sábado, 3 de agosto de 2013

“MANIFESTO DE BALANÇO DA GREVE DE JULHO", por Ibrahim e Zequinha Barreto 1968 e A história do movimento de Osasco - por José Ibrahim

Disponível nos endereços:
 http://contextohistorico.blog.terra.com.br/files/2009/12/zequinha-barreto-um-revolucionario-brasileiro.pdf
http://claudioautogestao.com.br/wp-content/uploads/2014/04/A-OPOSI%C3%87%C3%83O-SINDICAL-NO-EX%C3%8DLIO.pdf
por  Ibrahim e Zequinha Barreto 1968

Companheiros,   Conscientes de que vivemos sob uma ditadura de classe que precisamos destruir.   Conscientes de que só com a violência justa dos explorados,contra a violência injusta de que somos vitimas, e que iremos destruir a ditadura dos patrões e implantar uma sociedade sem classes.   Sabendo que para atingir o nível de organização que precisamos, temos que a cada momento analisar criticamente nossos trabalhos.
Reconhecendo ainda a superficialidade deste documento,que só visa incentivar a discussão,informamos que estamos preparando um balanço sobre nossas experiências nos comitês de empresa,no sindicato,sobre a organização de greves e ocupações de fabricas. 
  Conclamamos todos os companheiros a discutir nossas experiências,esperando com isso,além de receber criticas,iniciar uma proveitosa troca de experiências,para a organização da classe operaria,que possa ,aliando-se aos camponeses conduzir o proletariado ao poder.

A LUTA ANTI-ARROCHO E A GREVE DE OSASCO 
  Considerações sobre o arrocho. O arrocho não surgiu com o golpe de 64. Antes de 64, o poder político representava os interesses dos patrões e era dominado pela minoria totalitária patronal. Acontece, que com o golpe, o arrocho apenas centuou-se. Ele não se manifesta somente na política econômica-financeira do governo,mas em todos os setores da vida nacional , e todas as formas de repressão,quer o terrorismo cultural,quer o arrocho salarial,quer a Lei de Segurança Nacional,o acordo Mec Usaid,a lei Suplicy,etc,são formas de arrocho. Em suma, arrocho é o termo que o povo brasileiro encontrou para caraterizar a ditadura dos patrões.   Vejamos alguns objetivos e características dessa política;   a)contenção da inflação,tomando-se por base que o ‘aumento dos níveis salariais é que inflaciona a economia do pais’;   b)jogar nas costas do povo o ônus da crise do capitalismo;   c) o congelamento dos salários é uma forma de aumentar a taxa de lucro dos patrões sem acarretar grandes aumentos nos preços dos produtos;   d) enquadramento do pais dentro do esquema do capital internacional e submissão de nossa economia dentro do espírito de que ‘o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. 
  Essas medidas são necessárias ao capitalismo, em sua fase mais adiantada, o Imperialismo, para sustentar materialmente a repressão necessária contra a revolução proletária mundial,como exemplo disso temos a agressão de que é vitima o histórico povo do Vietnã. Por outro lado as mesmas medidas intensificam as contradições entre as massas exploradas e a classe dominante.   Logicamente, essas medidas que vieram adaptar o pais dentro da realidade internacional do capitalismo, tem as suas conseqüências no plano interno: a) diminuição do poder aquisitivo do povo e conseqüentemente a estagnação do mercado interno. b) Proletarização da grande parte da pequana burguesia. c) Falência das pequenas industrias,que vão sendo engolidas pelos grandes trustes internacionais. 

O REFORMISMO E O MOVIMENTO ANTES DE 64 
  Antes de 64, a chamada ‘burguesia nacional’ reformista e liberal, acenava com reformas de base e as massas dirigidas por elementos conciliadores e também reformistas iam à reboque. A burguesia reformista atrelou a seu carro instrumentos de lutas das massas como o PC, os sindicatos, etc, e moldou lideranças hoje reconhecidas pela massa como pelegos, traidores e reformistas. Esses conciliadores não necessitavam organizar a massa para fazer sua ‘jogadas’ nas cúpulas e ‘não entenderam’ que as contradições existentes na sociedade capitalista só podem ser resolvidas pelo proletariado, sob a condução da vanguarda, com um programa socialista e revolucionário, sendo pois necessário educá-lo, organizá-lo e conduzi-lo para estas tarefas. A burguesia reformista queria resolver sua contradição com o imperialismo sem mudar a estrutura social e a liderança revisionista mais uma vez ‘não compreendeu’ que essa contradição é secundaria e nunca poderia chegar a uma forma de antagonismo, pois a contradição fundamental reside entre o capital e o trabalho, sobre as forças que produzem as riquezas aos operários) e aquelas que detem os meios de produção (os patrões), entre o caráter social da produção e a apropriação individual dos produtos do trabalho, e que com o avanço do movimento de massas os setores mais reacionários da burguesia procurariam cortar esse processo antes que surgisse do seio da massa uma nova liderança capaz de dirigir-la para objetivos superiores aos da reforma dentro da estrutura capitalista. 

