sexta-feira, 29 de março de 2013

Entrevista 7- Antonio Vieira de Barros - Greve na Cobrasma 1968

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]



Antonio Vieira de Barros [Toninho três-oitavos], nasceu em Alagoas, na cidade de São Miguel dos Campos, em 1942. Migrou para São Paulo em 1959, com 17 anos. Seu primeiro emprego foi na Sambra/Jaguaré, onde era fabricado olé de soja, margarina, etc. Nesse período começa a militar na JOC – Juventude operária católica, espaço onde começa sua formação política. Na Sambra já se envolve na direção em uma greve em 1960.  Buscam divulgar essa greve para operário de outras fábricas Anaconda, S/A Vito, Tupi (fábrica de enxadas), etc. Na frente da S/A Vito foram cercados e presos pela Guarda Civil. Ficaram detidos uma noite e um dia presos sem comer, ‘Trabalhador não valia nada na época. A partir dessa experiência, Antonio refletia: ´Por que trabalhador é tão agredido, faz uma greve por melhores salários e vem tropas e mais tropas cercar, bater, prender, matar?’. No entanto, essa indagação não o paralisava, por onde passava Antonio continuava na luta por via do movimento operário, o que lhe levaria a outras prisões. Poucos meses depois, trabalhando em outra fábrica na Lapa, voltou a fazer greve, foi novamente reprimido e preso “O DOPS pegou a gente, bateu muito. Eu fiquei em um bar, fazendo que estava tomando um café, eles chegaram, o que você está fazendo aqui? Estou tomando café [respondeu]. Não está trabalhando? Não, estou esperando, para ver se a turma deixa a gente entrar... Ai já me deram uma bordoadas lá... Já me mandaram para o camburão deles. Me prenderam...”
Neste período, estava em curso um ascenso das lutas operárias no inicio da década de 1960, o envolvimento na direção das greves levava a demissões sumárias, por isso os operários ativistas era obrigados a mudar de emprego recorrentemente. Para conter as greves na região de Osasco, mesmo antes do golpe, Osasco já estava militarizada. A cavalaria estava patrulhando as ruas da cidade. ‘Osasco sempre foi um barril de pólvora’. Antonio, que profissionalizado como mecânico de manutenção, trabalhou em 33 empresas com registro e em mais 15 na informalidade. Ingressou na Cobrasma em 1961, desligou-se dessa antes do golpe militar de 1964, ficou um breve período na MAFESA, no entanto, foi admitido na Bras-eixo que funcionava dentro do pátio da Cobrasma. Praticamente não havia separação entre o operariado da Cobrasma e da Bras-eixo, o restaurante era um dos espaços em que os operários de ambas as fábricas almoçavam juntos. Isso permitia a integração dos operários das duas fábricas. Em 1964 ingressou a AP – Ação Popular.
___________________//____________________

Quando a gente estava fazendo a greve da sambra [em 1961] a cavalaria estava aqui, rodando a rua da estação, o largo de Osasco... Osasco sempre foi um barril de pólvora, porque tinha a Cobrasma e tinha umas empresas importantes aqui. Então juntou um monte de trabalhadores que tinha uma certa consciência... Por causa disso isso aqui foi um barril de pólvora sempre. Só para você ter uma idéia, eu trabalhava na Brawn Boveri, eu saia da Brawn Boveri, saia não, eu deixava de entrar cedo na Brawn Boveri para ir fazer panfletagem na Leopoldina, Jaguaré, Lapa, essa região ai das grandes metalúrgicas, quem cobria era o pessoal de Osasco, os companheiros de Osasco. Nos juntávamos a companheirada de Osasco e vamos panfletar, vamos fazer piquete. Trabalhadores de varias correntes, tinha gente cristã, gente comunista, de outras organizações... E Osasco sempre deu essa contribuição para o movimento operário nas conquistas... na época eram mais conquistas salariais...
Comissões de fábrica antes do golpe militar
Existia na Cobrasma, já tinha comissão na Cobrasma. Lá tinha o... a pessoa mais esclarecida, mais importante na comissão era o João Candido, depois tinha o Din, o Groff que já morreu, tinha o Pedro Tintino, tinha o Ibrain, e outros...
Greve de 1968 na Cobrasma
Começou a organização pelo simples fato de que a empresa dizia que não dava aumento de salário porque o governo não permitia, o governo militar. (...). Então de inicio era assim, a gente queria aumento, a empresa alegava através da comissão, a comissão que fazia este trabalho, através da comissão que realmente não podia dar aumento porque o governo não permitia. E na época o governo não permitia dar aumento salarial. E a empresa até fazia um pouco de chacota, dizia: ‘Olha, se o governo quiser eu dou aumento, mas o governo não permite, porque se eu der aumento eu vou ser punido’. Eles falava assim para o pessoal da comissão. Ai foi quando começou a se organizar o pessoal dentro da Cobrasma. Porque o governo não permitia dar aumento. A empresa podia dar aumento, não dava porque o governo não permitia. Ai foi se preparando para poder fazer um enfretamento mais severo. O governo era o alvo principal. Essa greve não foi contra a Cobrasma, a gente fez a greve contra o governo, por causa das questões políticas e as questões econômicas, a greve de 1968. Antes disso... na Cobrasma já tinha gente que tinha feito outras greves, mas a mais importante foi essa, a de 1968. A gente quase todo ano fazia greve, de dois dias, três dias, um dia. A gente fazia. Mas a mais importante foi a de 1968, porque ai mexeu com todo mundo dentro da empresa, e outras empresas.
Ai quando a chapa do Ibraim ganhou a chapa do sindicato dos metalúrgicos, que estava nas mãos da chamada ‘pelegada’, a ‘pelegada’ perdeu as eleições para o Ibraim. (...) Ai o Ibraim ganhou essa eleição, o sindicato, fortaleceu o movimento sindical aqui em Osasco. Na formação da chapa do sindicato tinha dois grupos importantes que montaram essa chapa: um era a turma de esquerda ligada ao Ibraim, do partidão [PCB] e outras organizações [VPR...]. e tinha a Frente Nacional do Trabalho, que era um movimento mais cristão, comandado pelo doutor Mario Carvalho de Jesus, e o doutor Albertino também participava. Ai a chapa foi montada de acordo com as forças: a Frente Nacional do Trabalho e o grupo do Ibraim (que os estudantes participavam juntos), os estudantes estavam junto com o Ibraim, um bocado de estudantes... Ai montou-se essa chapa, colocou o João Joaquim, João Candido, Odin, e o Groff ficou fora porque ficou como presidente da comissão da Cobrasma. O Ibraim foi ser o presidente do sindicato e o Groff foi ser o presidente da comissão da Cobrasma.
Com o Ibraim chegado no sindicato começou a se fortalecer o movimento operário e a gente se engrossou e criou coragem para fazer uma greve, porque naquela época não se podia fazer greve. Não podia nem dar aumento quanto mais fazer uma greve. Ai foi, o grupo do Ibraim era mais novo, arrojado e queria as coisas muito correndo, e o grupo da Frente [nacional do Trabalho] era um pouco mais... sabia que não era brincadeira enfrentar a ditadura militar, então pausava as coisas, ‘vamos organizar melhor, vamos ver outras empresas’, e assim por diante. Mas o pessoal não tinha muita paciência, o grupo dos estudantes não tinha muita paciência, queria fazer as coisas logo. (...). Até que se tomou a decisão de sair a greve, e saiu a greve. Mas saiu porque... a Frente abriu mão de fazer a greve mesmo. Ai começaram a dizer que o pessoal [da Frente] não tinha coragem, não queria fazer, e era pelego, aquele negócio. Então a frente falou: ‘Então vamos fazer essa greve!`, mas o pessoal era mais maduro, sabia que era pauleira, não se ia fazer uma greve por fazer greve. Iria fazer uma greve e as conseqüências a gente não sabia o que iria acontecer. E a gente discutia na Frente: ‘vai sair, não vai, as conseqüências, ninguém sabe o que vai acontecer’. Porque era muita gente, e o pessoal com fome, o pessoal desempregado, era muito difícil a situação, e quem iria se responsabilizar? E o pessoal do Ibraim, como era um pessoal mais jovem, não tinha essa preocupação... Eu também não tinha tanta preocupação, mas o pessoal: Mario Carvalho, Albertino, Groff mesmo, o João Candido, eles tinham essa preocupação, de ver como um todo, a conseqüência que poderia acontecer, mas resolveram: então vamos fazer a greve?! Vamos!’. Eu também era meio jovem, eu queria fazer a greve também! Eu queria fazer a greve. Porque dentro da Cobrasma a gente tinha um grupo de jovens, onde tinha o Natanael, tinha o Luizão, tinha o davizinho, e tinha outros companheiros... O Natanael era da... do grupo da Dilma, da  VAR-Palmares, só que a Dilma era da parte mais intelectual e o Natanael era piaozão da fábrica...
Ai saiu a greve. No dia da greve, estava muito bem organizado lá dentro, todo mundo participando, ‘e vamos para as cabeças mesmo!’. A comissão tentando negociar, e a empresa queria dar um aumento, mas queria que a comissão fosse dentro do escritório deles. E o grupo não deixava, dizia: ‘Olha, se for lá, eles vão prender vocês lá forem lá. Então se quiser negociar, tem que vir aqui, no meio nosso. Tinha que vir aqui! No chão da fábrica. O Pedro Tintino dizia: ‘Se eles quiserem negociar tem que vir aqui no pé da cajarana’. Mas eles não vieram. Ai o tempo foi passando, começou a escurecer... Ai esse grupo de jovens ficou encarregado de dar segurança nas laterais da cerca da fábrica, para ninguém nem sair e nem entrar, uma comissão de segurança, tinha um aqui, outro lá, outro aqui, e cercando a fábrica, ai já tinha mais gente, um grupo grande de jovens, e a gente ficava ali. Daí a pouco, aparecia muita senhora chorando na beira da cerca, porque a televisão começou a dizer que as tropas estavam vindo para cá e ia ser um massacre... Ai as mães, as mulheres dos trabalhadores ficavam muito apavoradas e elas vinha chorando na beira da cerca... Ai a gente dizia: ‘Não, pode ficar sossegadas, está tudo sossegado’, ai elas voltavam um pouco mais confortáveis. E alguns que queriam sair nós não deixávamos também, porque tinha uns que queriam pular a cerca e ir embora, nós não deixávamos...
Quando foi uma certa hora a policia começou a chegar... Ai começou a cercar a empresa, e começou a aparecer muito policial lá na frente, fazendo formação... Ai o comandante queria negociar, a turma não obedecia muito ele... Ai o pessoal mais adulto, quando viu que a coisa estava meio pesada mesmo, eles saíram e foram se reunir lá dentro, em um escritório que tinha lá dentro. Ai que quem ficou mais lá foram os jovens, o Barreto, que era o mais aguerrido que tinha, o Zequinha Barreto, que era o mais aguerrido que tinha, e o Barreto dizia..., eles [os militares] diziam, falava macio, ‘Não companheirada, vamos sair, nos garantimos a saída de vocês, vocês vão para casa dormir, suas mulheres estão em casa querendo que vocês vão embora...’. O Barreto falava: ‘não, nos temos que resolver aqui! Daqui nós não vamos sair!’. Ai subiu no portão, e lá de cima ele gritava: ‘Companheirada [com o braço em riste], vamos resistir até o fim!’. E a gente estava ali. Até que os policiai começaram a andar de vagar, e foram chegando, encostaram no portão, já cortaram a corrente do portão [que havia sido trancado pelos operários], um guindaste estava na frente, só que o guindaste estava desligado e não tinha força [para barrar o portão], eles abriram o braço do guindaste, ai entrou a cavalaria. Ai nós saímos correndo lá para dentro da fábrica. Ai o Barreto gritava: ‘vamos botar fogo na fábrica, vamos botar fogo na fábrica!’. Mas não tinha... A fábrica, era uma fábrica que trabalhava com fogo, não tinha nem onde pegar fogo... alguns lugares pegava fogo.. era só ferro, a maioria da coisas não tinha como incendiar. Mais ai ele correu lá dentro, tentou botar fogo na bomba de gasolina, mas a bomba estava travada com cadeado, que o Groff tinha colocado, o Groff era do almoxarife, e ele já prevendo estas questões já travou a bomba com o cadeado. Se não fosse isso o Barreto tinha botado fogo mesmo, era uma forma de protesto! Teve gente que andou falando que o Barreto foi um bandido, falo ‘não, foi uma forma de protesto, tem que fazer mesmo!’. Ele não conseguiu. Dentro da Cobrasma tinha um cimento que fazia os moldes para fazer as peças (...), tinha um monte de saco de cimento, e não sei quem, botou fogo nos sacos de cimento, ai deu aquele fogo alto... Clareou tudo, dava a impressão que era a bomba que estava pegando fogo. E a turma se apavorou, tinha um pessoal perto, os engenheiros estavam escondidos em uma sala lá também, eles ficaram com muito medo, se a bomba explodisse... iria matar todo mundo ali.
Mas nisso, a maior parte correu para dentro da fábrica. No escuro, só que conhecia era quem trabalhava lá, tinha muito ferro, muito abismo, podia se machucar, cortaram a luz (...). Mas como eram muitos soldados, eles conseguiram fazer uma varredura completa dentro da fábrica. Eram muitos soldados, tinha uns túneis onde eu trabalhava, que era a forjaria da Bras-eixos, que era dentro da Cobrasma, era um túnel que dava mais ou menos uns duzentos metros... Aquilo ali encheu de gente. A policia fez o seguinte: chegou em uma ponta e jogou uma bomba, ai ficou esperando do outro lado. Saiu todo mundo do outro lado. Mas a maioria não prenderam não. A maioria eles deixaram ir embora...
Eles [os militares] entraram e começaram com a mesma conversa: ‘Companheiros, vão embora, suas mulheres estão precisando de vocês em casa. Nós lhes garantiremos a saída’. O interesse deles era que as liderança viessem junto, e eles pegassem as lideranças. Porque lá na frente estava a direção da empresa apontando quem é... A turma passava, todo mundo passava, mas as lideranças eles pegavam. Ai começou o pessoal sair... Isso foi na varredura... Começou o pessoal sair... E eles apontavam... Que nem, o Barreto já pulou o muro e foi embora, o Pedro Tintino foi embora, mas outros que nem o Groff...
E tinha subido lá na ponte, eu trabalhava com manutenção de ponte, fiquei lá de cima olhando, tudo escuro... Ai eu vi o João Candido saindo, e outras pessoas... saindo... Ai eu digo, então está bom...Checou lá na frente cataram o João Candido... Quando eu fui passando me cataram também...Eles me cataram... Depois, quando eles fizeram a varredura, eles cataram outras pessoas, quem nem o Nathael, o Luizão... o Luizão não, o Luizão fugiu... e outros companheiros que estavam escondidos eles pegaram...

