quarta-feira, 20 de março de 2013

Entrevista 1 - Albertino de Souza Oliva - Greve na Cobrasma de 1968

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]

Albertino começou a militar ainda durante a década de 1950 no movimento pela emancipação de Osasco, destacou-se como liderança neste movimento. Trabalhou na Cobrasma no período 1945-1964, trabalhando nessa durante 19 anos. Período em que a fábrica já tinha cerca de 5.000 trabalhadores. Trabalhava no setor colarinho branco, uma espécie de setor de RH. As mobilizações do período o colocava em contradição com a atividade que exercia. Começou a interessar-se cada vez mais pelas atividades do movimento operário, “o contato que tive com a periferia, e a situação social que havia, aquilo me tocou muito” essa visão o “despertou para a luta social”, entrou em contato com um ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos. Isso porque avaliava que esse trabalhador tinha uma postura “diferente do normal”. Porque quando saiu da presidência do sindicato, esse trabalhador voltou para a linha de produção, para a “bancada”. Albertino interpretou que esse operário, era “um cara diferente, não era um sujeito que queria usar a posição [de dirigente] para fazer degrau”. Esse trabalhador indicou-lhe dirigente sindical, antigo dirigente da JOC “João Batista Candido”.
A partir disso, passou a freqüentar as reuniões, atividades sindicais e militantes, principalmente na Igreja Nossa Senhora da Conceição (padre Rafael), “a partir daí ouve uma evolução para uma mudança de mentalidade”. Mario Carvalho de Jesus, então dirigente da Frente Nacional de Trabalho. Em Santo Andre tinha um bispo muito atuante Don Jorge, este ajudou a fundar a Frente em conjunto com Mario. Com isso, as mobilizações de Osasco ligam-se e influenciam diretamente no ABC. A Frente nacional compunha também o Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo.
Por conta de todos esses fatores, Albertino começou a proteger os trabalhadores. “Em virtude desse relacionamento, a minha postura dentro da fábrica, em relação à militância operaria mudou. Em vez de eu anular, eu passei a proteger. E eles conseguiram formar um grupo dentro da Cobrasma”.
Numa determinada ocasião, houve um acidente com um operário no forno da Cobrasma. O mesmo morreu carbonizado. Os operários então passaram a lutar para dar visibilidade ao fato. Queriam protestar como forma de demonstrar unidade. Combinaram de soar a sirene da fábrica na hora do enterro para que desencadeassem uma paralisação da fábrica. Quando “a direção da Cobrasma percebeu que havia uma organização” os operários já tinham tocado a sirene para paralisar a linha sem que a administração soubesse.  A administração queria punir os responsáveis. Albertino foi chamado pela administração, queriam que lhes dissesse os nomes, mas Albertino recusou. A patronal intensifica a perseguição aos operários de todas as formas possíveis. Albetino já trabalhava na Cobrasma a 19 anos, por isso não podia ser demitido ao livre arbítrio da patronal, por isso a fábrica optou por transferi-lo para São Paulo. Nesse período, pré-ditadura militar (1964) “a política operária estava fervendo”. Em São Paulo Albertino passou a ter mais oportunidades de se reunir com os ativistas, militantes e dirigentes operários de diversas correntes, com isso intensifica sua militância. Mesmo após desligar-se da Cobrasma, continuou a se organizar com os círculos de operários. Nesse período alugou uma sala na vizinhança da própria Cobrasma.
Essa sala, onde advogava, passou a ser também a sede da Frente Nacional, sendo que Albertino continuava advogando em São Paulo também. Toda sua atuação política, organização e atividades sindicais eram orientadas por grupos da Igreja Católica. Os círculos dos quais participava, orientavam-se com referenciais das alas esquerdas da Igreja (Princípios para ação padre Lebret, Encíclicas papais de João XXIII[1]). Com isso, em pleno período pré-golpe, com auxilio dos ativistas e militantes da Frente Nacional, formou-se a primeira comissão de fábrica da Cobrasma. Em meio a esse processo Albertino, juntamente com outros ativistas e militantes da frente Nacional, foram presos e levados para as dependências da Aeronáutica em Cumbica, onde ficou preso durante cerca de 15 dias. No entanto essa prisão não o afastou da militância. Ainda, a Frente Nacional continuou a expandir-se. Alugou um novo espaço na Avenida dos Autonomistas. Com isso a comissão de fábrica expande cada vez mais sua capacidade de organização e atuação política.