MOVIMENTO OPERARIO APÓS 64 
  Após 64, com o golpe militar de direita, o reformismo, representado pela ‘burguesa nacional’ e cujos órgãos PTB, PCB, PSB, Sindicatos, etc, eram sua base social, é alijado praticamente do cenario político. Desencadeia-se no Pais uma campanha ‘fascistoide’ de perseguição aos elementos tidos como subversivos. Muitos fugiram, outros caíram presos, houve aqueles que foram assassinados. O governo teve nesse primeiro momento a intenção de golpear profundamente a classe operaria. No entanto, impossibilitado de realizar tal política, eis que não tinha base social de sustentação (a pequena burguesia que dois meses antes tinha marchado com deus, pela família e pela liberdade, abandonou Castelo Branco sozinho na Praça da Sé no primeiro de Maio). E além disso, tendo em vista a necessidade de órgãos que sirvam de válvulas de escape aos reclamos do povo, numa tentativa de evitar a organização clandestina da classe, permite eleições nos sindicatos. A liderança que teve condições de participar das primeiras eleições sindicais foi apenas aquela que trazia as mesmas posições conciliadoras de antes de 64. Agora havia uma diferença: não tinha mais a burguesia reformista para se apoiar e o proletariado, devido às amargas experiências do passado, aprendeu a lição. A primeira tentativa dessa ‘nova liderança’ no sentido de poder aparecer perante a massa como alguém que luta por seus interesses foi na campanha pró-estabilidade e contra o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Uma outra coisa foi a resistência que os trabalhadores fizeram para não assinarem a ‘nova lei’, percebendo, inclusive, as razões pelas quais os patrões tanto se interessaram na opção pelo FGTS. A experiência ensina à classe que se o patrão diz que determinada lei é benéfica aos operários, o correto é exatamente o inverso da moeda, isto é, o que é bom aos olhos do patrão é nocivo aos trabalhadores. A queda da estabilidade, que havia sido conseguida à custa de luta, contrariou, profundamente os operários, porem, os pelegos não organizaram as massas, daí não se ter tido condições para movimentos capazes de derrubar o FGTS. O arrocho salarial já fazia sentir as suas conseqüências funestas para os trabalhadores. O desemprego e arbitrariedades patronais acentuavam-no. A classe movimenta-se sem encontrar ainda uma centralização. Surge nova oportunidade de os pelegos aparecerem perante a massa. É criado o MIA órgão inter sindical de luta contra o arrocho. Porém, os pelegos são derrotados macio e seus métodos de luta conciliadores, portanto insuficientes para conduzir a luta de classe, tais como abaixo-assinados, telegramas, entrevistas com as autoridades, etc. Em cada concentração operaria, a vanguarda surgida nas fabricas aparece com palavras de ordem de organização pela base através de comitês de empresa pregando a greve como forma de luta contra o arrocho. Essa vanguarda aglutinou-se objetivamente em torno do sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.   Os metalúrgicos de Belo Horizonte responderam a essas palavras de ordem com a greve de onze dias, que se iniciou na Belgo-Mineira, estendendo-se a 16.000 operarios.
  O surgimento da vanguarda operaria nas fabricas, merece um estudo mais profundo,pois ela é produto da necessidade da massa nesta etapa, apesar de exprimir-se ainda de maneira obscura. Como vimos, a liderança pelega não convenceu. A contradição entre o caráter social da produção e o caráter individual de sua apropriação, isto é, a necessária concentração de operários para produzirem em grande escala e de forma organizada, onde cada um cumpre a sua função, e a maneira desorganizada de como os produtos são distribuídos na sociedade, onde a minoria patronal fica com os lucros, gera uma luta constante e intensa entre os operários e patrões que vai desde as formas mais simples até os choques mais diretos e violentos, em torno dos inúmeros problemas que variam desde as reivindicações especificas de cada secção até as lutas que atingem toda a classe. A massa com seus inúmeros problemas encontra as mais variadas formas de exprimi-los, que vão desde os contatos individuais até as formas coletivas e mais amplas de discussões nas fabricas. De lutas como a preservação do 13º salário em 64, por problemas específicos em cada fabrica (segurança, higiene, etc) levando os operários à greves parciais, inclusive, logo após o golpe, surgem aqueles que por melhor absorverem e entenderem as necessidades da classe e por se destacarem na condução destas lutas, passam a merecer a sua confiança e a partir disso são impulsionados a conduzi-la para a solução de suas necessidades e problemas do momento. Esse processo de luta é a “escola de guerra”. Nas reivindicações da classe operaria manifestam-se sempre as contradições dela com sua antagônica no poder. Neste processo, a vanguarda, tem consciência que o que interessa a classe operaria não são apenas as concessões dos exploradores, na medida que continuará sendo explorada, mas a destruição de toda a estrutura social que possibilita a exploração. Entretanto, a vanguarda organiza a classe, a educa, e ganha sua confiança nestas lutas parciais. As vitórias obtidas nestas lutas estimulam a classe a prosseguir com reivindicações mais avançadas e dá confiança a esta mesma vanguarda, que compreende, também, a necessidade de uma organização da classe que vise a tomada do poder pela classe, com uma visão do contexto social capaz de avaliar as forças e capaz de conduzir a classe em todos os níveis de sua luta até a tomada do poder. A tradição da luta da classe operaria brasileira é quase que só em torno do movimento sindical e, a vanguarda que surge, dada a ausência de uma organização de classe sob um programa revolucionário capaz de desenvolver as formas de luta que a conduz ao poder, acerca-se dos sindicatos e ai então surge o choque entre as direções sindicais pelegas e aquelas que têm ligações com a classe. São as chamadas oposições sindicais. As oposições sindicais lançam as palavras de ordem de organização pela base e através dos C.E. empreendem vigorosa campanha contra os pelegos sindicais. Muita coisa já se conseguiu de concreto com o trabalho das oposições, principalmente, nas assembléias anti-arrocho programadas pelo MIA e na comemoração do último Primeiro de Maio na Praça da Sé. Essas palavras de ordem, por não virem acompanhadas de uma teoria programática que apresentasse concretamente as perspectivas e a concepção de tais formas de organização na pratica, caem no vazio. Nos setores onde existem os C.E., estes não funcionam como devem, isto porque foram formados na ‘base’ da improvisação, contendo uma serie de desvios, o que prejudica muito a objetividade de luta. Temos vários exemplos que demonstram por um lado o espírito de luta e o sentido revolucionário da vanguarda e por outro mostra a sua imaturidade política e inexperiência na organização da classe.

A GREVE DE OSASCO – BALANÇO CRITICO 
  Antes de analisarmos o que foi a greve de Osasco e o que ela representou para o M.O.,é necessário definir o que é uma greve.
  O operário recebe um salário pelo trabalho que executa para o patrão. É lógico que o interesse do patrão é pagar menos salários para que seu lucro seja maior. Por outro lado, o operário, que só tem a sua força de trabalho para vender, procura vende-la pelo preço mais alto. Um operário isoladamente não tem condições de fazer frente á ambição patronal e a única forma de evitar que seu salário seja rebaixado ou conseguir que estes sejam aumentados é unir-se com outros operários que são vitimas da mesma exploração.A forma de se encaminhar esta luta é paralizando o trabalho para conseguir as reivindicações. As greves surgem da própria sociedade capitalista, é uma forma bem simples em que se expressa a luta de classes. As greves mostram aos operários a sua força e também as do patrão. Mostram que o patrão é o seu principal inimigo e que o governo protege sempre os patrões e que também a policia existe para impedir as greves ou evitar as suas conseqüências. A colocação da palavra de ordem ‘greve’, mostrou para a vanguarda operaria de Osasco o estado de revolta da classe, motivado pelas conseqüências do arrocho salarial e alta constante do custo de vida e que realmente haviam as condições objetivas para deflagrar o movimento. Todos lançaram-se na organização da greve empiricamente. Os C.E.,recém-organizados, com exceção dos da Cobrasma, tinham a principal responsabilidade nessa tarefa. Reivindicava-se aumento salarial de 38%, aumento de três em três meses do acordo com a elevação do custo de vida, contrato coletivo de trabalho por dois anos, e reivindicações especificas de cada fabrica. A vanguarda baseava-se nas necessidades imediatas da massa, por isso as reivindicações acima citadas, mas, por outro lado, se explicava que o sentido mais importante da greve era o político, na medida em que se lutava contra a lei do arrocho salarial e contra a própria lei de greve e que aquela ação era apenas uma parte da longa luta pela derrubada da ditadura dos patrões. Evidencia-se inexperiência dessa nova liderança na medida em que essa não soube conduzir no mesmo nível a propaganda junto às massas e a organização da vanguarda. Este descompasso entre a propaganda e a organização precipitou as condições objetivas para a greve. Empolgada com a receptividade das massas a vanguarda acaba por ficar a reboque destas, e ao invés de proceder uma analise do movimento político nacional, baixou a palavra de ordem de greve e de ocupação das fabricas, sem estar subjetivamente em condições, antecipando mesmo uma posição anterior de se tirar a greve por ocasião de dissídio coletivo. Dado o caráter ainda bastante limitado dos C.E.,visto que funcionavam sem uma perspectiva clara e definida, estes passaram a se apoiar mais no aparelho sindical do que na organização da massa. A falta de clareza teórica causada pela falta de discussão política levou a vanguarda a não se preocupar em organizar uma estrutura clandestina paralela ao sindicato para dar continuidade à luta na clandestinidade. Na pratica, subestimou as forças da repressão, achando que o governo iria negociar e não reprimir violentamente, inclusive, intervindo imediatamente no sindicato. Comparou-se o M.O. que tem conseqüências imediatas na economia e prepara a classe revolucionaria para assumir a direção do pais, e por isso é bastante temível pela reação,com movimentos de setores da pequena burguesia (estudantes, artistas, etc) que por maiores perigos à classe dominante. Esse imediatismo foi sentido em todos os momentos posteriores e que obrigou a improvisações. A ocupação das fabricas devido à falta de clareza, à não planificação foi também improvisada, deu a greve um caráter insurrecional, quando a mesma era localizada e feita a partir de reivindicações da classe e não a partir de imposições que a colocasse num enfrentamento definitivo com a burguesia. Com isso não queremos dizer que nas próximas lutas a tática de ocupação de fabricas não deva ser utilizada. No passado, antes de 64, a pelegagem decretava greves e mandava os operários para suas casas. Agindo assim desmobilizavam a classe evitando que ela mantivesse unida e discutindo problemas que lhe estavam afetos, para que os conchavos com os patrões não encontrassem resistência nas bases operarias. A outra importância da ocupação está no fato que as greves com ocupações de fabricas, experiências recém iniciada no Brasil, ultrapassam os limites das reivindicações normais dentro do capitalismo. Independentemente das reivindicações grevistas a ocupação temporária das empresas acerta um golpe no ídolo da propriedade capitalista. Toda greve de ocupação, independente do objetivo reivindicatório que a determinou, coloca na pratica o problema de saber quem é o dono da fabrica: o patrão ou os operários. A ocupação poderia se dar com prazo determinado, objetivando discussão política com toda a massa no sentido de se ter consciência do próprio significado das ocupações, sobre os objetivos da greve e a necessidade de sua extensão a outras fabricas. Quando as fabricas fossem desocupadas a massa deveria sair mobilizada para ações praticas como piquetes, panfletagem, etc, em outras fabricas ainda não em greve, e através da organização por bairros permaneceria em constante mobilização, objetivando discussão política, em grupos pequenos se assim o exigissem as condições de segurança. A greve de Osasco mostrou que é possível conduzir a classe para um enfrentamento com a ditadura patronal, sendo para isso necessário organiza-la. Significa uma nova e grande experiência para todo o movimento revolucionário brasileiro. Apesar de ter sido propagado pela imprensa burguesa e alguns oportunistas de ‘esquerda’ que a greve de Osasco não havia conseguido nenhum de seus objetivos, há fatos que falam bem alto para a massa: os aumentos recebidos pelos operários de varias fabricas (Cobrasma de 15 à 35%. Cimaf 10%, etc), indenização aos companheiros demitidos, e o atendimento das reivindicações especificas como: higiene, segurança, insalubridade, enfermaria, etc, que vem se dando à partir da greve, deixa claro aos operários que: isto são vitórias parciais da greve; a greve é uma forma de luta para conseguirmos as nossas reivindicações; pois se obtemos melhores resultados em nossa luta necessitamos elevar o nosso nível de organização, e aumentar as discussões políticas para despertar a consciência de luta nos mais amplos setores da massa. Com a greve, o sindicato caiu na mão de policiais, centenas de companheiros foram presos, dezenas perderam seus empregos, grande parte perdeu seus dias de trabalho, muitos companheiros estão na ilegalidade e apesar disso tudo ninguém se arrependeu de ter aderido à greve, aqueles que não aderiram ao movimento são desprezados pelos companheiros, o que não significa que para as próximas lutas não se deva discutir, e aprofundar com eles no sentido de que avancem e participem do movimento.   Ficou claro para as lideranças que: 1) Apesar da repressão brutal que impossibilitou a extensão e continuidade da greve, a demonstração do nível da luta de classe, fez os patrões cederem em varias reivindicações. 2) A brutalidade da repressão foi prejudicial para o movimento em si, porém benéfica a longo prazo, dado o avanço político da massa, com o desmacaramento da ditadura, deixando claro que reprimirá violentamente qualquer luta justa da classe trabalhadora. 3) Na luta a classe elevou o seu nível de cosnciencia devido a realização de assembléias, discussão política possibilitando maior aceitação das palavras de ordem das lideranças, e o surgimento de novas lideranças o que facilitou a organização dos mais amplos setores da massa, que vem se dando através da formação de núcleos clandestinos para discussão política e realização de ações praticas. Apesar de tudo o que houve a disposição de luta continua e isso nos permite dizer que ‘os homens que se sujeitam e resistem a tais calamidades para quebrar a resistência de meia dúzia de burgueses, saberão sem duvidas também quebrar a força de toda a burguesia”. 