Então ai, a direção da empresa, a gente não sabia né, mas era muito ligada ao DOPS, a segurança, a gente não sabia, a gente está sabendo agora como é que eles faziam.. Eles entregava ficha dos trabalhadores lá para o DOPS, dava o nome, a direção da fábrica. Na época do golpe mesmo, depois do golpe, eles forneciam... O Vidigal [proprietário da Cobrasma] era um dos colaboradores em dinheiro... Tinha um banco deles ai também que colaborava em dinheiro, e os outros... . Eles davam dinheiro para manter a repressão. Davam dinheiro para manter a repressão, e era dinheiro grosso. Aquele que foi morto em São Paulo, Henning Boilesen... aquele era um dos chefões também, e outros e outros, que a gente não sabia... Por exemplo, a metal-leve, a gente não sabia que dava dinheiro, mas era uma das colaboradoras em dinheiro, e outros grupos né, outros grupos faziam isso.

Então, depois dessa saída foram fazer a varredura, conseguiram pegar o resto do pessoal, o pessoal iam saindo e eles iam pegando o pessoal que interessava. A prenderam alguns companheiros... Ai eu fui preso, fiquei aqui na delegacia de Osasco, aqui em baixo (na seccional), e me trouxeram, me bateram muito, queria saber onde estava Barreto, o negócio deles era o Barreto, onde estava Barreto, e eu não sabia do Barreto, onde tinha ido ou deixado de ir... Por causa disso eu apanhei muito, me fizeram... até me queimaram... me queimaram com cigarro... pegaram no meu penis e enfiaram cigarro, tenho marca até hoje de queimadura... Mas depois eles me soltaram... porque eu não tinha como saber, eu não tinha... eu tinha ligação com o Barreto como companheiro, mas eu não participava do grupo dele, então não tinha o que dizer... Ai me soltaram, me soltaram... e mais uns três que estavam presos ai.

Ai nós voltamos... no outro dia recomeçou a luta. Porque nós estávamos pedindo, acho que era 15%, não me recordo muito bem, acho que era 15% que nós estávamos pedindo... O delegado do trabalho, que era o general [Moacyr] Gaya, ele veio aqui em Osasco. Todo o movimento se canalizou para o sindicato dos químicos no quilometro 18. Ele veio ai no sindicato dos químicos. Eles cercaram o 18 todinho... A policia cercou, civil, policia, cercou cada esquina, estava tudo cercado, então ele foi lá... Cercou o sindicato dos químicos, lá que foi a assembleia com o Gaya... isso no dia seguinte...

Foi nesse dia que a Brown Boveri desceu... Então teve a primeira reunião lá, junto com o delegado... mas a intenção dele era prender mais gente... no dia não tinha nenhum sindicalista lá, estava todo mundo foragido... Ai foi lá... quem defendeu a tese dos trabalhadores foi o doutor Albertino, o advogado... Ai o general dizia: ‘nós não podemos fazer isso porque é contra a lei, a lei não permite!’. Ai o doutor Albertino dizia “se a lei não serve para os trabalhadores que se mude a lei”. Por causa disso prenderam ele depois... Ai depois teve o julgamento na Delegacia Regional de São Paulo...

Os operários da Brown Boveri:

“desceram direto para o sindicato dos metalúrgicos, em Altino, como o sindicato estava vazio, ainda não tinha interventor... então eles desceram todo mundo para o sindicato dos metalúrgicos. E essa assembleia para discutir a questão salarial foi nos químicos. A dos químicos foi na parte da manhã, e nesse mesmo tempos, eles [da Brown Boveri] já estava descendo para o sindicato lá... Porque era uma coisa assim... não era organizado... Porque não tinha como se organizar não... vai para o sindicato dos químicos, e ia todo mundo para os químicos... Outros grupos desceram. O pessoal da Granada... também desceu para o sindicato dos metalúrgicos... E esse grupo aqui [no sindicato dos químicos] ficou mais o pessoal da Cobrasma...

Era muita gente andando... e era uma pertubação muito grande... Todo mundo com medo... todo mundo tinha medo de ser presos... na rua todo mundo... e era uma situação delicada... Só saia na rua pessoas que tinham uma certa coragem de sair… senão não saia... boa parte não saia, ficava em casa... foram pra casa e não voltaram mais... Mas ai fizemos isso, fomos lá... e o Doutor Albertino sustentando a questão da porcentagem dos trabalhadores... E eles dizendo que não podia, que a lei não permitia... E o Doutor Albertino dizendo que se a lei não serve tem que mudar a lei...Por disso custou prisão para ele também...

Ai teve a questão de leva para ser julgado lá na Delegacia Regional de São Paulo, isso ai quem cuidou disso foi a Federação... a Federação tinha o Ageu, era o Ageu que era presidente da Federação... O Ageu era presidente da Federação dos metalúrgicos do Estado de São Paulo... ele que foi defender lá na Delegacia regional do trabalho a questão do aumento que nós estávamos pedindo... a reivindicação nossa... tinha outras coisas... Porque a greve se deu assim... política e econômica, essas duas coisas juntas... Porque é lógico que a grande maioria, uma boa parte do pessoal, não entendia muito a questão política, mas a direção que estava cuidando, o pessoal mais interessado, sabia que tinha questão política... a questão da ditadura, da repressão aos trabalhadores, da não permissão para o aumento de salários... Então chegou lá também a mesma coisa... perdeu... A gente perdeu. Não deram nada... voltou...

Ai foi feita assim a limpeza [demissões em massa], desses dias para cá, da greve de 1968 para cá, limpou um pouco Osasco. O pessoal mais importante, a militância mais importante, saiu todo mundo, fugiu... Fugiu de Osasco... . O João Candido saiu... não voltou até hoje... foi para são José dos Campos... que era o mais importante que tinha ai... leva a discussão junto com a direção da Cobrasma... João Candido era muito macio... muito... tinha uma habilidade de colocar as coisas... e o pessoal gostava de conversar com ele. Inclusive ele ficou três dias preso... Parece que três dias, depois soltaram ele... O Groff ficou mais tempo... E o Pedro Tintino fugiu... não pegaram ele não... pegaram depois... naquele dia não pegaram...

