minas é exemplo de luta" e "Greve contra o arrocho". (Ver depoimento de Ibrahim e entrevista de Barbosa).

Logo após o 10 de maio, José Ibrahim foi muito criticado por algumas organizações políticas estudantis, tendo sido classificado até como pelego por não ter aparecido na praça da Sé, embora o sindicato tenha fretado ônibus e custeado a ida de mais de mil trabalhadores ao ato. O risco de uma intervenção da DRT foi a razão principal da ausência de Ibrahim, levantada pela diretoria do sindicato e outros membros do grupo de Osasco. As correntes estudantis que hostilizavam Ibrahim não sabiam de dois fatos: uma greve estava sendo preparada secretamente pelos trabalhadores de Osasco; e, em Osasco, julgava-se fundamental continuar no sindicato para poder preparar e deflagrar essa greve.


O momento político em que ocorreu a greve de julho


A greve de Contagem, de certo modo, pegara o regime de surpresa. Forçara-o a negociar e a fazer concessões. Consistiria num primeiro "furo" no arrocho, mas este, se continuasse a sofrer novas afrontas, acabaria comprometendo a própria política econômica oficial. A greve de Contagem tivera implicações políticas na medida em que desafiara a política econômica oficial. E só ocorrera por ter partido de dentro das fábricas.

Em julho, o fator surpresa já não existia. Só um movimento amplo e extremamente organizado - para o que dependeria de uma análise de conjuntura muito clara - poderia ser vitorioso. A politização (ou pelo menos sensibilização a seus interesses políticos) das bases de Osasco fora operada pelo grupo de Osasco, mas apenas de acordo com suas possibilidades. No final de junho, os estudantes paulistas haviam ocupado a Faculdade de Filosofia (Maria Antônia) e havia notícias de movimentos camponeses em Santa Fé do Sul (São Paulo). Além disso, articulava-se a Frente Ampla com Carlos Lacerda, Jango e Juscelino, o que lançava suspeitas de uma cisão nas classes dominantes. Esses simples fatos bastavam para cegar os olhos à conjuntura política e para alentar a esperança de que a entrada do movimento operário em cena poderia alterar fundamentalmente os rumos históricos do país. Se a possibilidade de repressão quase imediata à greve era um dado quase palpável, por outro lado, haviam expectativas tão grandes que se acreditava na possibilidade de, pelo menos, abalar o regime.

Por outro lado, em Osasco a agitação da palavra de ordem "greve contra o arrocho" fora tão longe que as bases estavam prontas para paralisar o trabalho e começavam quase a exigir a greve. Em fins de maio, uma fábrica de 300 operários, a Barreto Keller, onde o grupo de Osasco sequer tinha bases, entrou em greve; conseguiu um abono salarial e a criação de uma comissão legal de empresa. A exigência da greve por parte das bases o de elementos do grupo de Osasco e da Frente iludia ainda um outro fato: com o aprofundamento da luta de posições políticas, o próprio grupo deixara de ter as mesmas condições organizativas que antes. A possibilidade de extensão da greve a outros lugares, como São Paulo, ABC e Minas Gerais, era reduzida, mas também era evidente a solidariedade e a disposição de luta das oposições sindicais. Além de todos esses fatos, a própria organização militarista, que pretendia a radicalização dos movimentos de massas, pressionava seus militantes a decidir-se pela greve.

Após o dissídio de novembro de 1967, quando o índice de correção salarial foi de apenas 17% contra os 52% pleiteados, a vanguarda de Osasco decidira ir à greve. Mas se preparava para a greve há época do próximo dissídio, em novembro de 1968. Todo o processo de radicalização acima descrito fez com que, em junho mesmo, fosse iniciada a preparação da greve. Os planos que serviram de base para a sua eclosão continham um erro fundamental: imaginava-se que a repressão levaria pelo menos quatro ou cinco dias para intervir. No primeiro e segundo dia, seriam paralisadas diversas fábricas, algumas seriam ocupadas pelos operários; os trabalhadores de outras marchariam em passeata até a sede do sindicato para não se desmobilizarem. Esses quatro ou cinco dias, imaginava-se, seriam suficientes para que os operários mobilizados formassem piquetes a fim de parar todas as fábricas das imediações de Osasco (Jaguaré, Lapa etc). E havia ainda uma última esperança: a de que em função de uma greve de tais dimensões, as oposições sindicais também pudessem paralisar outras fábricas em São Paulo e no ABC. As reivindicações gerais: 35% de aumento salarial; reajustes trimestrais de salários e a contratação coletiva do trabalho. Além dessas, cada fábrica elaboraria um elenco de reivindicações específicas.