PERSPECTIVA PARA O FUTURO DA LUTA
   Os setores conscientes da classe operaria, sua vanguarda, não podem ter mais duvidas quanto à existência das condições objetivas de se fazer greves. Só falta criar condições subjetivas, que se resumem na organização da classe. Aproxima-se o dissídio coletivo para todas as categorias, sabemos que dentro das leis do arrocho o aumento não corresponde nem a metade da elevação do custo de vida no ano de 68, isso sem contar o que perdemos nos anos anteriores. Os pelegos sindicais, percebendo a disposição da classe, mais uma vez farão, manobra para engana-la, dizendo que ‘não entraremos em dissídio, exigiremos um aumento salarial digno e se não for concedido entraremos em greve”. Essa tática oportunista já é velha e também conhecemos a sua saída. Se o sindicato não entra em dissídio o patrão entra, e daí eles dirão que ‘não estamos preparados para a greve, que ninguém tem o direito de, numa aventura, jogar pais de família no abismo, etc”. Os pelegos para sobreviverem se apóiam na desorganização da classe.A vanguarda para ser a direção autentica da classe deve organizá-la e apoiar-se na sua organização.O arrocho salarial está ai´. A tatica para combate-lo é a greve. No processo das greves, a vanguarda amadurecerá como direção e a classe compreenderá que o arrocho é apenas uma faceta de poder patronal e que só ficará livre dos arrochos quando derrubar esse poder numa luta prolongada, debaixo de um programa socialista revolucionário de libertação. A tarefa da vanguarda de cada categoria, de cada fabrica é preparar as condições subjetivas de organização, para com ou apesar dos pelegos, lutarmos concretamente por o aumento salarial menos injusto. Desde já deve-se iniciar a formação dos comitês de greves por secção, por fabricas e por municípios. Não devemos nos iludir nesta etapa com uma greve geral. Devemos sim, concentrar nossas forças nas fabricas onde existam melhores condições de greve. Lembrem-se que a greve de 16.000 metalurgicos mineiros, até o 6º dia só acontecia na Belgo Mineira e em Osasco, a greve iniciou-se em quatro fabricas, estendendo-se só a partir do dia seguinte. Uma greve apavora os patrões para trabalharem para eles próprios na medida em que lutam por seus interesses, ela coloca em duvida aqueles que se julgam senhores onipotentes dos meios de produção, ela leva os patrões a fazerem concessões e arrasta companheiros de outras fabricas à adesão, não somente em solidariedade, mas porque são vitimas da mesma exploração e são encorajados a tomar posição. Os grevistas de Osasco e a sua vanguarda levam as seguintes reivindicações de caráter geral e as propomos a outras categorias na certeza de que vão ao encontro dos interesses de toda a classe: a) aumento salarial de acordo com a elevação do custo de vida. b) Contrato coletivo de trabalho, isto como forma do combate ao desemprego. c) Aumento salarial de três em três meses. As reivindicações especificas de cada fabrica devem ser levantadas ‘in loco’ pelos companheiros,pois ajudará muito na mobilização da massa. 

PARALIZAÇÃO 
  A paralisação de cada fabrica deve apoiar-se na organização dos Comandos Clandestinos internos. A forma da paralisação através de piquetes nas portas de fabrica está superada, o piquete deve ser fator de estimulo para que outros adiram ao movimento e não como fator de imposição no sentido de se aderir à greve. A pratica demonstrou que a forma mais correta e educativa para a massa é a greve partindo da organização interna através dos comandos clandestinos de cada secção, parando uma a uma, com a massa de cada secção para engrossar as fileiras e indo parar as outras. Isso funciona se existir organização, estimula os vacilantes e impede a identificação dos lideres. A saída das fabricas deve ser em massa pois grupos isolados tornam-se fáceis para a repressão. Os comandos clandestinos da greve devem ser organizados ao nível de cada secção, cada fabrica, cada município. Com o avanço do processo, será necessário a formação de comandos gerais a fim de coordenar a luta em nível nacional. Esta é a experiência dos trabalhadores de Osasco. O objetivo deste documento é fornecer dados de analise a toda vanguarda revolucionaria brasileira na luta pela transformação social, pelo socialismo. 
                        JOSÉ IBRAHIN                         JOSÉ CAMPOS BARRETO 

                       OUTUBRO DE 1968.