A gente voltou sem resultado nenhum da delegacia do Trabalho, ai nós fomos também fazer também uma manifestação em frente da Brown Boveri, em frente a Brown Boveri, o grupo da Brown Boveri... Uma manifestação lá em frente, e fomos tocados de lá... porque era muito... muito perigoso...
No dia seguinte a maioria voltou a trabalhar... A gente ficou para fora... Ai depois eu consegui um atestado médico... eu não queria perder o emprego... eu consegui um atestado médico, levei e fiquei trabalhando... Mas como eu estava machucado, mas eu não disse que tinha sido tortura... eu disse que tinha sido alergia que eu tinha tido... ai deu aquela infecção... o médico me deu dois dias... ai fiquei assim... ai eles aceitaram o atestado que o médico me deu... um médico ligado ao partidão... me deu o atestado... Foi até o João Joaquim que me levou lá... Ai o médico me deu esse atestado, eu fui lá consegui voltar a trabalhar, mas foi pouco tempo, trabalhei mais um dois meses e ai me despediram, isso na Brás-eixo...


O pessoal da Barreto keller, da Granada desceram em passeata para o sindicato dos metalúrgicos... Porque o sindicato do Granada era o dos químicos, mas eles não foram para os químicos... [porque o dos quimicos estava sendo utilizado pelos operários da Cobrasma] eles foram para o metalúrgico... Tinha um pessoal bom dentro do Granada, um pessoal de esquerda, conseguiram fazer um trabalho lá e levou um pessoal...

Voltamos a trabalhar, aquilo... dentro da empresa, parecia que todo mundo era policial... Porque o pessoal ficou todo mundo assustado e tinha muita gente infiltrada dentro da empresa, disfarçado de operário... Como a gente conhecia a maioria, via os caras estranhos, já ficava... a gente dizia ‘olha, tem gente dentro da empresa, tem gente dentro da empresa’’. A gente estava conversando, vinha alguém a gente parava... Isso levou tempo, levou tempo depois dessa greve em Osasco, levou tempo para apagar um pouco... Dentro de ônibus ninguém falava. Porque ai o Quartel fez uma barreira ali em frente o Quartel também, todo mundo... O ônibus chegava lá, parava, eles tinham que entrar lá dentro, investigar, as vezes pegava os documentos de alguém... Carro tinha que passar, ligar a luz interna... que era para eles verem dentro do carro quem eram quem não era... quem estava... Então era um sistema de terror muito grande... Caçando gente de greve, e que eles precisavam, de organização... Porque ai começo a aparecer aqui em Osasco também, muitos estudantes, vinha gente de Minas Gerais, vinha gente de São Paulo, da Bahia, vinha gente do Rio de Janeiro... E eram muitas pessoas que vinham aqui... E tudo isso sendo vigiado aqui em Osasco... A segurança deles aqui em Osasco foi grande, levou um tempo para eles afrouxa um pouco... E nisso a gente ficou um tempo no cabresto ali, a gente ficou ali sem poder abri a boca ou fazer qualquer coisa, levou tempo...

Teve um episódio assim, o Robertão, o Roberto Unger foi ser o interventor no Sindicato dos metalúrgicos, e a gente tinha que tirar ele, porque sabia que o sindicato tinha que estar nas mãos dos trabalhadores, tinha que tirar ele. Nós montamos uma chapa... a gente não tinha... A gente chegava nas pessoas, dizia assim: ‘Você não quer participar da chapa do sindicato dos metalúrgicos?’ A pessoa sai acorrendo, ninguém queria nem saber. Nossa, ninguém queria... Então, para montar uma chapa, com vinte e poucas pessoas, era muito difícil. A gente conseguiu montar uma chapa, chegou, acho que a dezoito pessoas. Ai o cara que estava encabeçando já tinha sido presidente... O sujeito tinha sido presidente dos metalúrgicos, era o Henos Amorina... Ele entrou nessa chapa junto conosco... A gente convidou ele porque não tinha gente... E o pessoal mais habilitado para tocar o sindicato estava tudo sumido, não tinha... Então ele foi a única pessoa que a gente conseguiu, através da Frente Nacional do Trabalho [mas ele não era da Frente]. Ele não era de nada. O Henos não tinha uma posição política, dessas coisas não... O Henos aceitou participar da chapa, ai fomos conversar com o Robertão, ai o Robertão chegou e disse ‘Nem eu nem vocês tem condições de montar uma chapa sozinho, eu tenho um grupo de gente aqui, acho que vocês tem outro. Nós não temos condições de montar uma chapa sozinho. Então, eu tenho um pessoal aqui, nós juntamos monta uma chapa (...) eu dou a presidência para vocês, eu só quero ficar na direção, lá na rabeirinha... E que nem ele ficou, ele ficou lá na rabeirinha... Era interventor, mas ele continuou junto com nós, sem apitar... Ai o Henio ficou com a presidência, o Carlos Euber era vice presidente... O Manuel Hipolito que era da Frente ficou como secretário geral... Eu fiquei como membro da Federação, e ai montamos essa chapa... Ai entrou o cunhado do Ibrahim também junto com nós... A gente montou essa chapa com intuito de tirar ele... de anular ele, ele estava meio anulado, mas a gente começo... O Henos dava muito espaço para ele. Até que passou dois anos, nós fizemos outra diretoria... Até o Manuel Hipólito que foi junto conosco, que era da Frente como secretário geral, passou para o lado deles [de Henos e Robertão]. Ai, praticamente ficou eu e o Jaci, ficou eu e o Jaci como oposição lá dentro... eu o Jaci’’ como minoria.

Ai na segunda eleição, ai nós, conversando com o Jaci, nós montamos, botamos mais cinco, seis pessoas dentro da chapa, era o Jaci, Zé Pedro, o Taxinha, que era de um jornal aqui, uma cooperativa, o João Smoli, Vicente Moreira, então era um grupo maior... Mas o pessoal se vendeu... Ai ficou eu, o Zé Pdero e o Jaci outra vez...
Ai na terceira vez nó fizemos oposição no Sindicato dos metalúrgicos de Osasco. Nós fizemos oposição e perdemos... em 1977.
A gente se esparramou de Osasco, porque não conseguia emprego quase em lugar nenhum... foi lá para Cotia... e eu fui lá para Taboão... Para Embu...Depois a coisa foi se apagando e a gente voltou... O Zé Pedro voltou para cá, eu voltei...
Da Cobrasma [em 1968], eu fui trabalhar na Sufunji, no Anastácio... lapa de baixo... Depois sai de lá fui trabalhar na Ron, empresa que faz mandril de furadeira... na Raposo Tavares... trabalhei um ano e meio na Ron, pedia as contas nela porque fui para Cimpal ganhar o dobro do salario que eles me pagavam, Cimpal no Embu, fui para lá... Quando eu cheguei lá, a Brown Boveri me indicou lá... no outro dia me mandaram embora... Eu estava na lista negra... Eu estava doente porque eu tinha sofrido uma torção, estava com o pescoço torto, aqui no ombro... E as coisas andaram assim... No Embu também a gente fez greve... Porque Osasco tinha nove municípios, e o Embu fazia parte, Itapecirica, Cotia [Taboão, Bareri, Carapicuiba, São Lourenço, Itapevi, Jandira, Pirapora de Bom Jesus]... A mesma base, eram nove municípios... Fui para o Embu... A gente fez aquela chapa de oposição, ganhamos mas não levamos...

Aquela questão, quando a gente saia de Osasco, ia cobrir a Leopoldina, lapa... o grupo que que era... Era Arcenio, era o Paulo, era a mulher do Arcenio era outras meninas que tinha ai, mais umas três ou quatro... , comigo e mais outras pessoas, lá do jaguaré... A gente que fazia essas regiões... A gente que panfletava na porta das fábrica para o pessoal fazer greve, parar... a gente cobria tudo isso aqui... A gente não parou... e hoje eu estou com 71 anos e a gente ainda está ai fazendo alguma coisa...
Hoje eu estou por causa dessas coisas, dessas prisões que eu tive, na Leopoldina nós fizemos uma greve ali onde mataram o Santo Dias, em 1979, e ali foi quando eles cercaram... Nós chegamos de manha, a gente vinha de São Paulo com o carro cheio de panfletos para distribuir ali... mas eles cercaram tudo ali com a policia... Não deixavam a gente panfletar... Abria os capus do cambirão e diziam ‘Quem não quiser entrar na fábrica, entra aqui’, ameaçando o pessoal. A gente não aguentou e falamos ‘vamos panfletar de qualquer jeito’. E estava com um fusquinha cheio de panfleto, vamos lá no começo da... Eu o Arecenio e a Mercedez, a Mecerdez era uma militante da oposição de são Paulo, e o Arcenio também era de tudo, era de lá [de São Paulo], daqui {Osasco], de tudo... Era pau para toda obra o Arcenio... Arcenio e o Paulo eram companheiros. A gente deu a volta, no começo da rua e saiu... A Mecedez de um lado, o Arcenio de outro, dos dois lados da rua jogando panfleto... Ai passamos na frente da policia, a policia com as armas ‘pára, pára’... Não atirou não, mas poderia ter atirado e matado a gente. Ai começamos a furar cerco, ai saíram umas tres viaturas atrás. Eles queriam passar, a gente estava em um fusca, a gente fechava [o camburão], ia passar a gente fechava... Ai entrei numa contramão feia... os ônibus desciam , mas era curtinha... atravessei a rua que subia para a Lapa, atravessei, na baixada bateu o motor do carro na valeta e estourou o motor... Mas mesmo assim, eles passavam, os carros quase bateram neles , freiada danada... Ficaram mais bravos ainda... E seu que eu dei a volta, cheguei lá na frente... não dava mais para andar... Quando estava saindo eles chegaram, pegaram a gente, bateram que nem o cão. Ai bateram muito, fomos presos, fiquei lá... O Arcenio foi preso, a menina também foi presa... Por causa de todas essas prisões que eu tive, eu juntei toda documentação e entrei na anistia política, e hoje eu recebo uma anistia...