No entanto, com o golpe militar-burguês, a Frente foi fechada, o sindicato sobre intervenção militar. Albertino, assim como outros operários, ativistas e militantes, foi obrigado a refugiar-se por cerca de 10 dias. Dentro das fábricas, os militantes e sindicalistas redobram seus cuidados. Mas os operários continuam organizando-se clandestinamente, com tudo isso, em 1968 a comissão será o núcleo da greve da Cobrasma. Militantes da Frente Nacional e da Comissão de fábrica foram até Contagem (MG), “ver como eles tinham feito a greve lá (...) trouxeram a experiência deles”. A Frente Nacional, a Comissão de Fábrica e o Sindicato de Osasco estavam diretamente envolvidos na preparação da manifestação do Primeiro de Maio de 1968.
“A partir de 1968, começou a queda dos militares, foi uma brecha”
É dessa forma que Albertino define o maio de 1968 no Brasil. Toda mobilização operário-estudantil no período, foi entendida como uma onda de ameaça contra o regime ditatorial. A partir desse processo, o governo militar-burguês decretou o Ato Institucional numero 5. Desencadeia-se uma enxurrada repressiva contra os ativistas, militantes sindicais, estudantis e direções políticas. Albertino foi preso novamente e levado para o Gecan-40 (inteligência militar). “Quando eu cheguei, a casa estava cercada, todo mundo com fuzil (...) um tenente do exército, Quitanguilha, chegou a falar para minha filha, que naquela época tinha 14 ou 15 anos, sabe que agora já tem pena de morte no Brasil?”.
Como já se sabe, as forças repressivas da ditadura, tinham invadido a Cobrasma e fechado o sindicato. Rapidamente Albertino, em conjunto com outros ativistas, militantes e sindicalistas passa a re-organizar o operariado no sindicato dos químicos de Osasco. Era uma forma de evitar a dispersão dos ativistas que não haviam sido presos. “Quando todo mundo foi preso, o pessoal da Frente Nacional (...) articulou-se com o cardeal Arns para conseguir que a turma fosse solta, inclusive para que a Cobrasma pagasse os direitos dos trabalhadores que tinham sido mandados embora. Pagaram para todos, menos para o Ibrain. Que nessa altura já estava pra fora [do país]. Eu abri um processo na Justiça do trabalho para que a Cobrasma pagasse”. Albertino ganhava mais essa causa na justiça em favor de Ibraim.
Uma das formas de reoganização foi a articulação em torno da luta contra a carestia de vida, uma vez que “não podia passar perto do sindicato”. “Depois que passou a fase mais aguda, a gente procurou reunir os trabalhadores que sobraram, praticamente todos estavam sem emprego. Todos os militantes da Frente Nacional foram cortados da Cobrasma. Alguns arrumaram empregos em outras fábricas por aqui mesmo (Osasco) e outros, como João Batistas, foi para São José dos Campos porque ele não conseguia emprego aqui perto [de Osasco]. (...). Eu consegui chamar o Ze Grof, o Pedro Tintino [...] e outros mais pra retomar a luta, reiniciar o trabalho. [...] Foi muito difícil retomar, porque o pessoal tinha muito medo, estava muito escaldado, e a gente era vigiado todo o tempo”. Outra forma de manter a militância foi utilizar “o MDB como uma espécie de salvaguarda, o pessoal convergia com o MDB para poder fazer frente à ditadura”.
Em meio a todo esse processo, voltou a advogar mantendo a clareza  que “desde que eu tomei ciência das coisas eu sabia que o advogado não muda nada [...] o que dá a diretriz é a lei, se você tem uma lei [...] não pode discutir além dela, então você tem que mudar a lei. Então a tendência é a militância política, que é pra poder mudar a estrutura”. Desta forma, Albertino compunha uma geração em que se encontrava certo numero de advogados que foram diretamente influenciados pelo “clima” da luta de classes, e assim, advogavam em defesa dos trabalhadores, pagamento de direitos, reversão de penalidades políticas, etc. As perseguições e prisões não os impedia de continuar lutando em prol do operariado e dos trabalhadores. Isso fica explicito na trajetória de Albertino, que fora preso novamente em 1974 por mais 10 dias no Presídio Tiradentes.