Artigo publicado no Cadernos do Presente, 1978. Uma coletânea de artigos que, depois de 10 anos, fazia o balanço dos processos de 1968. Retirado do site:http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf

A história do movimento de Osasco
José Ibrahim
Eu considero o sindicalismo brasileiro bastante limitado até mesmo para conduzir as lutas econômicas da classe operária. É um sindicalismo paternalista, atrelado ao Ministério do Trabalho, fora da massa. No entanto, se remontarmos ao período anterior a abril de 1964, vemos que o Partido Comunista Brasileiro, que detinha a hegemonia do movimento operário, e estava à frente de quase todos os sindicatos, não só aceitou essas limitações, como também aprofundou-as, em função de sua estratégia geral, de conquista do poder pelo caminho pacífico. Esta prática fica bastante caracterizada durante o governo do Jango, quando o movimento operário é utilizado como massa de manobra do populismo. Apesar disso, em determinados momentos, o movimento popular escapava ao controle do Partido e realizava greves memoráveis, como a de 1953 e a de 1963. Nesta última a radicalização foi muito grande, com manifestações de rua, nas quais foram incendiados carros de polícia. Ocorre que a força dessa mobilização não refletia um elevado nível de organização da classe operária. Este é um fenómeno perfeitamente explicável, quando se analisa a conjuntura política daquele período. De qualquer forma toda aquela experiência de movimentação de massa, ainda que limitada e não dirigida a criar uma organização pela base, foi assimilada por um setor da classe operária, formado por elementos que participaram mais diretamente das assembleias sindicais, das manifestações organizadas pela CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e dos piquetes destinados a garantir o sucesso das greves. É bom lembrar que o piquete cumpriu a função real de preencher o vazio criado pela ausência de um nível de organização mais elevado. Foi, em certa medida, um instrumento utilizado pelo reformismo para suprir a falta de organização nas empresas, embora contasse com a participação ativa dos operários mais combativos, que seguiam mais de perto a orientação do Partido e dos sindicatos. Quando ocorreu o golpe de abril de 1964, e o conjunto da esquerda mergulhou em profunda crise, foi esse setor mais avançado da classe operária que se voltou novamente para o sindicato, visto como o único órgão capaz de canalizar o descontentamento da massa, pois não surgiu outra alternativa por parte das forças de esquerda. Agora, procurava-se tirar as lições do golpe, fazer uma autocrítica na prática. Foi a partir daí, que começaram a surgir as oposições sindicais, e é assim que eu analiso a origem de nosso grupo em Osasco. Nós surgimos de uma crise geral das esquerdas.

Nas fábricas, nasce uma nova concepção de trabalho
Eu e alguns companheiros tínhamos ligações com operários militantes do Partido, (jamais pertencemos à organização) que vinham divergindo, desde antes de abril de 1964, de sua linha política e criticavam o cupulismo e a falta de preocupação com a organização de base.
Em decorrência disso, haviam organizado por volta de 1962, 1963 um comitê de empresa na Braseixos, uma experiência pioneira, criticada pelo Partido como prática divisionista; segundo a direção do Partido os patrões poderiam envolver o comitê e tratar diretamente com ele e desconhecer o sindicato. Sob a influência desses companheiros fundamos também na Cobrasma, onde eu trabalhava desde os 14 anos (1961), um comitê clandestino, que se dedicou à distribuição de pequenos panfletos, volantes que agitavam os problemas existentes na fábrica e algumas questões políticas mais gerais. Eram colocados nos banheiros, nos armários e dentro dos capacetes dos companheiros de trabalho, que os passavam adiante. Era um trabalho miúdo, cujo centro era a atividade sindical, embora mesmo antes do golpe tivéssemos uma atitude crítica frente ao sindicato. Achávamos que o sindicato era um instrumento de luta importante, que se devia atuar dentro dele, sem desconhecer, entretanto, suas limitações. Assim, começamos a defender a necessidade de criação de uma organização independente, mas sem negar a participação no sindicato. Era necessário negar o sindicato a partir de dentro, pois era uma bobagem dizer "abaixo o sindicato, viva o comité de empresa"! Essa posição sempre norteou nosso trabalho em Osasco. Jamais a abandonamos, e pessoalmente, continuo com essa posição até hoje.
Na época em que iniciávamos essa experiência de criação de um comité clandestino na Cobrasma que, se não me falha a memória, foi por volta de 1962/63, surgia em Osasco um outro elemento que deve ser levado em consideração, para qualquer análise sobre os acontecimentos posteriores: a Frente Nacional do Trabalho, congregando elementos da Ação Católica e da Juventude Operária Católica (JOC), e fazendo oposição aos comunistas dentro do sindicato. Eles acusavam o sindicato de fazer muita agitação política e esquecer os problemas dos operários nas fábricas. Tinham uma visão cristã da questão operária e defendiam para tanto o diálogo entre patrões e trabalhadores.
Assim, um núcleo de militantes da FNT que trabalhavam na Cobrasma organizou, por volta de 1963, uma comissão de fábrica, semi-legal, formada por 10 trabalhadores, e junto ao patrão reivindicaram sua legalização. Este, a princípio não aceitou o diálogo e o pessoal mais combativo da comissão foi inclusive, dispensado.
Enquanto isso, nós mántínhamos o comité clandestino, e, antes do golpe de abril de 1964, decidimos nos aproximar da comissão, pois, ao nível do trabalho de massa na fábrica, ela realizava um trabalho de agitação semelhante ao nosso. Como eu não era "queimado" e tinha muita mobilidade dentro da fábrica, por trabalhar no setor de controle de qualidade, fui destacado para fazer a aproximação entre os dois grupos. Daí em diante, passei a fazer parte das duas organizações. Isto é, do comité clandestino e da comissão dos dez.
A comissão da Cobrasma: uma experiência organizativa nova
Logo após o golpe ocorreu um fato que fez com que a comissão ganhasse importância. Um dia houve uma explosão na fábrica e um companheiro muito conhecido, que trabalhava na boca do forno, feriu-se gravemente e morreu no hospital. O acontecimento comoveu todo mundo e a comissão programou uma paralisação para a hora do enterro. No momento exato tocou-se o apito da fábrica e houve um silêncio total, com todo o pessoal tirando os capacetes em sinal de respeito. Durante cinco minutos a fábrica parou. Inclusive os chefes e os engenheiros que estavam na produção.
Imediatamente os patrões procuraram estabelecer um diálogo mais direto com a comissão, tentando envolvê-la e desmoralizá-la. Nós reivindicamos então sua legalização, com imunidade para os representantes - isto é , a garantia de que não seriam despedidos. De início a proposta foi negada, mas finalmente a própria direção da empresa propôs que se realizassem eleições dentro da fábrica, para que os membros da comissão fossem escolhidos.
A fábrica foi dividida em 19 setores, correspondentes às 19 seções existentes, e cada um deveria eleger um representante e um suplente para a comissão, que ficou composta por 38 operários (19 efetivos e 19 suplentes), representando mais ou menos 3 200 trabalhadores. A força mais influente na comissão era a Frente Nacional do Trabalho, que contava com a maioria dos representantes. Havia também operários independentes, iniciantes na luta sindical, sem nenhum compromisso político. Eu fui eleito pelo setor de controle de qualidade e era o único elemento de esquerda.
Na primeira reunião da comissão foi eleita uma mesa diretiva, sendo que o presidente e o vice-presidente eram da FNT, o primeiro secretário era um companheiro independente e eu o segundo secretário.
De acordo com os estatutos, a comissão deveria reunir-se mensalmente com a diretoria da empresa e para isso eram feitas anteriormente reuniões preparatórias, no sentido de elaborar uma agenda de problemas, previamente enviada aos patrões. A ata da reunião era assinada pela diretoria da empresa e pela mesa diretiva da comissão.
Embora participássemos dessa comissão, continuamos mantendo organizado o comitê clandestino, e, através dele, pretendíamos impulsionar a atuação da comissão, lutar para que ela avançasse e realizasse um trabalho de base dentro da fábrica. Além disso, a comissão sempre corria o risco de ser dissolvida pelos patrões e nesse caso o comité daria continuidade à organização e ao trabalho clandestino.