A Frente era um movimento, era pequena, ela não tinha grande expansão... Ela tinha um nome muito bom, que consegui aparecer a nível de Brasil, mas ela não tinha muita gente para fazer isso. E a gente tinha uma coisa assim, a Frente trabalhava sempre com os sindicatos de trabalhadores... nessa linha, e deu muito apoio a oposições sindicais a nível de Brasil, ela fazia isso. Ela partiu também para dar apoio aos sem... aos posseiros, os sem terra hoje, os posseiros era quando eles se apossavam de um pedaço de terra, dai a pouco chegava um dono e queria tomar, ai era uma briga muito grande. A Frente fazia isso, tinha advogado para defender os posseiros, tinha a militância que ia lá dar orientação, fazer reuniões políticas... A gente ia mais aqui no Vale do Ribeira, Vale do Ribeira tinha uma grande área de posseiros. Essa briga de posseiros começou em Santa fé do Sul, saia daqui, ia para lá organizar o pessoal. E geralmente era assim, como a Frente tinha uma visão mais cristã... Os padres das regiões... onde as coisas vão mais choraminga nas Igrejas né, é lá nas Igrejas que eles vão... Então os padres geralmente chamavam a Frente para dar um apoio político... Padres de outras paróquias, de outros municípios de outros Estados... Ai a Frente fazia isso, eles chamavam, muitas vezes a Frente não tinha condições econômicas, eles pagavam a gasolina e a alimentação para a gente ir até lá. Chegando lá eles enchiam o tanque do carro, davam dinheiro para encher o tanque do carro, mas era só isso que eles faziam. A gente fazia reunião com o pessoal, as vezes o advogado ia junto, dar orientação jurídica, fazia algum processo de defesa deles, porque não tinha defesa, vamos dizer assim, mas a gente lutava por isso. A Frente era um pouco assim.

Então, os estudantes... não se envolvia muito com estudante... não se envolvia muito... Costumo dizer hoje, que os sem-terra hoje, já é fruto daquele trabalho que a Frente iniciou naquela época. Então, não tinha muito estudante dentro da Frente, não tinha... [eram sobretudo os católicos, posseiros e operários]...

Agora, do outro lado, tinha o pessoal, os estudantes... Os estudantes iam em todo o lugar, por exemplo, se tivesse uma oposição de sindicato, vamos dizer assim, lá em São Bernardo, e se a gente precisasse colocar os estudantes, para eles dar uma mão para a gente, panfletar, agitar, fazer as coisas, ele iam tranqüilos...

Eu costumo dizer assim, veja bem, quem fazia greve e brigava antes por melhores salários, eram os operários, e operário era assim, tratado como lixo, ninguém dava valor ao operário de fato, ‘ah, você trabalha na fábrica?’Ninguém valorizava, nem estudante, nem o pessoal da prefeitura, do Estado, ninguém, não valorizava nada... parecia que os trabalhadores eram... Então que apanhava, quem fazia greve, nessa época, isso era antes de 1964, vamos dizer assim, eram os trabalhadores de fábrica... Ai veio, quando foi no golpe, quando deu o golpe, a ditadura jogou tudo num saco só, ai entrou operário, estudante, médico, professor, entrou todo mundo e ‘reio o paú’. Ai professor entrou no cassete, médico entrou no cassete, os funcionários públicos que eram... os funcionários públicos tinham um bonezinho na cabeça, ficava na porta da entrada ali, parecia um Deus, entrou todo mundo no saco e ‘paú comeu’, ai foi quando começou a aparecer as organizações, médica, de professores, até de policial, foi assim, ai começou, entendeu... porque antes não tinha. Ai começou, médico chamar operário para poder participar junto, trocar experiência e tal... Professores também, ninguém sabia de nada [de como se organizar], que sabia fazer alguma coisinha era a peãozada, a peãozada fazia alguma coisa... E a gente [peão], já tinha aquele estilo... Um estilo assim: você era o chefe, você chegava em mim, ai dizia assim: ‘Antonio, como é que está as coisas ai, ta bem na fábrica?’. ‘Não, está ótimo aqui, tá uma beleza’. ‘Tá bom mesmo?’. ‘Tá, tá bem!’. Mas se você era um peão, que vinha falar comigo como é que estava, ai eu dizia como é que tava, eu falava a realidade, ta assim... mas eu nunca ia falar para o chefe, nem para outras pessoas que eu não conhecia que a coisa estava ruim... Então o operário começou a se prevenir, se defender um pouco assim. Se esconder um pouco, para um ele fala a verdade, para outro ele não fala... não conhecia... era disfarçado...  Essa coisa, a gente tinha isso. Os outros, o pessoal não tinha, porque não participava das coisas, e não levava paulada quase...

Então a ditadura chegou e disse: ‘agora é tudo no mesmo saco!’ e tome cassete, tome cassete. [os operário estavam mais preparados] mais organizados. Os estudantes, que é um pessoal guerreiro, uma meninada com um gás danado, mas eles não tinha assim uma... Eles faziam as coisas deles lá, mas não tinha... Depois que foram aprender as coisas... A gente fazia as reuniões, aqueles atos juntos, aquelas coisas que a gente faziam, a gente atuava junto... Agora, a gente tinha uma questão difícil, porque você tinha que trabalhar, e essas coisas acontecia... de dia você não podia participar, a noite você ia, mas era uma dificuldade danada, porque tinha que trabalhar. Mas muitos trabalhadores faziam isso, participava das duas coisas... E a gente fazia isso, a ponto de, para você ver, daqui de Osasco, aquele ato do primeiro de maio na Praça da Sé [1/5/1968], quem fez tudo aquela coisa foram os metalúrgicos de Osasco, e o Luizão, esse que trabalhava comigo na Cobrasma, estava lá no meio. Segundo a turma, falam que foi ele que deu a primeira pedrada [no Abreu Sodré].

Antes do golpe de 1964
Aqui tinha muito tanque de guerra, aqui pelas esquinas... Aqui mesmo, aqui em cima, bem aqui nesse cruzamento aqui em frente a Telesp aqui, ficavam um tanque de guerra rodando para lá e para cá...

13: 37 (falta um trecho grande aqui).
Osasco se tornou um seleiro de militância, de pessoas, de ativistas que enfrentavam mesmo a luta. E tinha gente que mudava para Osasco. Vinha gente de todos os Estados, até gente do exterior vinha aqui para Osasco.

Greves no ABC

Nas greves do ABC, na época, eu e outros companheiros estávamos na Frente, eu fui presidente da Frente Nacional do Trabalho, e, a gente ia lá panfletar nas fábricas. O espaço nosso lá era miúdo, não abria muito não, era mais Volkswagen, Mercedez as vezes a Scania um pouco, a gente fazia aquilo ali. A gente saia aqui da Leopoldina e ia lá para a Zona Sul, panfletar toda a Nações Unidas lá, a Metal-leve, Caloi. Ia para o ABC o pessoal da Frente, junto com todo o pessoal [de outras correntes], estudantes. Tinha estudantes que ofereciam condução para a gente. (...). Fizemos arrecadação de fundos e alimentos, nós levamos caminhões e caminhões de alimentos para o ABC. (...). Para manter a greve, porque o cara com fome não faz greve. (...). As greves, a gente já vinha ajudando a costurar essas greves. A gente fazia as reuniões lá antes. O sindicato dos metalúrgicos daqui [Osasco], também era muito ligado lá [ao sindicato do ABC]. Quando teve aquela concentração dos 200 mil, nós íamos com 2 ônibus para lá, daqui [do sindicato] dos metalúrgicos...Chegou lá em Diadema a policia prendeu o ônibus. Nós descemos todo mundo e fomos a pé. (...). Foi uma concentração que teve em São Bernardo, aquela vez que os helicópteros começaram a jogar pó de mico no pessoal, eram 200 mil, na época tinha 200 mil pessoas ali. Organizados por lá [São Bernardo], nós aqui [de Osasco] é que íamos apoiar, ia gente dos bancários, ia gente dos metalúrgicos de Osasco, do centro. Essa foi no centro de São Bernardo, foi a maior concentração de pessoas em são Bernardo nessa época. Os helicópteros, para tocar o pessoal, ia por cima jogando pó de mico... Naquela concentração, quando eu cheguei lá estava um bocado de estudantes de um lado e a policia do outro jogando bomba...



quinta-feira, 28 de março de 2013

Entrevista 5 - Octaviano Pereira dos Santos - Greve na Brown Boveri "Osasco 1968"

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]