No entanto, como já colocava Albertino, a partir de 1968, com a mobilização operário estudantil abriu uma brecha Regime ditatorial, esta expande-se até fazer ruir o regime militar policialesco. “É como se fosse uma espécie de muralha com um furinho e começou a vazar água [...] foi crescendo e não teve jeito de segurar”.
 Frente a isso, os militares, em conjunto com a burguesia, patronato e seus sócios menores, começaram a articular um plano de emergência para garantir sua própria salvaguarda e, ao mesmo tempo, dar sobrevida ao capitalismo tupiniquim. Pois de acordo com Albertino “eles ainda tenham força bastante para impedir que se faça a punição daqueles que agiram de maneira ilegal”. Em relação a “anistia ampla, geral e irrestrita”, Albertino considera que os militares e seus apoiadores “fizeram anistia para eles”. Por outro lado, a militância no seu conjunto, bem como as direções políticas, sindicais e intelectualidade “A gente não tinha assim uma visão muito clara das coisas não. O fato de fazer a anistia obliterava, encobria o que estava por trás. Então a gente não tinha idéia de que estava fazendo [anistia] para os dois lados [torturados e torturadores]. Não era clara essa idéia. Havia mais uma empolgação. Anistia, anistia, anistia! E esqueceu do resto”.
Essa debilidade expressa-se na Comissão da verdade e a política do governo Dilma, “nos estamos atrasados em relação aos outros países, Argentina, Uruguai, Chile, todos já fizeram essa mudança radical... Nós não, mais vai chegar a hora”. Mas ainda, para Albertino todo o movimento em busca da punição dos torturadores deve ser reivindicado “O fato de ter sido alterado o registro civil do Hersog para constar que a morte dele foi provocada pela ditadura, eu acho que é um marco. A apresentação da documentação da morte do deputado Rubens Paiva é outro marco. E daqui a pouco vai tendo mais coisas... É verdade que quando chegar a hora de punir serão poucos os que estarão vivos, mas de qualquer forma é um caminhar, apesar das pressões contrárias”.
Ainda, em relação a luta sindical atualmente, com base em suas experiências vividas a pouco no movimento operário, Albertino argumenta em defesa do não atrelamento dos sindicatos com os governos. Combate inclusive o imposto sindical reivindicado por grande parte da esquerda brasileira.
“Em termos de luta sindical hoje, eu vejo com muito maus olhos essa vinculação mais acentuada do sindicato ao governo, quanto mais estiver preso [atrelado ao governo] menos conquistas eles vão ter, porque ai eles vão trabalhar em função dos interesses do governo e não dos trabalhadores. Desde que eu trabalhava na Frente Nacional, eu defendia a liberdade sindical de acordo com a OIT, que tem uma convenção, convenção 51, que fala que a organização sindical tem que ficar absolutamente liberada para fazer a organização do jeito que quiser. O governo não tem que se meter. Não tem que ter esse imposto sindical. Essas coisas são vinculantes, prendem o sindicato ao governo. Eu sou favorável a essa mudança. Tanto é verdade que, em uma ocasião nos fizemos uma reunião dos antigos militantes da Frente Nacional, há uns 5 ou 6 anos atrás, o mais até, e fizemos um documento e mandamos para a OAB, pedindo que a OAB encaminhasse a luta pela liberdade sindical, e a OAB arquivou...”



[1] As enciclicas papais de João XXIII foram promulgadas em um momento de grave crise da Igreja, buscando re-localizar, a Igreja buscava aproximar-se mais das frações mais precarizadas do proletariado latino-americano. Por isso lançam tais encíclicas, essas constituíram a base “teórica” de toda a esquerda católica, sobretudo da corrente conhecida com Teologia da libertação. São oito 8 pontos que são chamados de princípios (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_enc%C3%ADclicas_do_Papa_Jo%C3%A3o_XXIII). Entre os principais pontos da encíclica estão: 1: “Conhecimento da verdade, restauração da unidade e da paz na caridade”. 3: Sobre o Rosário: Oração para a Igreja, missões, os problemas internacionais e sociais. 8: Sobre o estabelecimento da paz universal, na verdade, a justiça, a caridade e a liberdade. Confira: BERBEL, M. R. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura na esquerda brasileira (1978-1980). Dissertação de mestrado. FFLCH-USP. São Paulo. 1991. 

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