Fortalecimento do grupo de Osasco
Como era de se esperar, as divergências logo surgiram no interior da comissão . Ela passou a realizar um trabalho de cúpula, servindo de amortecedor entre patrões e operários, o que correspondia à visão da FNT. Apenas, os pequenos problemas eram resolvidos, os grandes não eram solucionados e a maioria ficava em suspense. Aos poucos a comissão foi se desgastando perante a massa , pois além de sua inoperância os patrões passaram a promover a cargos de chefia os representantes eleitos.
Percebendo o que ocorria, nós do comitê clandestino, começamos a combater essa tendência, lutando contra a burocratização e a prática colaboracionista da comissão.
Passamos então a incentivar a mobilização na fábrica, a organizar o pessoal por seção e a mostrar que nossas reivindicações, tinham que ser conquistadas na luta, através da organização, da pressão e, inclusive, da paralisação. Alguns companheiros da comissão começaram a concordar com a nossa perspectiva, mas ainda de uma forma muito tímida. Com o tempo a FNT foi se desgastando e nossa influência crescendo à medida que dávamos um encaminhamento mais radical às reivindicações na fábrica. Dentro dessa perspectiva em fins de 1966, organizamos uma operação tartaruga, como forma de pressão para obter aumento salarial. A produção chegou a cair quase 30%, sem que os patrões conseguissem detectar a atuação da comissão. Quando nos chamaram para conversar, dissemos que os operários ganhavam muito pouco e por isso a produção não saía. A empresa terminou concedendo reajuste e apesar de ser menor do que esperávamos, significou uma vitória parcial, que marcou a atividade da comissão.
Por outro lado, a essa altura dos acontecimentos , a posição de esquerda dentro da comissão já estava bastante fortalecida. Tanto é que, por ocasião das eleições para a segunda comissão, todo o pessoal que vinha sendo trabalhado pelo comitê clandestino conseguiu ser eleito. A Frente Nacional doTrabalho não elegeu quase ninguém, e eu fui
reeleito e escolhido presidente da mesa diretiva da comissão enquanto o companheiro Roque Aparecido era eleito secretário da comissão.
Gozando das regalias e imunidades que havíamos conquistado, intensificamos o trabalho de agitação e organização em todas a seções e núcleos a elas ligados. Em nossa prática procurávamos não ser paternalistas, não assumir uma posição de cúpula, não resolver os problemas pela massa, mas fazê-la participar dando-lhe tarefas concretas.
Com isso, contribuíamos para o surgimento de novas lideranças, que passavam a receber uma atenção especial do comitê clandestino, no que diz. respeito a discussões sobre a situação política do País, e mesmo sobre a questão do socialismo. Procurávamos nesse sentido, sempre ligar essas discussões à situação concreta da fábrica, segundo nossas possibilidades e nosso baixo nível político.
Ao mesmo tempo, como grupo de esquerda, nós nos reuníamos de forma clandestina e acompanhávamos o debate político-ideológico que se desenvolvia no conjunto da esquerda brasileira, embora continuássemos mantendo nossa independência, porque não víamos nenhuma alternativa nas propostas apresentadas.

Participar do sindicato, organizar as bases. E preparando greves
É bom ressaltar que nunca abandonamos a atividade sindical, embora de 1964 a 1965 o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco estivesse sob intervenção, sendo presidido pelo Camargo, um crioulo que sempre fizera oposição de direita no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Os membros da interventoria eram operários já bastante corrompidos, ligados a UDN e ao Herbert Levy. Enfim, representantes do sindicalismo amarelo. Foi nessas condições que começamos a fazer oposição no Sindicato, desenvolvendo uma luta por eleições livres, apoiados na própria legisiaçao trabalhista. Mesmo com o fim da interventoria, quando, através de uma convocação de última hora o interventor conseguiu organizar uma chapa única, com o apoio da FNT, e, eleger o Henos Amorina, um operário da Brown Boveri, nós continuamos dentro do sindicato. A segunda comissão da Cobrasma, da qual eu era presidente, foi eleita pouco depois da diretoria do Henos, que embora aceitasse o sindicalismo paternalista e assistencialista, não era uma pessoa desonesta ou conscientemente de direita, como o Joaquinzão (Joaquim Andrade, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo). O nosso trabalho na Cobrasma nos deu uma grande autoridade para atuar nas assembleias sindicais e atrair para nossas posições os melhores elementos de outras fábricas. Muitos haviam sido do Partido, vinham de outras regiões do país, tinham liderado greves e até mesmo estado na prisão. Assim, nós fomos nos encontrando e aglutinando no decorrer da luta e em função dela, até se constituir num importante grupo de esquerda, tendo como principal ponto de apoio o pessoal da Cobrasma.
Nosso trabalho no Sindicato nos distinguia de todas as outras oposições sindicais e eu acho que essa diferença explica porque fomos a única oposição que conseguiu ganhar a direção de um sindicato. Ao combater a atuação do sindicato, nunca dizíamos que a diretoria era pelega ou traidora, e nem mesmo vaiávamos os pelegos. Apenas apresentávamos uma alternativa baseada no exemplo da Cobrasma e da comissão de empresa. Além disso, quando eles diziam durante a campanha salarial que era necessário reivindicar 30% de aumento, porque de acordo com a tabelinha do governo o reajuste seria de 25%, nós afirmávamos que essa era uma proposta incorreta, que o certo seria reivindicar 50%, para dessa forma denunciar o arrocho e o aumento do custo de vida. No entanto, alertávamos que não éramos capazes de conseguir o aumento porque estávamos desorganizados. Era preciso se organizar melhor para ir à greve e que só através dela conseguiríamos exigir mais.
Como se vê, nossa ascenção no sindicato foi um processo, e, durante esse período, ocorreu um fato dentro da Cobrasma que contribuiu decisivamente para desmoralizar a direção do sindicato. Nós estávamos numa campanha por aumento salarial, dentro da empresa, e a diretoria aproveitou para despedir, por justa causa, 40 soldadores da montagem de vagões, cuja tarefa já havia terminado. O presidente e o advogado do sindicato e nós da direção da comissão nos reunimos com a diretoria da empresa para discutir o problema. Como os patrões se mostrassem intransigentes, o presidente do sindicato disse apenas que iria entrar com um processo na Justiça do Trabalho, solução ideal para a empresa, levando em consideração o tempo de duração do processo. Da parte da comissão afirmei que não aceitávamos a solução proposta e que paralisaríamos a fábrica, caso os companheiros não fossem readmitidos. Daí, passamos à agitação na fábrica e realizamos duas assembleias no sindicato, que contou com o comparecimento maciço do pessoal da Cobrasma. Na primeira assembleia, denunciamos a posição assumida pelo sindicato e por ocasião da segunda a diretoria não compareceu, ficando o sindicato em nossas mãos.
Demos um ultimatum à empresa e nos preparamos para a greve. Na última hora ela recuou e alguns soldadores foram readmitidos e os demais indenizados. Esse movimento aumentou bastante o prestígio da comissão da Cobrasma e contribuiu para a desmoralização da direção do sindicato.