Octaviano Pereira dos Santos [Tigrão], nasceu em Guanambi-BA, em 9/5/1936. Veio para são Paulo no inicio de 1940. Ingressou na Cobrasma aos 19 anos, em 1955, era representante na “Comissão dos 10”, uma comissão interna de operários, por essa via participou de muitas mobilizações internas, contra a insalubridade, construção de refeitório. Dessa forma tornou-se militante sindical reconhecido. Foi demitido em 1965. Compunha a diretoria do sindicato dos metalúrgicos de Osasco em 1964, foi cassado do cargo por conta do golpe militar. Empregou-se em seguida na Brown Boveri. Militava também na Frente Nacional do Trabalho. Tanto a FNT como outras organizações (VPR - Vanguarda Popular Revolucionária - entre outras) compunham uma chapa para o pleito de 1967. Nesse ano foi eleito à vice-presidência sindicato dos metalúrgicos de Osasco. Além disso buscava organizar uma comissão de fábrica na Brown Boveri. Organizou a greve na Brown Boveli em solidariedade aos operários da Cobrasma que haviam sido reprimidos e presos. Foi também um dos fundadores do MDB e do PT em Osasco.
_______________________________________//_____________________________________
O pessoal da Cobrasma já tinha uma comissão organizadora para a greve de 1968, só que nós da Brown Boveri não estávamos incluídos nesse grupo. Eles se reuniam, a gente participava como diretor, prestava atenção... Ai surgiu a greve, o grupo já estava preparado, surgiu a greve na Cobrasma.
Foi mais convocado pelos trabalhadores, o sindicato estava preparado para fazer a greve, mas ele não podia aparecer, não podia parecer que era ele que estava promovendo a greve, eram os próprios trabalhadores, o sindicato apenas deu apoio. Mas era o próprio sindicato que estava na luta... só que não podia parecer que era o sindicato que estava fazendo aquele trabalho. Eram companheiros sindicalistas e companheiros que apoiavam a direção. Ai o pessoal se reunia, discutia, fazia as comissões, mas, a gente que era da Brown Boveri não era chamado porque eles queriam fazer a greve da Cobrasma. Ai eu como vice-presidente, eu escutava a comissão [da Cobrasma], se reunia... Ai surgiu a greve. Primeiro dia de greve na Cobrasma, fez o que fez, deu o reboliço que deu, tudo aquilo lá, e ai a repressão tomou conta. Ai que fim deu, no dia que já estava em greve, estava o pau comendo lá, eu chamei alguns companheiros da Brown Boveri para a gente se reunir a noite no sindicato e discutir para paralisar para o outro dia a Brown Boveri em apoio aos companheiros que estavam sendo massacrados. Ai convidamos os companheiros, a noite fizemos uma reunião com aquele grupinho e combinamos de no outro dia nós pararmos a Brown Boveri.
Ao chegar na Brown Boveri, no outro dia, o meu chefe, que eles davam um cafezinho antes de começar a trabalhar, ai o meu chefe veio, Whesley, o italiano... veio: “Que horas vai parar?”. [respondemos:] ‘Parar? Não estamos sabendo disso não! Não estamos de que vamos parar não’. Quer dizer, ele já estava sabendo, alguém que estava na reunião tinha passado tudo para ele. Ai eu sai de lá e fui para a sessão. Tinha uma sessão lá que tinha o apelido de “Vietnã”, porque tinha um grupo mais organizado, de luta, lá dentro [dessa sessão], por isso chamava Vietnã. Tinha um grupo que era bom, dava apoio ao sindicato, estavam no sindicato, nos movimentos. Ai eu pensei, o que eu vou fazer, se já estão sabendo aqui, uma hora dessas já tomaram as devidas providencias para impedir que a gente faça a greve, se eu deixar para a hora marcada não vai dar mais para fazer, não vai dar para paralisar mais. Ai eu corri na sessão do Vietnã, onde tinha um grupo maior, um grupo que eu podia contar com eles de apoio. Ai cheguei lá, subi em uma bancada e gritei alto: “a partir de agora nós estamos em greve, nossos companheiros da Cobrasma estão sendo massacrados na Cobrasma. Nós vamos entrar em greve em solidariedade a nossos companheiros da Cobrasma. Adiantei a paralisação. Não dava mais tempo para esperar, porque com aquele ínterim, é claro, a empresa ia se preparar e a greve não ia mais ter condições. Então eu tinha que fazer aquilo com urgência, alvoroçar os trabalhadores que estavam chegando no serviço para criar um tumulto para que a greve iniciasse.
Ai uma massa de um alemaozão: ‘eu não vou parar não! Aqui nunca parou e não tem quem faça parar!’. Ai eu juntei ele e falei: ‘vai parar sim, quem é que falou que não vai parar!’. Ai o chefe veio pode deixar... eu vou mandar para tudo... Ai mandou o pessoal que já estava iniciando o trabalho a parar e tal... Ai eu falei: ‘Olha vocês vão para as outras sessões comigo, nos vamos parar as outras sessões e, nós vamos lá para fora, e eu vou conversar com vocês lá fora no pátio. Daí fui na outra sessão, a sessão já estava tumultuada, todo mundo já correndo de um lado para o outro sem saber, falei: ‘gente, vamos lá para frente que eu vou conversar com vocês. Ai cheguei na minha sessão, minha sessão era enorme, grande, um pavilhão enorme, o engenheiro estava no meio, em volta dele estavam todos caldeireiros, soldador, todo aquele povo profissional, ponteiro, ouvindo o engenheiro falar. Ai eu furei a roda, entrei, fiquei junto com o engenheiro e falei: ‘nos estamos em greve a partir de agora, ele não manda nada aqui, quem esta determinando a greve sou eu, vocês vão lá para fora que eu vou conversar com todo mundo lá fora. Ai o engenheiro saiu fora, ficou com medo da turma pegar ele ali, eu agitar e a turma pegar né...
Ai eu falei o que a gente queria, falei para alvoroçar, para dar interesse do pessoal na greve, falei: ‘olha nós estamos hoje reivindicando, essa revista que esta sendo feita ai na portaria. Eles revistavam os trabalhadores na frente... Na saída do portão, todo mundo que estava passando na rua estava vendo. Tinha o banco, que fazia pagamento, um caixa da empresa que fazia pagamento em um corredor, todo mundo que estava passando na rua ficava vendo. Reivindiquei uma cobertura, um lugar seguro para que o pessoal pudesse receber seu salário, os adiantamentos. Foram três coisas, o salário, o banco,  aumento de salário, o banco, 20%, a revista... Ai o pessoal passou a ter interesse, o trabalhador que ouviu as fofocas passou a ter interesse. Você não pode fazer um movimento sem reivindicar alguma coisa, porque o cara vai falar assim: ‘Poh, eu to fazendo greve de otário, não vou receber nada, não vou... não está reivindicando nada’. Então aquelas propostas surgiram da minha cabeça naquele momento, senão não conseguir paralisar a empresa.
 Ai o pessoal, da sessão de pessoal, estava tudo na janela, apreciando a gente lá embaixo, o pessoal de macacão, ai o pessoal falou: ‘oh, o pessoal da sessão de pessoal não vai parar?’. Falei: ‘vai, pode deixar comigo!’. Subi lá, falei com o advogado... Fiquei correndo a fábrica inteira, todos os setores onde eu tinha que adentrar para mexer com o pessoal eu estava lá, e correndo... ai falei com o doutor...: ‘Doutor é para o pessoal parar’. ‘Não, mas eles já estão parados’. Falei: ‘Não, mas é para descer lá embaixo com o pessoal de macacão, porque o trabalho deles aqui depende de nós lá embaixo, se nós não trabalharmos eles não recebem aqui também. Se nós não produzirmos...’. Ai mandou parar, para o pessoal descer para o pátio... Ai o refeitório, o pessoal do refeitório tudo trabalhando, fazendo comida porque ia ter o almoço. Ai fui lá, cheguei e falei com o chefe que era para parar. ‘E essa comida que já esta pronta?’. Ai falei: ‘olha, ai na rua tem muita gente passando fome, é só levar estes caldeirões lá na rua, se o problema é não perder, é só distribuir para o pessoal ai que o pessoal come’. Ai ele mandou parar. Ai eu disse: ‘só deixa um pessoa responsável por desligar as máquinas e para deixar tudo desligado, porque a hora que acabar a greve precisamos do restaurante novamente’. Falei com o pessoal la embaixo, falei das reivindicações, falei: ‘a partir de agora nos vamos sair, vamos em passeata e vamos para o sindicato porque uma hora dessas a repressão já está vindo ai para pegar a gente aqui dentro. Ai falei para o pessoal, saímos, quando acabamos de sair no portão, nós estávamos na Autonomista, ali descendo, vinha vindo o exercito, a cavalaria... E nós em passeata descendo. Cruzamos com eles. Eles subindo e nós descendo. Eles estavam indo para a fábrica para não deixar nos sairmos. Para a Brown Boveri. Só que nós já tínhamos saído né...
Ai levei o pessoal para o sindicato, ficamos acampados no sindicato. Veio o exercito, a policia militar, todos para depor a gente, tirar a gente de dentro do sindicato. Nós aguentamos a mão, agüentamos a mão, ficamos o dia e a noite tentando negociar. Eu tentando negociar com o comandante, falamos com ele que nós não éramos bandidos, nós estávamos através dos nossos direitos, lutando por direitos nossos. E conversa daqui, conversa ali... Fui agüentando as pontas até 3 horas da manhã. Ai eles me chamaram: ‘Olha, eu tenho uma ordem do governador que é para invadir o sindicato, e eu não tenho como não obedecer, eu tenho que invadir o sindicato, portanto eu estou te avisando porque estávamos aqui conversando, dialogando, vi que você é uma pessoa responsável, eu jamais gostaria de fazer uma invasão dessa porque é perigoso, pode machucar gente, a gente não sabe o que vai acontecer’. O governador era o Abreu Sodré...
Passamos o dia e a noite tentando negociar até que não teve mais condições de negociar, ai quando ele veio falar da invasão, eu falei: ‘oh sr comandante, o senhor libera quem quiser sair, que possam sair livre e ir para suas casas, e quem não quiser paciência, o Sr pode deter, fazer o trabalho que é do Sr., mas eu gostaria que evitasse o confronto. Eu vou conversar com o pessoal lá dentro, vou explicar para eles a situação, e ai, depois disso, vocês estão livres para liberar o sindicato. Ai conversei com o pessoal, falei: ‘gente, quem quiser ir embora para suas casas pode ir embora, porque eles vão deixar passar. Vão fazer um corredor ai na porta e quem quiser ir embora pode ir. E quem não quiser ir embora pode ficar aqui e depois, aqui, tem que agüentar as conseqüências, nos vamos sair daqui presos. Ai, quem quiser ficar comigo...’. Porque tentaram fazer com que eu fugisse, umas três vezes, tentaram que eu pulasse o muro do fundo para ir embora... Falavam: ‘Você é a pessoa mais visada daqui. Nós somos trabalhadores e você é visado’. Falei: ‘não, eu estou como responsável,  alguém tem que se responsabilizar por vocês, eu não posso entregar a nossa casa, eu sou um dirigente, eu não posso entregar e abandonar minha casa, para entregar nas mãos de pessoas inabilitadas que não tem autorização de assumir aqui’. Ai o pessoal aplaudiu, e eu falei: ‘só saio daqui morto ou preso’. (...). Ai, a gente saiu para ser preso. Ficou um caminhão, para sair [do sindicato] e entrar la dentro [do caminhão do exercito]. A gente não poderia abandonar o sindicato todo mundo e sair, dizer aos companheiros que estavam na luta... porque pegaria muito mal. Falar olha: ‘o sindicato foi invadido, mas da seguinte forma, os trabalhadores abandonaram o sindicato e eles invadiram sem ninguém lá dentro’. Pelo menos invadiram com gente, prenderam as pessoas, deu moral para o sindicato, deu moral para o movimento. Ninguém abandonou a luta. Foram perseguidos... invadiram o sindicato depois que nos saímos, eles quebraram, puseram fogo em material que era para defesa dos trabalhadores do sindicato...
E ao passar na porta da empresa, de madrugada, o dia estava amanhecendo, com muita tristeza eu vi pessoas que estavam vindo para o trabalho, entrando para trabalhar. A gente ficou muito triste porque, você fazer um movimento daquele, ser perseguido, sair preso, e outros companheiros ir lá, praticamente zombar daquilo que você esta fazendo por eles, a gente ficou... Mais fazer o que, é a vida, a luta é assim mesmo você tem os covardes e os que, não são herói porque querem ser, é herói por conseqüência da necessidade que você precisa fazer o trabalho e acaba transformando em herói sem... Mas não é isso. Ninguém vai para a uma luta dessas porque quer ser herói, ele que vencer a batalha.
(...) Eu fui no DOPS, lá no DOPS me tiraram para prestar depoimento e me perguntaram: ‘se soltar você daqui, agora, o que você vai fazer?’. Falei: olha, eu vou para o sindicato, se tiver terminado a greve amanhã eu vou trabalhar. Se não terminou a greve, amanha eu vou fazer piquete!’.