A derrota da Greve de Osasco


No dia 16 de julho, atendendo ao sinal convencionado (o apito da Cobrasma, ás 8h e 40m), a partir da seção de limpeza e acabamento da fundição, os operários começaram a ocupar a fábrica. Organizaram, durante o dia, as comissões de vigilância, abastecimento, informações e mobilização. Nas horas marcadas, 12 h, 14 h, foram parando outras fábricas. Os operários da Barreto Keller, Osran e Granada dirigiram-se em passeata para o sindicato. Os da Lonafíex ocuparam a empresa.

Um enviado do delegado regional do trabalho, general Moacir Gaya, foi a Osasco dialogar com Ibrahim, que, como ocorrera em Contagem, procurou isentar o sindicato da responsabilidade pela greve. O coronel Passarinho voou para São Paulo e montou seu QG no Palácio dos Bandeirantes. No começo da noite, a polícia interveio. Primeiro na Lonafíex, depois na Cobrasma. No dia seguinte, outras fábricas aderiram: Braseixos, Brown Boveri e, parcialmente, a Cimaf, a Eternit (total aproximado de grevistas: 10 mil). Depois a polícia investiu contra o sindicato, pois já havia sido decretada a intervenção.

No primeiro dia, cerca de 300 a 400 prisões na Cobrasma (aproximadamente 50 operários ficaram detidos); no segundo, prisões em igrejas. A cidade toda ocupada por policiais em duplas, com cachorros amestrados e armas de guerra. (Ver depoimentos de Ibrahim).

No terceiro dia, embora já sem um comando de greve, o movimento continuou. Dispersas, as lideranças tentaram conter o movimento. Numa assembléia de estudantes em apoio aos grevistas, Manuel Dias do Nascimento, o Neto de Osasco, chegou a prometer a continuação do movimento com greves de grevilhas: ou seja, paralisação um dia de uma seção, outro dia de outra e, num outro ainda falta dos moradores de um certo bairro ao trabalho.

Por volta do sexto dia, todas as fábricas de Osasco já funcionavam normalmente. Inúmeros trabalhadores foram despedidos, outros tiveram que ficar foragidos em função da busca policial. Mas, tempos depois, a maior parte das empresas, para evitar problemas, atendeu a algumas reivindicações específicas e deu cotas variáveis de antecipação salarial.


A Consumação da derrota

Tanto em Contagem quanto em Osasco restaram núcleos organizados. Em Contagem, em outubro (quando o movimento estudantil já se desagregava) ocorreria uma segunda greve, preparada quase que exclusivamente e detonada a partir das organizações que atuavam na região. Só durou um dia. Foi totalmente dissolvida pela polícia. E o sindicato sofreu intervenção.

Em Osasco, os núcleos restantes, em setembro e início de outubro, começaram a se reaglutinar para, de novo, montar a oposição sindical. Entretanto, as lideranças mais expressivas já estavam mais voltadas para a vida interna de sua organização política e se preparavam para "abandonar a cidade" em troca de realizarem a guerrilha. A dificuldade para reorganizar a oposição sindical foi ampliada ainda mais quando, em virtude de sua atuação militarista, os ex-líderes de Osasco foram sendo presos. O desdobramento natural do movimento estudantil, o enfrentamento armado, levara consigo, primeiro para fora do movimento operário, e depois para a derrota armada, as principais lideranças operárias.
Os elos orgânicos entre os movimentos de Osasco/Contagem e o movimento operário posterior foram cortados. Mas a experiência daqueles movimentos permaneceu. Primeiro, eles foram tomados como exemplos pelo regime para intimidar a classe operária. Hoje, eles são repensados porque podem ajudar a classe operária a encontrar seus próprios caminhos. A experiência das comissões de fábrica, de atuação nos sindicatos (ainda que atrelados), a luta contra o arrocho, pelo direito de greve realizando greves e pelo contrato coletivo de trabalho parecem luzes presentes tanto no relâmpago quanto no dia.

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