Oposição Sindical em Campanha
Foi em decorrência dessa vitória na Cobrasma que, no início de 1967, começou a se espalhar o boato de que nós iríamos sair com uma chapa de oposição para concorrer às eleições do sindicato, e que eu seria candidato à presidência. Por essa época o grupo de esquerda já havia crescido bastante e sua influência se estendia por várias fábricas. Para nós o sindicato, apesar de ser um instrumento válido, era um órgão limitado e o mais importante era a organização pela base, os comités de fábrica, legais ou clandestinos. Assim pensando éramos contrários à diluição do grupo no sindicato e foi por isso que eu fui o único integrante dessa organização a sair como candidato à direção do sindicato. O restante da chapa era formado por elementos da FNT e independentes, que estavam sob nossa influência.
Apesar de sermos minoria na chapa resolvemos dela participar, pois achávamos que o importante era o programa por ela defendido. Era um programa de classe, que saía dos marcos do assistencialismo e levantava a luta contra o arrocho, contra as leis antioperárias, principalmente a lei de greve. Durante a formação da chapa entramos em contato com a direção do PC, no sentido de incorporá-lo à composição. No entanto a direção do Partido se negou, achando que era necessário marginalizar os cristãos e compor com a situação. E mais, afirmou que éramos aventureiros, sem nenhuma chance de ganhar, pois a situação contava com a máquina sindical. Entretanto, as bases do Partido participaram de nossa chapa, enquanto a direção ficou com a situação.
O ponto chave de nossa campanha sindical foi a discussão do programa com as bases de todas as fábricas. Para isso contamos com a participação de um grupo formado por cerca de cem companheiros, mobilizados para divulgar o programa da oposição nas portas das empresas. Foi durante a campanha que se criaram os embriões do que mais tarde seriam os comités nas outras fábricas.

A vitória da Oposição. Suas novas tarefas enquanto diretoria
As eleições se realizaram em julho de 1967 e nós vencemos com maioria absoluta em primeira votação. Foi a primeira vez na história do sindicalismo que uma chapa de oposição, concorrendo com duas outras e sem nenhuma ligação com a máquina sindical ou com qualquer tendência política tradicional no movimento operário, obteve uma vitória dessas.
Vale ressaltar que nós perdemos em todas as fábricas e só ganhamos na Cobrasma, onde tivemos 99% dos votos. Só a chefia não votou conosco.
No início de nosso mandato tivemos que enfrentar sérias dificuldades. Havia muita descrença, pois os operários não tinham grandes ilusões na direção sindical, nem no próprio sindicato. Apesar disso, fomos ganhando autoridade no decorrer da luta.
Embora fôssemos contra o assistencialismo no sindicato, nós não o eliminamos. Ao contrário, a assistência médica, dentária e jurídica no sindicato até melhorou. Mas a ênfase de nossa ação passou a girar em torno da luta económica e política. Para atingir esse objetivo voltamos toda a máquina sindical, no sentido de criar uma organização independente, iniciando um processo de mobilização fábrica por fábrica. A agitação de todos os problemas internos na empresa abria caminho para a organização dos comitês
clandestinos.
No nosso trabalho de organização e mobilização procurávamos esgotar, em todas as fábricas, os métodos legais de atuação, utilizando o diálogo entre o sindicato e os patrões. Chegamos mesmo a convocar mesas redondas, por fábrica, na Delegacia Regional do Trabalho, embora sabendo que isso não levava a nada. Agindo segundo esses critérios, partíamos de um princípio básico: não adianta radicalizar, apregoar a greve, se a massa não compreendeu sua necessidade. Para que isso ocorresse foi que começamos pelas lutas parciais, pelas lutas do dia a dia, ao nível de cada empresa.
Outro método de trabalho, por nós empregado, foi o do exercício da democracia dentro do Sindicato. Nós deixávamos que as decisões mais importantes fossem tomadas em assembleias gerais, onde a posição do grupo de esquerda era sempre vitoriosa, obrigando, assim, a maioria da diretoria do sindicato, sobretudo a FNT, a seguir a reboque de nossa orientação.
Ao mesmo tempo em que organizávamos os operários a partir das fábricas, nos integramos aos movimentos mais gerais das organizações sindicais, mesmo quando eles não correspondiam à nossa perspectiva para o movimento operário. Foi o caso de nossa
participação no MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho). que surgiu mais ou menos por volta de setembro de 1967, com o objetivo de lutar contra o arrocho salarial. Seu programa era convocar concentrações em vários Sindicatos, culminando com um ato em praça pública. Foram programadas 5 concentrações: a primeira no Sindicato tios Metalúrgicos de São Paulo, a segunda em S. André, a terceira em Osasco, a quarta em Campinas e a última em Guarulhos. Somente os dirigentes sindicais faziam parte do MIA, ficando os mesmos encarregados de convocar a massa para as concentrações, nas quais eles eram os únicos oradores. Era uma tentativa de dirigentes sindicais que não tinham massa, de aparecerem como nova liderança.
Seguindo nossas posições, defendemos no MIA a necessidade de se agitar as palavras de ordem de organização pela base, formação de comitês de fábricas e greve contra o arrocho, servindo de porta-voz das diversas oposições sindicais. Na concentração promovida pelo MIA em Osasco, só falaram representantes das oposições sindicais e nela foi aprovada a "Carta de Princípios dos Trabalhadores de Osasco", onde aparecia todo o nosso programa.
Foi nesse momento que houve a tentativa, por parte do Ministério do Trabalho, de decretar intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Eu cheguei a ser suspenso por 15 dias e o caso provocou uma grande mobilização em defesa do sindicato, que contou, inclusive, com a solidariedade de todos os dirigentes sindicais de São Paulo. A reunião de Guarulhos terminou em conflito entre as oposições sindicais e os dirigentes pelegos, e nesse processo o MIA extinguiu-se. Começou-se, então, a organizar o Primeiro de Maio na Praça da Sé.

Bases participam do 10 de maio e exigem a greve
Os dirigentes sindicais que integravam o MIA defendiam a realização de um ato público com a participação das autoridades e convidaram o governador Abreu Sodré, o Ministro do Trabalho e Franco Montoro. Nós, por outro lado, achávamos que do Primeiro de Maio deveriam participar apenas trabalhadores, sob pena de descaracterizar a manifestação e aparecermos comprometidos com o governo. Como nossa posição não foi aceita, reunimo-nos no sindicato e decidimos partici-par do ato publico, utilizando-o como forma de protesto. Assumimos então a decisão de tomar o palanque e dele expulsar os pelegos, autoridades e transformar a manifestação num ato autenticamente operário, dominado pelas oposições sindicais, verdadeiras representantes das tendências mais consequentes do movimento operário naquele momento. E asim foi feito. Tomamos o palanque e logo em seguida saímos em passeata pelas ruas da cidade. Eram cerca de 15.000 pessoas que desfilaram até a Praça da República, onde o Barreto fez um excelente discurso, explicando a significação do Primeiro de Maio e a ocupação do palanque.
Essa manifestação repercutiu profundamente em Osasco, acentuando o nível de radicalização e de combatividade da massa. Era uma época em que se realizavam pequenas paralisações por empresas e eram frequentes as assembleias gerais no sindicato. Foi nessa ocasião que ocorreu a greve da Barreto-Keller.
Os trabalhadores dessa empresa estavam reivindicando aumento salarial, e os patrões haviam prometido atender suas reivindicações. Mas no dia do pagamento o aumento veio apenas para alguns companheiros, numa tentativa clara de dividir o movimento. Após o almoço, os operários reuniram-se, cercaram o Departamento de Pessoal e disseram que só voltariam ao trabalho quando o problema do aumento fosse resolvido. A seguir, telefonaram para o sindicato e avisaram que estavam em greve. E eu segui para lá.
Formamos, imediatamente, uma comissão provisória com os companheiros mais antigos na fábrica, para discutir a questão com os patrões. A empresa não aceitou receber a comissão e disse que só discutiria comigo. Rejeitamos essa proposta e a greve durou 7 dias. Um fato curioso: o dono dessa fábrica, numa reunião, chegou a chamar-me de comunista que fazia o jogo do imperialismo porque a sua empresa estava ameaçada pela Telespark e a G.E. Nessa semana mobilizamos toda a massa, realizamos assembleias gerais e criamos comités de solidariedade. Um clima de greve tomou conta de todas as fábricas e os operários ficaram esperando a hora de parar. Na Barreto-Keller, apesar das ameaças de dispensa, os patrões terminaram concordando em ceder: aumento salarial, melhoria nas condições de trabalho e legalização da comissão de empresa.
Entretanto, os operários não queriam aceitar o acordo. A greve fora organizada por um comitê totalmente independente do grupo de esquerda e do sindicato. Diante disso, nós do grupo de esquerda nos reunimos, analisamos a situação, convocamos os comités de empresas e explicamos que não estávamos organizados para ir à greve; que ela deveria ser feita somente em novembro, época do dissídio coletivo dos metalúrgicos. Argumentamos politicamente e os companheiros da Barreto-Keller terminaram aceitando.