Entrevista 4 - José Pedro da Silva, [parte I] - Greve na Cobrasma de 1968 e Oposição Metalúrgica de São Paulo

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]

José Pedro da Silva, nasceu em 1942 na cidade Conceição do Mato dentro, próximo a Pirapora no Estado de Minas Gerais. A família era trabalhadora rural, trabalhavam em uma carvoaria, em um trabalho muito penoso, pesado. Na carvoaria o patronato utilizava o sistema de endividamento combinado com jagunços para evitar que os trabalhadores fugissem, completam as condições de semi-escravidão. A carvoaria onde trabalhavam era localizada em meio à floresta. Tanto a casa como as condições de vida era, segundo Zé Pedro, miseráveis. Migrou para são Paulo em outubro de 1961, empregou-se em uma fábrica de postes e logo na Sambra na produção de óleo, é nessa fábrica que começa a pensar nas questões sindicais e políticas. As condições de trabalho nessa fábrica em super precárias, ventilação precária, muita fumaça, sem refeitório, restaurante. Nessa fábrica conhece Artur, militante operário do PCB que lhe introduz a vida sindical via sindicato dos químicos. Em três meses José Pedro filiou mais de 400 trabalhadores ao sindicato. No sindicato faziam cursos de formação e recolhiam as demandas dos trabalhadores da fábrica onde José Pedro trabalhava.
A partir disso, em 1962, organizou a primeira greve por melhores condições de trabalho. A greve conquistou tudo o que reivindicava. Nesses anos ocorria uma série de greves na região. Em dezembro de 1964 ingressou na Cobrasma onde trabalhou até abril de 1967. Sua cunhada fazia parte da Comunidade de Base da Vila Yolanda. Nessa comunidade conheceu as principais lideranças das greves de 1968, entre estes conheceu Albertino, Joaquim Miranda, João Joaquim, João Candido (organizador da primeira comissão de fábrica na Cobrasma), Octaviano (tigrão), entre outros. Passou a organizar-se com a Ação Popular (AP) em 1969, foi “ganho”por Ricardo Azevedo, militante da AP e autor do livro Por um Triz – memórias de um militante da AP. José Pedro foi vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco no período 1975-1978. Em 1978 foi um dos principais organizadores da greve da Brown Boveri, que envolveu seus 3000 operários.
Em 1970 ingressa na Brow Boveli, uma multinacional suíça, em 1970, a empresa tinha, neste período, 3000 operários. Nesse mesmo ano conhece Antonio (3/8), e formam um “grupo de fábrica”, uma pré-comissão de fábrica. Ou seja, o processo repressivo de 1968 não foi capaz de extinguir as iniciativas operárias de auto-organização e organização de comissões.

__________________________________ //________________________________________

(...). Em 1964 teve o golpe militar. Eu acompanhei do começo ao fim o golpe, quando o Castelo Branco reuniu ai a camarilha safada e deu o golpe no Goulart, usurparam o poder e tomaram conta do governo, ficaram 21 anos. (...). No dia que deu o golpe, na semana seguinte eu fui até o sindicato para encontrar o Artur, encontrar o pessoal. Quando eu chego lá, só está o faxineiro do prédio, e ele me viu de longe, me deu sinal ‘vai embora, desaparece!’. Os interventores estavam dentro do sindicato. Ele foi até o canto da rua e falou ‘vai embora, desaparece, vai para casa. Queima todo aquele material que você recebeu, papel e jornal. Queima tudo! Faça isso se você quiser livrar sua pele, porque aqui já tem gente que desapareceu!’. Ai eu venho para casa e faço isso. Eu morava aqui no ‘buraco quente’, perto do cemitério. Faço isso, queimo tudo, destruo tudo e fico ali quietinho. Daí procurei esse Artur e nunca mais vi, desapareceu. Nunca mais vi. Provavelmente devem ter acabado com ele.
Brown Boveri em 1968
Lá em 1968, o que acontece na greve, ela sofreu uma repressão violenta, quando eles fizeram a greve, radicalizaram bastante. Faziam a reivindicação dos salários, mas também... o processo da greve foi um processo muito duro. Eles pararam a Brown Boveri, pararam a Bras-eixo... O Miranda foi o primeiro que chegou, esse Joaquim Miranda, desligou o torno lá, as máquinas para poder parar... ele foi lá e desligou. João Joaquim era secretário do sindicato, o Groff, que já morreu, era presidente da comissão de fábrica da Cobrasma, e era tudo interligado. Ai nessa greve, fecharam o portão da firma, lacraram o portão da firma, deixaram com eles lá presos, alguns diretores da empresa e faziam comida lá dentro, dentro do restaurante da empresa. Tomaram conta da fábrica. Foi um processo duro, traumático. Só que ai Brasília se assustou, porque tudo que já estava sendo feito, destroçando a oposição, não tinha mais partido de oposição, em 1966 criou o Arena e o MDB, os outros partidos não existiam mais, e o sindicato, 11 mil sindicalistas foram caçados, fecharam, caçaram a diretoria, prendiam aqueles mais da esquerda, tirava da fábrica, perdia o emprego, saia do sindicato, perdia o emprego, botava gente, mesmo não sendo operário para fazer o trabalho deles [no sindicato], foi o caso do Joaquinzão, Joaquim dos Santos Andrade, como interventor, depois foi fazendo eleições roubando na cara dura. (citou o documentário “Braços cruzados - Maquinas paradas”, nesse filme, além de um panorama do movimento operário, foca-se as eleições sindicais de 1978, José Pedro é um dos protagonistas no filme, sob apelido de Sarrafo).
Correntes em Osasco
O PC era aquele etapismo, primeiro você faz a revolução para o Estado burguês. Na avaliação deles não era uma burguesia ainda que estava aqui. A direção não era burguesa. Tinha que fazer todas etapas para depois entrar no socialismo. Buscar abrir a democracia e tal... e depois... Chamava de etapismo...
A AP defendia o socialismo em numa visão marxista-leninista, mas não defendia o foquismo e a luta armada. Ela defendia que nos tínhamos que fazer era conscientizar o povo e depois o povo, na hora que tivesse consciência, se fazia insurreição em luta de massas e chegar ao poder.
O pessoal do José Dirceu achava que tinha que fazer militarismo, luta armada e fazer um pouco o que se deu em Cuba. Com as guerrilhas e tal. O PCdoB era pela guerrilha no campo, meio parecido com o que aconteceu na China.(...).
(...). Eu fiquei nessa visão de uma AP que defendia... Nesse momento a gente não tinha ligação com o PCdoB não... Nosso pessoal aqui, a gente fazia um trabalho com as teses da própria organização. Mas era informado que um bocado de gente da AP tinha saído e ido para a Ala Vermelha outros para o PCdoB... E gente de lá também que vinha para cá, e tinha assim, umas andanças por ai... Entre os partidos e organizações, uma das maiores era a Ação Popular...
Afirma que a AP era uma das maiores organizações de Osasco, AP contava entre 20 e 30 militantes por volta de 1970[1].
Ai, eu fico na Ação Popular e também na Igreja. Olha que coisa né, eu era líder da Igreja, passei a fazer parte da Igreja novamente aqui na Vila Yolanda, e que tinha um método diferente. Era fazer um trabalho social importante, de esclarecimento ao povo e trabalhar com uma visão diferenciada... Concilio Medellín... Ela dava uma orientação que era assim: nós, deus, Jesus... aquela historia que sempre pregou, o que você vai sofrer aqui... não tem importância porque você vai ganhar a vida eterna... Ela diz ‘a vida eterna você vai ganhar, mas você já começa a ter uma vida boa aqui, a justiça social é aqui. Por isso você precisa compreender o valor de você lutar, ter sindicato’. Só que ela negava o marxismo... Não defendia o marxismo. E tinha uns padres que defendiam também a questão marxista, que era o Frei Beto, ele se aproximava mais... já evoluía mais, discutia mais, aprofundava mais... Ele, o Frei Beto, Frei Leonardo Boff, deu muitas palestras para nós. Do ponto de vista da organização dos cristãos, eles vinham muito falar com a gente. E aqui em Osasco tinha da igreja, da comunidade... tinha os ‘padres operários’, Pierre  Wauthier que foi expulso daqui porque participou da greve [foi extraditado], depois aqui ficou o  Domingos Barbè, Frei Manu, Domingos Barbè era um francês, ele trabalhava a linha da não-violência... E ai a gente brigava muito porque ele sempre falava que a gente tinha que seguir a linha da não-violência. A gente dizia para ele que nós não éramos violentos, violência era o que faziam conosco, o povo, se nó pudéssemos nós dávamos o troco. E ele dizia que nó não tínhamos que ‘dar o troco coisa nenhuma’. Ele falava muito do processo da Índia, do Gandhi, essa coisa toda. Então foram momentos muito ricos... Uma verdadeira universidade de conhecimento.
Sobre a FNT
A FNT era na linha da não-violência. Ela foi fundada pelo doutor Mario Carvalho de Jesus, e que depois o Albertino começou a fazer parte, aqui em Osasco, tinha uma casa, uma sede dela aqui em Osasco, e o doutor Albertino era uma das pessoas que fazia palestras para a gente. O Toninho (3/8) também fazia parte da FNT, o José Groff fazia parte da FNT, o Joaquim Miranda, o João Candido, todos faziam parte da FNT. Dirigentes de peso. O Albertino era quem dava orientação sobre a legislação trabalhista. Só que o Albertino, ele não faz o proselitismo do socialismo, não. Ele era mais aquilo que está na lei, e trabalha os direitos do trabalhador, até de conquistar. Mas mudança na sociedade com uma visão socialista, comunista, ele não entra nessa tese, pode dialogar com ele que você não vê ele fazendo essa fala. Nem ele nem o Mario de Jesus (que já faleceu)...
Sobre a relação entre a FNT e a Ação Popular
Era uma relação boa. Era uma relação de convivência. Só que assim, os conflitos às vezes não apareciam porque não existiam conversas, reuniões onde você pudesse tratar dessas coisas... amplas, se tratava na clandestinidade. Quando eu estava junto com você [de outras correntes] eu já sabia o que eu tinha que falar. Falava com você no âmbito que eu tinha que falar. Eu não podia abrir outras coisas. E você também não abriria outras coisas para mim. A menos que fossemos da mesma organização. No âmbito das organizações políticas, tinha os dirigentes que às vezes se encontravam, trocavam idéias, trocavam material. O MR8 por exemplo, recebi muito material do MR8. O MEP também tinha material, passava para a gente, a gente passava para eles e tal. Nesse tempo havia toda uma coisa assim de solidariedade e fraternidade entre os lutadores. Podia ter a divergência que tivesse mas a gente era companheiro. Defendia a causa e as pessoas. (...). Hoje o individualismo campeia... ferrenha... E quem fica defendendo essas coisas é jurássico, é velho, essas coisas todas... Eu tenho dificuldade hoje para me pontuar, porque o pessoal hoje descamba por uma política que eu tenho muita divergência...
Sobre as comissões de fábrica
As que brotando, que estavam começando [em 1968] desapareceram todas. Ai depois... é que nós começamos... a fazer os Grupos de Fábrica clandestinos. Você não podia trabalhar legalmente. Você ia fazendo a cabeça de um grupo de pessoas, que ia fazendo a cabeça de outros né... (...)
[Depois da repressão na Cobrasma 1968] houve um refluxo danado no movimento operário. (...) O sindicalista não podiam acreditar no sindicato... O Sindicato de Osasco tinha já uma categoria de 30 a 40 mil, chegou vez em que o sindicato tinha 2 mil sócios. Todo mundo saindo. Porque nessa greve, muita gente também... as direções do sindicato radicalizou-se... e era necessário radicalizar-se, do ponto de vista da realidade, da conjuntura naquele momento, e ela radicalizou. E ai você precisa de povo junto... No dia em que a Ditadura exigiu que o governador Abreu Sodré, que era o biônico, o governador biônico... disse: ‘você vai intervir na Cobrasma agora, e no Sindicato’ - Brasília falando - ... ‘Se você não intervir nós vamos intervir, mas cai o Sindicato e cai você’. Ai ele não teve dúvida, ai ele meteu a cavalaria, meteu cachorros e tal, botou a tropa que invadiu a Cobrasma, e ai foram 300 operários que apanharam ‘pra burro’, prenderam e ficaram desempregados por um bocado de tempo.
[Entre os operários presos estavam: Toninho 3/8, João Joaquim, Joaquim Miranda, o Groff, o João Candido].
O Groff tem uma passagem assim, nesse momento ele não era da diretoria do Sindicato, mais era, representava o elo mais forte da fábrica, era o presidente da Comissão de fábrica, depois do Ibrain que virou presidente do sindicato, ele virou presidente da comissão de fábrica, então ele teve um papel importante na greve aqui. (...). Quem começou a organizar a Comissão de fábrica foi o João Candido, já antes de 1960, depois veio vindo, ela foi se ampliando, se qualificando, depois ai passou: O Zé Ibrain foi presidente da comissão, depois ele daí... ficou o Zé Groff. Mas eu estou dizendo que esse pessoal todo tinha um peso, uma importância vital aqui nas lutas sindicais. Mas ai tinha gente que era Cristão, da FNT, tinha gente que era independente, mas tinha gente das organizações, que fazia parte das organizações mas atuava no movimento sindical...
Conseqüências da repressão em 1968
Sindicato, comissão, tudo. Foi um arraso. Começou a aparecer [novamente] depois dos anos 1970, 1972, 1973... (...). Elas não apareceram assim [do nada], foi clandestino, elas não apareciam [no período 1968-1970], mas existia a fomentação desse trabalho [a partir dos “grupos de fábrica”,] em cada fábrica, que ai de repente trocava idéia.
Quantas vezes eu da AP, eu fui falar com outros operários, com outras direções da AP, chegava um momento que botava uma faixa nos olhos, venda, trocava de motorista para não saber que era, não sabia o nome, meu nome era outro, chegava lá na tal da reunião, tinha meia dúzia, dez pessoas, que era região I, região II, região III, região V, não falava o nome do bairro, nem da cidade, discutia-se o conteúdo e ali, depois tirava um boletim, uma ata. (...) Na reunião tirava [a venda dos olhos] eu chegava, to falando aqui com o Alessandro... mas não sabia de onde você veio e sabia que seu nome verdadeiro, não era Alessandro... seu nome de guerra é que era... seu nome eu não sabia. Porque se eu caísse [fosse preso], ou se você caísse você não ia poder... E você também não sabia o lugar onde você estava la na reunião. Você era levado, o motorista te levava, deixava você dentro da sala e ele já saia. Ai o outro pessoal chegava, se complementava, se abraçava... falava o nome de guerra. Traçavam-se as discussões, aprofundava-se as discussões, sobre a realidade brasileira, realidade do mundo, a conjuntura e o que ia estar fazendo naquele momento, ficava ali dois, três dias naquela reunião... Fazia encontro de dois, três dias... Na hora de vir embora tinha todo o esquema também, o cara saia, botava uma venda nos olhos, o motorista vinha, pegava... a gente ia conversando, mas não sabia quem era, me deixava em um ponto X, ai eu tirava o negócio dos olhos, ele ia embora eu pegava a condução e acabava de chegar em casa. Ninguém sabia onde eu morava também. Ele me deixava no centro de São Paulo, depois eu me virava, então, era assim o controle. Mas mesmo assim furava, quantas pessoas perderam a vida... O Paulo Wright foi preso em um trem indo para Mauá, prenderam ele da ultima vez e ele nunca mais apareceu...

***
Em 1975... Aquele pessoal bom, que tinha aquela história bonita, eles não estava mais na categoria, estava fora, foi mandado embora das empresas... Estavam por ai, agindo na luta social mas não estavam nos sindicatos.  Como eu estava na Brown Boveri, eu fui chamado para vim aqui para o lugar aqui... Ai eu virei vice presidente do sindicato em 1975. E ai o presidente do Sindicato que era o Henos Amorina ... (...)
José Pedro ficou na vice-presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco de 1975 a 1978, mas continuava no chão de fábrica.
As interventorias foram acabando paulatinamente. Na medida em que foram tendo chapas de oposição. O interventor acabava se desgastando, entrava outro pessoal. E paulatinamente... Cada sindicato teve sua história, sua forma de ser. Aqui em Osasco foi assim, o interventor saiu, ficou na diretoria, mas deixou a presidência para o Henos Amorina. (...). E o Roberto Unger tinha sido o interventor lá atrás em 1968 quando cassaram a diretoria, ficou no lugar da presidência, um ano, dois anos. Depois, ele não tinha carisma, não tinha moral, negociou para o Henos Amorina ser o presidente e ele virar diretor, ai eu entro na diretoria também como vice-presidente do sindicato, isso em 1975. (...). E ai eu fico lá na fábrica, trabalhava, fazia discussão com o pessoal e a noite eu ia para o sindicato, fim de semana eu ia para o sindicato também. Mas eu tinha dificuldade, porque eu dizia que a gente tinha que fazer formação sindical para o pessoal, e que essa formação tinha que ter um conteúdo um pouco mais classista... e eu tinha dificuldade porque o presidente não topava isso. E eu tinha umas idéias de trazer o pessoal para o sindicato, e ele dizia ‘não, o pessoal não vem para o sindicato porque não vê necessidade, a hora que a água bater na bunda eles vem’. E eu tinha discordância disso: ‘nós temos que ir atrás, tem que ir lá buscá-los,  chamar eles para vir para dentro do sindicato. Eu tinha dificuldade, ai eu faço uma oposição no final de 1977.
Era “chapa 1”, a minha era a chapa 1, até nisso foi sacanagem, porque ele tinha o controle do registro das chapas, ele segurou a dele, deixou eu lançar a minha [para depois lançar a dele] já confundindo o povão... Nos fizemos um programa da chapa bastante voltado para aquilo que precisava fazer: direito de greve por exemplo, ninguém mais falava de greve, não fazia greve. A ditadura brecou isso, ficou dez anos sem ter greve. Ai já começamos a falar do direito de greve. Em 1977, 1975, 1976. Já começamos a trabalhar o direito de greve nesse momento [1975], mais ai ela veio publicamente em 1977, na chapa. Ai a gente coloca: ‘pelo direito de greve fazendo greve’, ‘por uma central dos trabalhadores’... Uma série de... um rol de reivindicações nós colocávamos ali. Ai, uma coisa que eu não tinha percebido é que assim, não bastava o povo querer a minha chapa, eu como presidente. Não bastava só eles quererem votar em mim, era preciso garantir o pleito, que não tivesse roubo...  e ai não tinha como fazer. Ai indicamos a chapa, fizemos todo o trabalho de discurso nas fábricas, boletim... defendemos nossas teses... Só que quando chega a semana da eleição, a minha chapa não podia apresentar mesário. Todas as fábricas tinha urna, nas fábricas, e ai só o mesário deles, e eu não podia botar mesário, não era aceito. A DRT dava esse direito para ele, a Delegacia Regional do Trabalho dava esse direito para ele [Henos Amorina] e ele usava isso. Era o Joaquinzão em São Paulo e ele [Henos Amorina] em Osasco, era a mesma têmpera. Ai nós não podíamos botar os mesário, podia colocar um fiscal, só que o fiscal tinha que ser da categoria, não podia ser qualquer outra pessoa. Mas o que acontecia, como você vai arrumar um fiscal de dentro da fábrica que vai apoiar a chapa de oposição que bate no patrão, bate no diretor sindical pelego... E o cara está trabalhando na fábrica, ele ia querer ser o seu fiscal? E ele estava trabalhando, como ele vai ser fiscal se ele estava trabalhando dentro da fábrica [sem liberação]? Enfim, você tinha que pegar gente que estava “na caixa”, que estava aposentado, coisa parecida... E ai depois era uma luta, porque não queriam que ele [o fiscal] entrasse no carro. Saia a urna do sindicato ia lá para Carapicuíba, lá para Itapevi, lá para Cotia, recolher o voto lá, e ai você não podia ter o seu... e ai era um inferno para deixar o seu fiscal andar no carro. Foi um pau daqui de Osasco até São Paulo... foi um pau danado, e houve televisão... nós fizemos um pampeiro, mas não teve jeito... Ai conclusão, a minha chapa ganharia com uns 80%, só que ela teve 40% dos votos na hora da apuração. Trocaram votos, no filme você vê lá [Máquinas paradas, braços cruzados]. Você vê lá o que o Vitão fala, puxa o lacre, bota o lacre, não é isso? É desse jeito...
Ai eu perco a diretoria (...) continuo dentro da Brown Boveri. Só que eu tinha muito peso político-sindical dentro da fábrica e da categoria como um todo. E ai no fim do ano de 1978, novamente em novembro, tinha dissídio coletivo, todo ano repete, o rol de reivindicação, as vezes vai até a greve para poder garantir o que você está pedindo. Ai eu estava forte na Brown Boveri, minha palavra lá era... Porque tinha acontecido no meio do ano, em junho, 21 de junho, quando começa a pipocar as greves, a retomada das greves... A primeira delas se dá na Scania Vabis lá do ABC, em 1978, foi ai que Lula começa a aparecer mais. Lula aparece na hora da negociação, foi uma sabedoria que tivemos para não comprometer a diretoria do sindicato. O sindicato disse, o trabalhador faz a greve lá, depois na hora de negociar não tem líder, que pode fazer [a negociação] é o dirigente sindical. Ai parou a Scania, depois parou a Toshiba em São Paulo, e ai a primeira depois de lá veio a Brown Boveri com o trabalho que nós fizemos. Ai paramos a Brown Boveri. Ai eu tinha saído da diretoria, tinha mandato de um ano... . A greve foi a partir de 21 de junho de 1978 e durou 5 dias. As reivindicações eram 25% de aumento, melhorias nas condições... Fez um estardalhaço porque também eu já tinha feito plenária no sindicato, saído com boletim, dado entrevista em televisão, em rádio... Ai passei a ser conhecido pelo Brasil a fora como o Zé Pedro de Osasco, viajei de 1978 para frente, fui em Contagem, para Belém do Pará, Rio de Janeiro, interior de São Paulo...
Em qual corrente o senhor estava nesse período?
Ação popular. Sempre fui da Ação Popular, nunca fui de outra (...) eu sai quando ela se dissolveu para entrar no PT, em 1981-82. Eu tive um papel importante para levar um setor maior para o PT outra parte foi para o PMDB (...). Foi em um Congresso que nós fizemos lá em Campos do Jordão, estadual, para decidir em qual partido legal nós entraríamos... a partir daí fomos se dissolvendo...
Ai, em 1978 (...), houve uma entrevista da Folha de São Paulo de um cara que comandava a segurança da Brown Boveri. Ai eles foram lá na fábrica e entrevistaram ele, um coronel do exército... Chirandello
Ai, eu esqueci de dizer, quando eu entrei na Brown Boveri, entrei já com a cabeça de militante político, esse coronel, ele fazia uma espécie de preparação para você entrar [na fábrica], ficava três dias fazendo uma série de coisas até você começar a trabalhar. Fazia a entrevista, o teste, depois você ficava os três dias de preparação para você começar a trabalhar. Ai, isso foi muito importante (eu conto isso na tese do meu livro). Ele reunia todos nós e fazia palestras, dizia o seguinte: ‘aqui na fábrica’... como era a natureza da fábrica, uma multinacional... colocando a fábrica como sendo... o céu. E ai ele entrava: ‘No Brasil agora estamos vivendo um momento’... Isso em 1970, o tempo mais cruel da ditadura militar:
‘Nos estamos vivemos um momento muito difícil, porque tem os inimigos da pátria, tem esses bagunceiros, esses terroristas, esses agitadores que tentam confundir a cabeça do povo. Agora eles estão com tese de trabalhar também dentro da fábrica. Eles entram mancomunados como operário, depois faz o trabalho dentro da fábrica, e se vocês descobrirem um desses ai... Ou se vocês verem um desses aqui que são procurados políticos’... estava os cartazes que eles colocavam naquele tempo, e faziam, tirava sua foto, porque eles não te achavam para prender, botam os cartazes em um monte de lugar que era  para os outros te entregar... Mostrou lá aquela lista enorme de companheiros que estavam desaparecidos, que eram clandestinos... ‘Se vê algum elemento desses chama a policia na hora’. E ai eu comecei a assistir aquilo... falei: misericórdia! ‘E são todos comunistas, nós queremos acertar contas com esse povo ai!’. O coronel falava isso! (...)’.
 Ai eu assisti aquilo, voltei para casa, eu fazia parte da Comunidade... Fui lá colocar para a comunidade... eu não agüentava sustentar aquele conhecimento, aquela coisa sozinho... Precisava dialogar com alguém, desabafar... Ai levei para a comunidade... Ai os padres, o pessoal...: ‘Você vai entrar, você não vai abrir o jogo, vai trabalhando’... Isso os padres operários,  ‘Vai trabalhando’...
Depois eu fui na AP também colocar... ‘Vai trabalhando, fica quieto, vai viver lá dentro, fazer amizade com os operários, saber que é quem para no momento certo a gente atuar’. Então eu entrei, fiquei quietinho (...).  Ai começo a trabalhar, logo em seguida fico sócio do sindicato, só em 1975 e viro diretor, ai depois em 1977 e lanço a chapa de oposição e saio do sindicato...
Ai vou falar como se deu a greve [de 1978]. Começo na Scania no ABC, depois veio na Toshiba em São Paulo e a Brown Boveri em Osasco. Ai a entrevista que fizeram com esse coronel, a Folha de São Paulo: ‘E ai, o senhor que é da segurança aqui da empresa, tem algum movimento aqui dentro da Brown Boveri? Lá na Toshiba, lá na Scania fizeram um movimento grevista, e ai, como está aqui?’. Ele respondeu: ‘Aqui está uma maravilha, está tudo legal’. Ele falou isso, e nós preparando... Ai nós combinamos, a liderança ali... cada setor da fábrica, nós sabíamos que é que arregimentava ali, quem era o cabeça ali... Tinha a comissão clandestina, eu, esse professor Geraldo, a gente era da comissão clandestina dentro da fábrica. E tinham dois diretores sindicais mais eram pelegos. Nós trabalhávamos no nariz deles e eles não viam. E os operários sabiam que eles eram pelegos, os operários mais conscientes né. E com isso nos atingíamos os demais da fábrica...
No meio desses operários tinham militantes de 1968?
Tinha. Mas assim, na Brown Boveri não tinha, por exemplo. E nos metalúrgicos, aqueles mais ativistas de 1968 não conseguiam mais emprego não. Tinha mudado de trabalho. Meu compadre virou professor, estudou... Teve que fazer outra coisa na vida. Não estava mais na fábrica. O Joaquim Miranda [importante liderança operária] aos poucos voltou. Continua até hoje, sindicalista e tal... Mas o grosso saiu fora da..., da luta real daquilo que fazia. Passou a fazer de outra forma, porque o revolucionário não para nunca, ele não esconde, vai deixando se rastro onde estiver.
Ai nós começamos a discutir, mais como é que se dá essa greve [Scania e Toshiba], não tinha como saber, não dava tempo, tava trabalhando na fábrica, como é que eu ia saber como eles fizeram lá né, não tinha ligação... Então vamos fazer o seguinte, ficamos sabendo que eles prepararam um boletim chamava “mosquitinho”, uma coisinha, um cantinho de papel, assim, cortado, recortava ele, o mesmo texto, chamando o operário para a greve. Fizemos o mosquitinho, ai a gente saia da fábrica com o bolso cheio de ‘mosquitinho’, ai eu cumprimentava você com um mosquitinho na mão... “Olá companheiro, bom dia! Boa tarde! Está aqui, leia aqui! Ai companheiro lei aqui!’. E ia passando o ‘mosquitinho’. Ai naquele dia X, naquela hora X, que era no dia seguinte, quando foi 3 horas, tinha um descanso de 10 minutos para você tomar uma café, tomar um refresco depois começava o trabalho. Ai de repente apitou para parar, parou os 10 minutos. Me deu uma ansiedade... me deu um troço, sabe... Você está ali meio no escuro né, não sabe o que vai acontecer, ‘será que os operários vão atender?’. A informação que eu tinha de todo o meu comando, na fábrica, era que estava tranqüilo né... O operariado com quem eles falavam, e um ia falando com o outro... Mas não era para falar para o chefe. Por exemplo, o Coronel Chirandello não sabia, estava ‘tudo na paz’. Ai foi me dando aquela coisa no corpo, ai eu ‘o que eu faço?’... Eu era o pivô de todo aquele povo né... ai apitou, acabou os 10 minutos a sirene apita... Que era para começar o trabalho outra vez... Ai olhei para um, olhei para outro, ficamos no canto da parede como nós tínhamos combinado... Uns na parede de cá, outros na parede de lá, um ficava olhando para o outro, um se fortalecia com o outro e para saber que ninguém ia furar né. Ai pronto, não começou a trabalhar, as máquinas não funcionaram, os tornos mecânicos não eram ligados, foi parando, foi parando. E aquele silencio total. E a fábrica não voltou a funcionar.
Ai um chegava: ‘oh Zé Pedro, a sessão X legal, beleza!’. ‘oh, rapaz, aqui está uma beleza!’. ‘Parou!’. ‘Parou!’, e pronto. Daqui a pouco desce os caras do RH, o Chirandello: ‘Vocês não vão trabalhar não?’. ‘Eu não sei de nada’, e dava as costas. ‘E você?’. ‘Eu não sei de nada não’ e saia fora... ‘Com quem que eu vou falar aqui?’. ‘Não sei!’. ‘Quem é o líder?’. ‘Não sei!’. (...). Ai ligaram para o sindicado: ‘Olha, vem aqui porque esses doidos pararam aqui e não tem com quem conversar”. Ai marcou, o sindicato combinou de fazer com a direção da empresa de fazer uma assembléia com todo mundo dentro da fábrica para dialogar. Ai quando fez aquela assembleiona. (...). Ai o presidente do sindicato veio, reuniu 3 mil peões, homem, tinha menos mulheres, mais era homem, ai foi, falou umas coisas... Ai eu falei: ‘quero falar!’ Ai subi em cima de uma caçamba de botar sucata (...)...
(...). Ai comecei a falar... lembro como se fosse hoje... Disse: ‘olha, nós estamos fazendo essa greve aqui, não é porque a gente gosta de para o trabalho, nós estamos aqui parados, é porque tem uma razão para estarmos parados, e essa razão foi colhida de cada um de vocês... e saber se vocês concordam’... Ai li o rol de reivindicações que nós estávamos fazendo. ‘Então estou passando para o Henos Amorina tudo aquilo que nos combinamos aqui, para o Henos Amorina levar para a diretoria da empresa, e é esse ponto, esse ponto, esse ponto (...)’. Por que isso? Ai comecei a falar... ai radicalizamos. Ai o que deixou eles muito bravos, é porque eu apontei algumas coisas que mexiam muito com o brilho da empresa. Eu disse... ‘da remessa de lucro que ela levava do Brasil para fora... da invenção fajuta que fazia para roubar o nosso pais. E roubar o nosso país significa tirar dinheiro fora do combinado, fora do que está na lei para levar para fora’. Falei os pontos X, porque estava sabendo, porque eu tinha colhido isso o tempo todo.




[1] (Citou o livro “O Coronel Tem um segredo, que conta a história de Paulo Wright, um dos principais dirigentes da AP na região. Citou também o Imagens da revolução – Daniel Arão reis filho).

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Lady Gaga, Salman Khan