Isso ocorreu em fins de maio de 1968.
Era um momento de intensa agitação política. Os estudantes estavam nas ruas e alguns grupos de esquerda intensificavam as ações armadas. Vários companheiros do grupo de Osasco, inclusive, eram atraídos por um desses grupos. A maioria dos integrantes do grupo de esquerda tinha a perspectiva de ir para a clandestinidade e realizar um trabalho de outro nível.
Apesar da euforia da radicalização, nós sabíamos que havia um grau de organização suficiente para tirar a greve, mas não para sustentá-la. Por isso, nossa intenção era transferir o movimento grevista para novembro.
A posição do sindicato e do grupo de esquerda não correspondia, no entanto, às expectativas da massa. Começaram a aparecer nas fábricas pichações pedindo greve e os operários só falavam em paralisar o trabalho. Era voz corrente que todos estavam dispostos a ir à gpreve, menos o sindicato. De um lado, nos sentíamos cobrados e pressionados, e, de outro, fazer a greve era, há muito tempo, uma questão importante para nós que procurávamos nos afirmar como uma liderança de novo tipo.
Nesse sentido o exemplo de Contagem, em Minas Gerais, que havia parado em abril, calara fundo na liderança de Osasco. Eu havia estado lá depois do movimento e voltei convencido de que tínhamos mais condições do que eles para realizar a greve. E havia também um dado concreto: lá não houvera repressão, e, em São Paulo o movimento estudantil não estava sendo reprimido. Por fim, existia uma questão política que norteava nossa atuação prática. Estávamos ligados ao movimento de massa, mas ideologicamente nos encontrávamos bastante comprometidos com as propostas de luta armada que setores da esquerda começavam a levantar. Em outras palavras, partíamos da mesma análise de conjuntura que o restante da esquerda estava fazendo: o governo está em crise, ele não tem saída, o problema é aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa concepção insurreicional de greve. O objetivo era levar a massa, através de uma radicalização crescente a um confronto com as forças da repressão.
Foi essa concepção que nos guiou quando, em julho de 1968, decidimos desencadear a greve. Era uma análise errada de conjuntura - comum a toda esquerda - e um fator subjetivo a nossa vontade de fazer o movimento.

A greve de julho de 1968: ocupação de empresas, do Sindicato e passeatas
Com esse propósito partimos para organização do movimento. Fizemos um esquema para a greve e um cronograma para as paralisações. No primeiro dia ocuparíamos a Cobrasma e a Lonaflex, paralisaríamos a Barreto-Keller e a Fósforos Granada, cujos operários tomariam o sindicato. No segundo dia, seriam paralisadas Brown Bolveri e a Braseixos.
No terceiro, estenderíamos o movimento ao restante das fábricas. Em três dias toda Osasco estaria em greve, e nosso plano era estendê-la a São Paulo, só não contávamos com a repressão no primeiro momento. Para isso nos baseávamos nas atitudes de Sodré, em relação ao movimento estudantil e na posição adotada pelo Ministério do Trabalho por ocasião da greve de Contagem.
A ocupação da Cobrasma foi detalhadamente planejada, devido às dimensões da fábrica. Foi pensada a melhor maneira de impedir a infiltração policial, a saída do pessoal, como reter os funcionários da administração, dominar as vias de comunicação da empresa e como organizar grupos para explicar à massa as razões da ocupação. Essa ação englobava, ao todo, cerca de 200 companheiros pertencentes aos setores mais avançados da Cobrasma. Esse mesmo esquema foi montado em relação à Lonafex e nosso principal ponto de apoio eram os comités e núcleos clandestinos, que atuavam em cada fábrica. Para coordenar o movimento foi formado um comando geral da greve, ao qual estavam subordinados os comitês a nível de empresa. Somente os companheiros que integravam esses comandos sabiam o dia e a hora do movimento.
A Cobrasma parou às 8:30, quando um companheiro do Comando Geral, que trabalhava no setór de fundição, parou seu maçarico e gritou: "PESSOAL, Ê AGORA!" Com essa palavra de ordem foram parando seção por seção e o pessoal que deixava o trabalho passava a engrossar o piquete. No mesmo dia às 13 h e 45 m parava a Lonafex.
Durante a ocupação da Lonaflex houve alguns incidentes, pois entre os técnicos e o pessoal de escritório havia grupos ligados à TFP, os quais tentaram atravessar os portões, agredindo os companheiros que ali se encontravam. A massa veio em seu auxílio e deu uma grande surra nos técnicos e sobretudo nos elernentos pertencentes à diretoria da empresa.
O movimento grevista foi se estendendo e já de manhã haviam sido paralisadas a Barreto-Keller e a Fósforos Granada. Eram duas fábricas vizinhas, pertencentes ao mesmo dono, embora só a primeira seja metalúrgica. A Granada tinha cerca de 400 operários, dos quais 350 eram mulheres e menores, o que tornava o trabalho de organização bastante difícil. Foi com a ajuda dos companheiros da Barreto Keller que conseguimos organizar um grupo de companheiras mais avançadas, dispostas a criar condições para que a Granada aderisse ao movimento. As duas fábricas pararam e os trabalhadores desfilaram em passeata até o sindicato.
Depois de organizar a atividade no sindicato fui para ia Cobrasma. A fábrica tinha dois portões: o da frente que conduzia ao escritório central e, a seguir, um outro que dava acesso direto ao interior da empresa. Como só este último havia sido tomado pelos companheiros, quando cheguei aí, fui barrado pelos guardas da segurança que não me deixaram entrar, dizendo que eu tinha de pedir autorização ao diretor da empresa. Este, da janela do escritório, me chamou para conversar. Eu respondi que não tinha por que lhe pedir autorização, pois a fábrica estava em nossas mãos e se os operáros me dessem ordem para entrar eu pularia a cerca. E foi o que eu fiz. Os companheiros então me levaram nos braços ate a assembleia, enquanto os patrões olhavam pela janela prostrados.
Já não mandavam na empresa.

Intervenção oficial: negociação e repressão
A essa altura o Ministério do Trabalho já tinha declarado a greve ilegal, decretado a intervenção no sindicato e designado representantes para ir a Osasco discutir com a direção sindical e os grevistas. Chegaram com tom conciliador, tentando me envolver e dizendo que se parássemos a greve e desocupássemos as fábricas eles garantiriam o início de conversações com os patrões. Mostrei que a greve havia começado nas fábricas e nós como direção sindical a apoiávamos incondicionalmente. Além do mais, não estava autorizado a realizar qualquer tipo de negociação. Por fim, falei que se eles quisessem, poderíamos discutir com os companheiros das fábricas e com a assembleia dos operários no sindicato. De fato, na Cobrasma, realizou-se uma assembleia, da qual participaram os representantes do Ministério e um representante dos patrões. Em nome do sindicato eu disse que a greve continuava firme e que contávamos com um grande apoio; o representante do Ministério tentou defender o governo, recebendo uma estrondosa vaia e o emissário dos patrões manteve uma atitude conciliatória, dizendo que a empresa estava estudando o problema. Quando saíamos dali a massa estava convencida de que o Ministério e os patrões inclinavam-se a negociar.
Ao cair da tarde do primeiro dia de greve tudo marchava segundo havíamos planejado. Eu circulava livremente no carro do sindicato e não havia sinal de mobilização policial. A repressão chegou com a noite. A tropa de choque da Força Pública entrou em Osasco trazendo cavalaria, tatus, brucutus e atuando em consonância com o DEOPS e passando a controlar todas as saídas da cidade. Os soldados cercaram as fabricas ocupadas, exigindo que a massa saísse. Mas nenhuma medida foi tomada em relação ao sindicato.
Os companheiros da Cobrasma d i s c u t i r am o problema e resolveram não abandonar a fábrica. Da rua, os soldados começaram a fazer guerra de nervos. Foi então que o Barreto aproximou-se da cerca e fez um discurso para os s o l d a d o s , conclamando-os a não acatar as ordens dos oficiais e não reprimir os trabalhadores grevistas.
Foi uma cena impressionante. Toda a massa colocou-se atrás dele e os soldados vacilaram. A oficialidade teve que falar com firmeza, para fazer os soldados avançarem.
Era mais ou menos meia noite, quando começou a invasão. Os tatus e brucutus romperam as barricadas e os companheiros, para se protegerem, apagaram todas as luzes. A tropa de choque entrou na fábrica dando rajadas de metralhadoras para cima e jogando bombas de efeito moral. Houve muito combate corpo a corpo, pois os operários conheciam muito bem a fábrica e valiam-se da escuridão.
Nesse momento a massa mostrou uma grande disposição de luta e o pessoal do comando, liderado pelo Barreto, dirigiu a saída dos grevistas. Foi aí que ocorreu um episódio pleno de tensão, envolvendo o Barreto. Ele estava dando cobertura a um grupo que pulava o muro, quando surgiu um pelotão da Força Pública. Então ele acendeu uma tocha, correu para perto do depósito de gasolina e gritou: "ou vocês param, ou vai todo mundo para o inferno!" Os soldados pararam, os companheiros conseguiram fugir, mas o Barreto foi preso, quando tentava sair. Ao todo foram presos cerca de 300 grevistas, mas depois da triagem feita na fábrica, somente uns 50 grevistas foram para a delegacia.
A Lonaflex também foi desocupada da mesma forma um pouco antes. Só que lá não houve prisões. Depois de dialogarem com a Força Pública e receberem a garantia de que ninguém seria preso, a massa saiu à rua em um bloco único, que só se dispersou quando se havia distanciado bastante da repressão.
Nessa mesma noite também foi decretada a intervenção no sindicato.
Apesar de toda a repressão à greve, no dia seguinte, a Brown Boveri parou. De acordo com o plano combinado, os companheiros mais avançados deveriam reunir-se num determinado ponto da fábrica e desencadear o movimento. Mas em decorrência da repressão na Cobrasma o esquema furou, pois só uma minoria compareceu ao local combinado. Nesse momento um companheiro muito combativo, não conformado com a situação, resolveu parar assim mesmo o seu setor. Falou aos companheiros de trabalho e conclamou-os à paralisação, dizendo que não era correto abandonar os trabalhadores das outras fábricas, que haviam aderido ao movimento e sofrido a repressão. A massa aceitou a formou-se um grande piquete para levar a greve às demais seções. Diante da ampliação do movimento os diretores correram para a calderaria, o setor mais importante da empresa, onde trabalhavam cerca de 600 operários. Caso esse setor continuasse funcionando, não havia maiores problemas para a fábrica, mesmo com a paralisação do resto do pessoal. Quando o piquete se defrontou, na seção, com os patrões, a massa vacilou. Novamente o mesmo companheiro fez uso da palavra e gritou que se o pessoal tivesse medo de parar as máquinas ele mesmo pararia. Dizendo isso, saltou de onde estava e desligou a primeira máquina que encontrou à sua frente. Em meio aos gritos de "Greve, Greve!" a seção parou. Depois saíram às ruas e foram em passeata até o sindicato.
A fábrica seguinte a parar foi a Braseixos, que ficava junto à Cobrasma. Mas esses companheiros abandonaram o trabalho e se organizaram em grupos clandestinos nos bairros e nas igrejas.
Também nesta mesma noite o Sindicato foi cercado pela polícia a qual ordenou sua desocupação. O interventor foi até a sede do sindicato com um pelotão de soldados, para assumir as novas funções, mas não conseguiu nem entrar no prédio. Quando a polícia invadiu o sindicato havia lá dentro cerca de 80 companheiros e eram 22 h.

Final melancólico
No terceiro dia; nos reunimos para tentar articular um esquema de organização por bairros. Mas embora a greve continuasse, não havia se alastrado como se esperava. No quarto dia começou o refluxo: 50% dos operários voltaram ao trabalho. A partir desse momento praticamente perdemos o controle do movimento. Estávamos sendo procurados pela polícia, não podíamos mais circular por Osasco. No entanto, a greve ainda continuou por mais um dia, depois do qual cerca de 80% dos trabalhadores retornaram às fábricas.
Como era de se esperar, com o refluxo da greve, os patrões negaram-se a atender qualquer reivindicação e começaram uma dispensa em massa. Diante disso, retomamos a agitação, através de p a n f l e t o s , comi cios- relámpago. protestando contra as dispensas e tentando articular uma nova paralisação. Foi aí que os dirigentes sindicais de São Paulo, junto com a FNT e a Igreja convocaram uma reunião com os patrões na DRT, onde chegaram a um acordo: não haveria mais dispensa, seriam atendidas algumas reivindicações e as empresas pagariam indenizações aos operários despedidos. Além disso, chegaram a conceder reajustes salariais entre 15 e 20%.

Uma avaliação autocrítica e suas Lições
Para terminar é necessário tirar algumas conclusões dos acontecimentos. Um movimento de envergadura como a greve de Osasco, para ser vitorioso, tem de levar em consideração uma série de fatores, como a correlação de forças, o nível de organização, a disposição da massa. É preciso sempre tentar obter vitórias parciais, para que se fortaleça a organização e se eleve o nível de consciência da classe operária. Como eu já disse, anteriormente, nós fizemos a greve num mau momento, pois se tínhamos condições para mobilizar a massa, faltava-nos organização suficiente para sustentar o movimento. Por outro lado, embora lutássemos sempre para criar uma organização independente nas fábricas, os comitês que surgiram continuaram na dependência do Sindicato. Não que tivéssemos intencionalmente fortalecido o Sindicato em detrimento de nossa meta principal, mas porque se tratava de uma experiência nova. Além disso, os comités também dependiam muito do grupo de esquerda, que por sua vez controlava o Sindicato. Tudo girava em torno do Sindicato: era lá que se realizavam as reuniões das comissões e dos comités. Jamais nos preocupamos a sério em montar, nos bairros, uma infra-estrutura independente do Sindicato. Foi por essa razão que quando a polícia ocupou o Sindicato e nós fomos impedidos de circular em Osasco a greve entrou em refluxo.


Fora isso, existe o problema de nossa visão política (nessa época bem militarista), que influiu na decisão de antecipar a greve, bem como na forma de encaminhá-la. Essa posição nos colocava a todos no mesmo nível de prática de um setor importante da esquerda brasileira, que se encaminhava cada vez mais para as ações armadas. Entretanto, nenhum desses grupos oferecia uma alternativa para o movimento operário, e nós de Osasco sem sermos um partido, fomos levados pela contingência a assumir tarefas de direção política da massa.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Lady Gaga, Salman Khan